No final da década de 1970, o jovem funcionário do Banespa, Luiz Gushiken, juntou-se a um grupo de bancários de São Paulo para formar um movimento que visava retomar o Sindicato, que, então, só servia para homologar as decisões dos bancos. Depois de muita luta, o grupo conseguiu derrotar o sindicalismo oficial e, em 12 de março de 1979, os bancários puderam finalmente reassumir o Sindicato, que hoje, 30 anos depois, é uma das maiores entidades de representação dos trabalhadores da América Latina.
Para comemorar as três décadas da retomada do Sindicato, a entidade relançará um vídeo, gravado em 1989 e vencedor do prêmio Wladimir Herzog à época, relatando a história daquele movimento, que foi importante não só para os bancários, mas para a própria redemocratização do Brasil. A Folha Bancária e o site do Sindicato publicam, ao longo do mês de março, em homenagem à retomada, uma série de entrevistas com os protagonistas dessa história.
A construção do novo sindicalismo – Em 1978, o ambiente político vivido pelo Brasil era extremamente tenso. A ditadura militar reprimia qualquer manifestação e o governo tinha o poder de intervir nos sindicatos a pretexto de “manter a ordem”. Gushiken lembra que, para disputar as eleições para o Sindicato dos Bancários de São Paulo, o grupo de oposição precisou organizar uma campanha que dialogasse com toda a sociedade e não só com os bancários.
“Espalhamos propaganda eleitoral em todo centro de São Paulo, pois precisávamos do apoio da população. As palavras de ordem não eram específicas para a categoria, mas dialogavam com os anseios de toda a sociedade, com questões ligadas à democracia, à liberdade, contra a ditadura. Precisávamos desse apoio porque sabíamos que a disputa teria um grande impacto no movimento sindical brasileiro. E foi o que aconteceu, a retomada do Sindicato de São Paulo deu um impulso na organização da categoria jamais visto na história do movimento bancário. A partir daquela eleição, os bancários começaram a ganhar os sindicatos no Brasil inteiro, tirando os pelegos das direções. A eleição teve um significado político muito importante naquele momento, não só para a luta dos trabalhadores, mas até para derrubada do regime militar”, lembra.
Para Gushiken, o papel desempenhado pelo Sindicato dos Bancários a partir de 1979 transformou a entidade num dos principais instrumentos de fortalecimento da luta dos trabalhadores. “Sem medo de errar, posso dizer que, depois do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, o Sindicato dos Bancários de São Paulo foi a entidade mais importante para a construção do novo sindicalismo. A vitória que obtivemos nas urnas significou muito mais que um impulso na luta dos bancários; foi fundamental para a organização dos trabalhadores de um modo geral”, diz.
Os primeiros anos – Com a vitória consolidada e a posse da nova diretoria, os bancários enfrentaram um novo desafio: estruturar um Sindicato que há anos não representava de fato a categoria. “Era um sindicato burocrático, não tinha relação nenhuma com a massa. Não tinha ferramentas, nem as tecnologias de hoje que ajudam a organizar o movimento dos trabalhadores. Para falar com os bancários, na rua, tínhamos apenas um megafone com pilha”, recorda.
Gushiken ri ao lembrar daquele início difícil e destaca que os obstáculos foram superados com muito trabalho e, acima de tudo, criatividade. “Depois do megafone, evoluímos para os autofalantes ligados em bateria de carro ou numa tomada emprestada de um barzinho que ficava em frente ao banco Itaú, da Rua Boa Vista. Mas ainda não estava bom e foi aí que inventamos o aparelho de som com base em gerador de gasolina. Este tipo de som, usado muito hoje em dia, foi uma criação do nosso Sindicato, pioneiro nessa ferramenta. Contratamos engenheiros, que trabalharam em cima do gerador usado em camping. O problema era o barulho do motor, que conseguimos superar aumentado a potência do som”, conta.
Mas não são só as boas recordações que sobrevivem na memória daqueles pioneiros do novo sindicalismo. Gushiken não se esquece da perseguição sofrida por parte da ditadura, que cassou toda a diretoria do Sindicato um ano depois e nomeou um interventor para a entidade. “Foi uma experiência bastante traumática. Naquele tempo, a ditadura não tinha mais aquela força toda, principalmente no que diz respeito às torturas cometidas nos anos anteriores. Mas os mecanismos de repressão estavam todos intocáveis e os militares usaram esses instrumentos contra o nosso Sindicato”, conta.
Além da repressão da ditadura, os bancos utilizavam todo seu poder econômico e político para reprimir a organização dos bancários. “Os sindicalistas eram impedidos de entrar nos bancos, a relação das empresas com o movimento sindical era de confronto. O patronato sempre se apoiou na relação com a ditadura para manter sua política. E romper com isso era difícil, porque os bancos não queriam reconhecer a legítima representação dos trabalhadores. Se fazíamos greve, os bancos chamavam a polícia e apanhávamos muito. Mesmo na hora de negociar os bancos endureciam, porque não estavam acostumados a dialogar com os trabalhadores. Pelo contrário, as negociações feitas com a diretoria anterior do Sindicato era pró-forma, um rito para os bancários se curvarem à vontade do patronato. Conseguimos mudar isso quando passamos a divulgar instantaneamente o resultado das negociações nos jornais diários que tínhamos”, relembra.
Na época da intervenção, Gushiken e os companheiros de Sindicato arrecadavam dinheiro na porta dos bancos para pagar o boletim diário. “Foi um momento bastante educativo. Antes de tudo, era uma luta política pela liberdade. Foi um aprendizado importante, que serviu para educar a própria categoria, hoje uma das mais fortes e organizadas do Brasil”, conclui.
Trajetória – Depois de assumir a vice-presidência do Sindicato, em 1979, Gushiken foi eleito presidente da entidade, na gestão de 1984 a 1986. No ano seguinte, elegeu-se deputado federal, cargo que ocupou por três legislaturas, de 1987 a 1999. Foi também coordenador das campanhas presidenciais de Lula em 1989 e 1998 e presidente nacional do PT. Formado em administração de empresas pela Fundação Getúlio Vargas, foi ministro-chefe da Secretaria de Comunicação da presidência da República.