Mudança em critério de crédito vai fragilizar o BNDES, diz economista

A proposta do governo de mudanças que afetarão os parâmetros para fixação de crédito do BNDES precisa ter resistência de trabalhadores e de empresários, diz o economista Marcelo Miterhof, que participou hoje (10) de seminário sobre bancos públicos organizado pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo. Ele comentou a ideia de extinguir a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), que baliza a determinação de crédito da instituição, com a criação de uma nova taxa, a TLP, baseada em um título público (NTN-B de cinco anos), indexado à inflação. A medida, para a associação dos funcionários do BNDES, representa um enfraquecimento da instituição como banco de desenvolvimento.

Para Marcelo, a proposta é "muito mal fundamentada tecnicamente", e politicamente significa um "desmonte" da instituição, que poderia deixar de financiar setores estratégicos, como o de máquinas e equipamentos, a partir do uso de uma taxa "mais alta e mais volátil". Ele observa que não haveria necessidade de regular o tema, já que hoje a TJLP é tabelada pela equipe econômica, no caso, pelo Conselho Monetário Nacional, enquanto a taxa Selic é definida pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central. "Eles querem inscrever em pedra para fazer com que seja mais difícil mudar no futuro."

No debate, realizado durante todo o dia em um hotel na região central de São Paulo, que também analisou a conjuntura política, o economista contestou a tese de que o recente crescimento brasileiro se deu pelo consumo, apontando a importância do crédito e do investimento. Ele citou dados para mostrar a importância do BNDES no crédito, menor na relação com o Produto Interno Bruto (PIB) na comparação internacional, mas mais elevado quando se considera o total.

Segundo ele, o BNDES representa 11,8% do PIB brasileiro e 21,7% do crédito total no país, enquanto os equivalentes na Alemanha representam 13,7% e 12,6%, respectivamente, chegando a 12,5% e 7,4% na China e 4,4% e 2,7% no Japão. A taxa de investimento média, no Brasil, passou de 17% no período 2007/2007 para 20% entre 2008 e 2014. Os bancos públicos vêm aumentando sua participação, chegando atualmente a mais de 50% do mercado. "O culpado passou a ser o crédito direcionado", comentou.

Marolinha
"Os neoliberais sentem verdadeira alergia ao crédito direcionado, que aloca recursos em setores ou regiões", acrescentou o professor João Sicsú, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), um dos responsáveis pela cartilha lançada hoje durante o debate. Ele endossou expressão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a "marolinha" durante a crise, considerando "adequada" a política do país naquele período. "O governo colocou seus três bancos para aumentar o crédito e reduzir juros. Esse movimento foi muito importante, no qual os bancos públicos mostraram para que servem. Foi útil inclusive para bancos privados, que não tiveram aumento significativo na taxa de inadimplência."

Com o BNDES fora do fomento à indústria e à infraestrutura, avalia Sicsú, o crédito vai ficar mais atrativo fora do Brasil, o que levará a uma nova dolarização, aumentando a exposição à crise. "(As empresas) vão se endividar em dólar, mas terão receitas em reais."

Ele cita também planos como o Pronaf, voltados à agricultura familiar, como exemplo do desinteresse do setor privado. "O programa é aberto à participação de bancos públicos e privados. Estes têm participação irrisória, quase nula. Vão tirar os bancos públicos da jogada e não vai ter ninguém para ocupar esse lugar", disse Sicsú, lembrando que a agricultura familiar responde por 70% dos alimentos produzidos no país.

"Bancos públicos trazem empregos e bem-estar social. E os bancos privados não vão ocupar esse espaço", acrescentou o economista, citando também a importância dos bancos regionais e estaduais. Segundo ele, Itaú e Bradesco já "comeram" quatro bancos estaduais e o Santander, um, além de estar de olho no Banrisul. E a recente negociação de dívidas dos estados inclui como condição a privatização de empresas de saneamento e energia, além dos bancos públicos.

Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), Fernando Figueiredo, que revelou ter um "coração de esquerda", o Brasil nunca teve uma política industrial e o país sempre exportou suas riquezas, desde o pau-brasil, passando por café, açúcar e minério. "Precisamos agregar valor às nossas riquezas minerais. A gente não pode, de forma alguma, virar exportador de petróleo e gás."

"Essa questão dos bancos públicos se confunde com a evolução da nossa economia", afirmou o presidente do Clube de Engenharia, Pedro Celestino, lembrando que até a década de 1950 o Brasil era apenas exportador de café e minério, um país "litorâneo, quase colonial", um cenário que começou a mudar com a criação da Petrobras e da Eletrobras – e do próprio BNDE, ainda sem o "S", em 1952. "A construção dessas empresas, que se mostraram essenciais para a economia nas décadas seguintes, não seria possível se não houvesse financiamento público. Nossos bancos privados eram voltados essencialmente para a agropecuária."

 

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