Em debate no plenário da Câmara, trabalhadores exigem retirada do PL 4330

Câmara barrou trabalhadores e galeria ficou esvaziada durante comissão geral

A luta de classes se materializou com toda sua crueza na comissão geral (audiência pública) que debateu nesta quarta-feira 18, no plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília, o PL 4330 do empresário e deputado Sandro Mabel (PMDB-GO), que permite a terceirização de todos os setores das empresas, inclusive as atividades-fim. De um lado, os trabalhadores, os parlamentares de partidos progressistas e representantes de entidades do campo do Direito do Trabalho – que defenderam o arquivamento do projeto de lei. Do outro, as associações empresariais e deputados conservadores que não abrem mão do PL. Não foi à toa que o negociador da Fenaban, Magnus Apostólico, estava presente e foi à tribuna para defender a aprovação do projeto.

As galerias do plenário Ulysses Guimarães ficaram praticamente vazias durante a comissão geral, que começou pouco depois das 11h e terminou às 16h, porque os trabalhadores foram barrados do lado de fora. “Se fosse realmente a Casa do Povo, a Câmara deveria estar lotada. Há claramente uma diferença de tratamento por parte da presidência da Câmara em relação a empresários e trabalhadores. Até por isso é importante uma reforma política que acabe com o financiamento privado das campanhas eleitorais”, criticou o presidente da CUT, Vagner Freitas.

Em várias discussões recentes na Câmara, como por exemplo na votação do projeto Mais Médicos, os manifestantes contrários à proposta do governo tiveram acesso livre ao plenário e puderam se manifestar à vontade, inclusive vaiando os parlamentares favoráveis – sem que fossem incomodados pela presidência da Casa, ao contrário do que tem acontecido com os trabalhadores nas discussões sobre o PL 4330, tanto na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) como agora no plenário geral.

‘Querem legalizar interposição fraudulenta de mão-de-obra’

“O objetivo real do PL 4330 é legalizar a interposição fraudulenta de mão-de-obra. Os trabalhadores brasileiros precisam saber que, se o PL 4330 for aprovado, serão demitidos e substituídos por terceirizados com salários menores e menos direitos”, atacou Vagner Freitas na exposição aos parlamentares.

O presidente da CUT rebateu o argumento central dos defensores do projeto de lei, repetido como um mantra por todos os parlamentares favoráveis e representantes patronais que ocuparam a tribuna na comissão geral, segundo o qual o PL 4330 visa apenas regulamentar a terceirização e assegurar direitos aos trabalhadores terceirizados, modernizando as relações de trabalho e tornando as empresas mais competitivas.

Ele disse que é mentiroso o argumento de que terceirização significa especialização do serviço. “Não é. É para pagar mais barato ao trabalhador que substituirá o empregado direto”.

“Também estamos preocupados em garantir direitos aos 13 milhões de terceirizados que os empresários tanto citam. Podemos negociar a regulamentação da terceirização. Temos maturidade e experiência em negociação. Estamos dispostos a sentar na mesa para estabelecer regras para normatizar, mas desde que se retire esse projeto. Ele não trata disso. Ao contrário, quer apenas precarizar os outros 48 milhões de trabalhadores. Colocar o trabalhador para ter uma jornada maior e pagar menos não tornará o país mais competitivo. E não podemos negociar com a faca no nosso peito. Pra negociar, é preciso retirar o PL 4330 da pauta da Congresso”, enfatizou Vagner.
Ele disse ainda que “em cada rincão deste país vai ter um militante da CUT organizado para impedir que esse PL avance”.

As demais centrais sindicais também condenaram o PL 4330. Os representantes da CTB, da Força Sindical, da UGT, da Nova Central, da CGTB e da Intersindical ocuparam a tribuna e mostraram igualmente os prejuízos para a classe trabalhadora e o Brasil.

Justiça do trabalho também é contra

Vários ministros, juízes e procuradores do trabalho também foram ouvidos na comissão geral e criticaram o projeto de lei do empresário Sandro Mabel. Dos 26 ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST), 19 assinaram manifesto condenando o PL 4330 e todos os 24 presidentes dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRT) também se posicionaram contrários ao projeto, assim como a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) e a Associação Nacionais dos Procuradores do Trabalho (ANPT).

Maurício Delgado falou em nome dos 19 ministros (de um total de 26) que assinaram manifesto contra o PL 4330. “Somos 73% do colegiado e todos nós temos no mínimo 25 anos de julgamentos de casos de terceirizações e de experiência de verificação dos efeitos terríveis da terceirização sobre a vida e a saúde dos trabalhadores”, disse o ministro.

Para o ministro do TST, o PL 4330, “em vez de regular e restringir a terceirização, generaliza a terceirização no país, ampliando os malefícios para os trabalhadores e para o país”. Na sua opinião, o PL traz prejuízos de várias ordens:

1. “As categorias profissionais tenderão a desaparecer, uma vez que todas empresas vão terceirizar para reduzir custos.”

2. “O PL 4330, se aprovado, terá efeito avassalador sobre as conquistas trabalhistas históricas sedimentadas há 70 anos e reconhecidas pela Constituição Federal.”

3. “Isso seria muito ruim para a economia do país, porque haverá uma redução da massa salarial e do poder de consumo dos trabalhadores, o que acabará prejudicando as próprias empresas.”

4. “A generalização da terceirização significará uma piora da saúde dos trabalhadores. Não conheço um único exemplo de que a terceirização tenha melhorado as condições de saúde dos empregados. Só o contrário.”

5. “Com a aprovação do projeto de lei, haverá ainda um problema fiscal no país, porque todas as empresas vão ampliar a terceirização, reduzindo o pagamento de impostos, o que trará impactos na vida econômica e social do país.”

O ministro do TST, Alexandre Belmonte, também signatário do manifesto, citou os prejuízos que a aprovação do projeto pode trazer. “A Súmula 331 do tribunal traça todos os limites para que a terceirização possa se realizar com dignidade para o trabalhador. O projeto elimina esses limites.”

Tragédia para o futuro do país

O presidente da Anamatra, Paulo Luiz Schimidt, considerou o projeto “uma tragédia, em termos de futuro político da Nação”. Segundo ele, hoje os direitos garantidos aos trabalhadores terceirizados são os previstos na Constituição e na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). De acordo com Schimidt, os processos envolvendo empresas de serviços terceirizados são inúmeros e sem resultado, “porque as empresas simplesmente somem”. “Se a proposta for aprovada, o que é exceção vai virar regra”, opinou.

Para Carlos Eduardo de Azevedo Lima, presidente da ANPT, “a proposta traz mais precarização e é um retrocesso social”. Ele destacou que as estatísticas comprovam que os trabalhadores terceirizados ganham menos, trabalham mais, têm rotatividade maior nos empregos e têm mais acidentes de trabalho. Segundo ele, a associação de procuradores está disposta a discutir a regulamentação do trabalho terceirizado, mas não nos moldes da proposta do deputado e empresário Sandro Mabel.

Azevedo Lima também criticou o fato de o texto atual permitir a contratação de serviços terceirizados nas chamadas atividades-fim das empresas. “Isso pode levar a bancos sem bancários, escolas sem professores e aí por diante”, observou. Ele defendeu ainda que a regulamentação institua a responsabilidade solidária da empresa contratante em relação às obrigações trabalhistas e previdenciárias.

Tentativa de regulamentar a fraude

O deputado federal Ricardo Berzoini (PT-SP) disse que seria uma ironia aprovar um projeto como o 4330 quando a Constituição de 1988, que reconhece o valor social do trabalho, está completando 25 anos e a CLT, 70 anos.

“O que estão propondo é a interposição fraudulenta de mão-de-obra daqueles empresários que são desonestos. Do jeito que está, o projeto é inconstitucional. Se permitirmos a fragmentação da organização sindical dos trabalhadores, e é só dos trabalhadores, porque os empresários vão continuar com seu sistema “S”, um patrimônio duramente constituído será jogado no lixo”, apontou Berzoini.

Além do PT, as bancadas do PSB, PCdoB e PSOL, por meio de suas lideranças, informaram que fecharam questão contra o projeto.

Legalizar a precarização do trabalho

Sandro Mabel e o relator Arthur Maia (PMDB-BA) mostraram estar afinados com os patrões. Eles e os empresários destacaram a terceirização como um fato, uma realidade e um processo irreversível, frisando a necessidade de garantir um ordenamento jurídico. Algo como defender no passado a escravidão e hoje o trabalho escravo por causa da sua existência.

“Essa lei acaba com a precarização dos trabalhadores, que hoje só contam com a Súmula 331 do TST. Vamos diminuir muito o sofrimento do trabalhador que perde emprego e não tem para quem reclamar. Muitos são contra porque não leram o projeto ou por ideologia”, apontou Mabel.

A “defesa” dos terceirizados foi ironizada pelos deputados Dionilso Marcon (PT-RS) e Janete Pietá (PT-SP). “Nunca vi raposa cuidar do galinheiro. O deputado Sandro Mabel tem lado e não é dos milhões de trabalhadores, mas sim dos empresários, a quem tem de prestar conta, de quatro em quatro anos, porque são eles que financiam sua campanha”, disse Marcon.

“Sandro, não subestime a classe trabalhadora, que leu o projeto. Há sim uma questão de ideologia: você representa os empresários e nós, a classe trabalhadora”, afirmou Pietá.

Trabalhadores não são bandidos

A comissão geral foi interrompida depois do início quando o deputado federal Darcísio Perondi (PMDB-RS) acusou ter sido agredido por representantes das centrais sindicais que foram impedidos de entrar na Câmara e os chamou de “bandidos”.

O deputado Vincentinho (PT-SP) rebateu imediatamente e acusou os policiais de agredir os sindicalistas. A deputada Erika Kokay (PT-DF) e o líder do PT, José Guimarães, protestaram contra a afirmação de Perondi, afirmando que se tratam de trabalhadores e não bandidos.

Manter a mobilização

Ao final do encontro, o secretário de Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho, Manoel Messias, disse que é preciso equilíbrio para garantir uma legislação justa e que isso só será possível “se houver entidades sindicais fortes, sem fragmentação dos trabalhadores e com limites à regulamentação.”

O presidente da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), deputado Décio Lima (PT-SC), encerrou a comissão geral com a afirmação de que não há data marcada para votar o PL e defendeu que o diálogo entre trabalhadores, empresários e governo continuem.

Para a secretária de relações do Trabalho da CUT, Maria das Graças Costa, o debate foi positivo, principalmente para a classe trabalhadora. “Pela primeira vez, os empresários resolveram mostrar a cara e deixaram claro quais interesses defendem. Acredito que nossos argumentos venceram essa disputa hoje, mas só vamos conseguir engavetar esse projeto se houver mobilização em todos os estados.”

O presidente da Contraf-CUT, Carlos Cordeiro, elogiou a participação das entidades sindicais dos bancários na luta contra o PL 4330 e alerta que os trabalhadores não podem baixar a guarda. “O PL não foi aprovado até agora em razão da forte mobilização dos trabalhadores. Temos de continuar vigilantes. Ganhamos várias batalhas, mas ainda não a guerra. É preciso manter a mobilização.”

Homenagem a Gushiken

A comissão geral começou com uma justa homenagem proposta pela bancada do PT a Luiz Gushiken, bancário do antigo Banespa (adquirido pelo Santander), presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, deputado federal por três mandatos, inclusive constituinte, e ministro da Secretaria de Comunicação do presidente Lula no primeiro mandato. Ele faleceu na sexta-feira (13), na capital paulista.

Além de um pronunciamento do líder do PT, foi lido o poema “Samurai” escrito para registar a história deste grande brasileiro.

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