Valor Econômico
Daniel Rittner, de Buenos Aires
Ricardo Saavedra é zelador, tem 43 anos e trabalha com carteira assinada em um condomínio de classe média alta em Buenos Aires. Nos últimos meses, comprou uma TV de tela plana, computador e equipamento de ar condicionado. Tudo à vista, sem usar crédito nem qualquer outro serviço financeiro.
Como a maioria dos argentinos, Saavedra não tem conta corrente – e prefere guardar dinheiro em casa, desprezando a ideia de abrir uma poupança. “Vi tudo o que aconteceu na crise de 2001 e não confio nos bancos. Sei que nem todos estão mal, mas ninguém sabe qual deles terá novamente algum problema grave”, afirma.
Ao contrário do que pensa o zelador, os bancos estão saudáveis na Argentina e praticamente se livraram da herança da crise de 2001/2002, a maior de sua história. Estão sendo concluídos os pagamentos de indenizações obtidas por clientes que ganharam processos na Justiça contra a “pesificação” dos depósitos em dólares, no fim do regime de convertibilidade.
As principais instituições financeiras melhoraram seus indicadores de solvência e de liquidez. Ficaram menos expostos ao risco, diminuindo o papel que exerciam como credor do Estado. O setor opera no azul desde 2005 e teve lucro de 8,048 bilhões de pesos (cerca de R$ 3,7 bilhões) no ano passado, 68% a mais do que no exercício anterior, apesar da recessão global.
Mas o cenário que o Banco do Brasil encontrará na Argentina, após a compra do Patagonia, é de um sistema financeiro com baixo grau de bancarização e pouca oferta de crédito. Menos de 30% da população com idade adulta tem conta bancária, segundo o Instituto de Estudos Econômicos da Fundación Libertad, proporção inferior a quase todos os países da América do Sul – incluindo Chile, Brasil, Paraguai e Equador. O crédito ao setor privado está em 12% do PIB, cerca de um quarto do projetado para o Brasil neste ano.
É difícil apontar uma única razão para o mau desempenho desses indicadores. Os analistas costumam mencionar o histórico recente de crises financeiras, o alto nível de informalidade da economia, a forte cultura do dólar como moeda de referência e a imagem negativa dos bancos.
“Ainda está bem fresca na memória das pessoas a imagem das invasões às agências na crise de 2001”, diz Ricardo De Lellis, sócio responsável por serviços financeiros da KPMG na Argentina. “Mas o sistema está bastante saudável e digeriu todas as pendências daquele período. Aparentemente, não teremos surpresas desagradáveis”, avalia.
Para aumentar a bancarização e estimular o crédito, o Banco Central da Argentina (BCRA) tem estudado flexibilizar a exigência para a abertura de agências e o registro de instituições financeiras novas. O governo tem buscado recursos de organismos internacionais para emprestar a pequenas e médias empresas em moeda local, com risco cambial assumido pelo Estado, e fala bastante em estimular o microcrédito com verbas parcialmente não reembolsáveis.
“O certo é que, para termos uma nova etapa de crescimento, precisamos de incentivos novos”, diz De Lellis. Uma sondagem realizada em novembro pela KPMG, com executivos de instituições financeiras, revela que a insegurança jurídica, a carga tributária, a possibilidade de maior regulação, os reajustes salariais dos funcionários e a crescente ingerência do Estado estão no topo de suas preocupações.
Recentemente, uma aposta dos bancos para atrair os clientes tem sido estimular o uso de cartões de crédito. A quantidade de plásticos em uso aumentou 24% nos últimos dois anos e já existem quase 20 milhões em circulação.
Uma série de parcerias com redes de varejo e supermercados foi fechada, dando descontos de 10% a 20% nos pagamentos com esses cartões. Ter conta corrente não é pré-requisito, mas os bancos acreditam que o maior uso dos cartões é uma forma eficaz de seduzir clientes para outros produtos.
Para o vice-presidente de negócios internacionais e atacado do BB, Allan Simões Toledo, esse cenário constitui uma oportunidade de crescimento para o banco na Argentina. “Apostamos na inclusão bancária”, disse Toledo, em entrevista ontem ao Valor.
O maior foco do BB estará nos serviços atrelados às 400 empresas brasileiras com presença no país – 250 das quais já são clientes do banco estatal. “Queremos fazer o ‘cash management’ das companhias”, afirma. Mas, segundo Toledo, o varejo também será uma prioridade. “Para trabalhar bem com o atacado, precisamos do varejo. Se não tivermos uma boa rede, não conseguimos captar depósitos à vista, que permitem conceder empréstimos em moeda local”, explica.
O BB quer aprender com a expertise local, como enfatizou no anúncio de aquisição do Patagônia, mas também aportar sua experiência. “Qualquer banco brasileiro é referência em autoatendimento”, exemplifica. “O que nos move a vir para cá são as empresas brasileiras e o crescimento do comércio bilateral. Mas, uma vez aqui, vamos maximizar o nosso investimento”, conclui.