O Sindicato dos Bancários de São Paulo fez história na sexta-feira, dia 19, quando a diretora da entidade e funcionária do Santander Rita Berlofa foi à tribuna da assembléia geral de acionistas da instituição financeira denunciar as mazelas dos funcionários do banco espanhol no Brasil. A assembléia aconteceu na cidade de Santander, no norte da Espanha, e contou com a participação de cerca de 2 mil pessoas.
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“Foi a primeira vez que um sindicalista de fora da Espanha conseguiu esse feito”, disse o responsável pelas relações internacionais da Comfia-CCOO (Federación de Serviços Financieros Y Administrativos), Manoel Rodrigues Aporta (Manolo). “Rita utilizou de forma muito inteligente os cinco minutos a que teve direito, resumindo bem os graves problemas que os trabalhadores do Santander enfrentam no Brasil”, comentou. Rita coordena o Comitê de Empresa do Santander na UNI América Finanças Sindicato Mundial e integra o Comitê Executivo Mundial da UNI Sindicato Mundial.
Ela relatou ter se sentido num ambiente hostil aos trabalhadores. “Essa assembléia é uma grande festa anual de acionistas para comemorar lucros. Havia portanto uma tensão por parte do banco para o que iríamos falar ali. Em conversas preliminares com o banco deixamos claro que não tínhamos a intenção de ‘estragar a festa’ de ninguém, mas que usaríamos nosso direito de manifestação para denunciar os graves e recorrentes problemas que não estão sendo resolvidos pelo banco no Brasil”, diz.
No discurso, a dirigente lembrou, além do desrespeito ao processo de negociação e das demissões, a falta de funcionários nas agências, a precariedade das condições de trabalho e reivindicou o cancelamento do novo plano do HolandaPrevi e o respeito aos direitos aos aposentados do grupo, entre outras questões.
“Havia um receio por parte dos sindicalistas espanhóis com o que podia acontecer, se cortariam o microfone, se iriam tentar me interromper, se eu seria vaiada”, diz Rita. Mas nada disso aconteceu. O discurso transcorreu sem problemas e, ao final, foi aplaudido, principalmente pelos acionistas minoritários presentes ao encontro.
Mais tarde, o presidente mundial do Grupo Santander, Emílio Botín, respondeu aos questionamentos. “Ficamos impressionados com o fato de o Botín ter respondido pessoalmente e em tom respeitoso. E pelos aplausos. Aquele não era de forma alguma um público favorável a um sindicalista e, mesmo assim, houve respeito”, disse Manolo.
As palavras de Botín, porém, não satisfizeram Rita. “Foi uma resposta respeitosa, mas política, sem abordar seriamente os temas levantados nos meus questionamentos.”
A última vez que os trabalhadores haviam interferido na “grande festa” anual do Santander foi em 2003, quando o banco demitiu 12 mil dos 32 mil funcionários na Espanha. “Nos unimos na época e fizemos uma campanha muito dura contra o banco”, lembra o dirigente da Federación de Servicios de Unión General de Trabajadores (FeS-UGT), Javier Vila.
“Consideramos a fala de Rita acertada e adequada, considerando a atitude agressiva do Santander com os trabalhadores brasileiros. A maior parte dos acionistas ali presentes está preocupada com o lucro, não importa como ele venha, mesmo que seja às custas da exploração de trabalhadores”, disse Javier, destacando esperar que o acontecimento impulsione a criação de um conselho internacional de bancários do Santander.
Rita concorda. “Vamos buscar a formatação de acordo marco que tenha validade em todo o mundo e que obrigue o Santander a respeitar seus trabalhadores onde quer que esteja. Hoje tudo é muito centralizado na Espanha, há muita ingerência da administração central nos países onde o banco está, isso tem que mudar”, disse, lembrando de casos recentes nos quais acordos já acertados entre trabalhadores e banco no Brasil demoraram meses para entrar em vigor à espera do aval espanhol.
Resposta
Emilio Botín, presidente do Santander, respondeu ao final da assembléia de acionistas (leia abaixo), ao discurso da diretora do Sindicato. Botín disse que “a relação com os sindicatos se baseia no diálogo e compromisso”. Para Rita, não é exatamente o que tem acontecido no Brasil. “Nem sempre os compromissos são respeitados”, destaca a dirigente.
“Em resposta à D. Rita de Cássia Berlofa, que nos falou sobre assunto sindicais do Brasil, quero dizer em primeiro lugar que nossa relação com os sindicatos se baseia no diálogo e compromisso e que as diferenças devem ser tratadas e solucionadas com diálogo. Esse é o nosso modelo vigente em todo o grupo. E que no Brasil tivemos importantes acordos sindicais, alguns, como sabe a D. Rita, muito recentes. E que nossa direção no Brasil promoverá sempre o diálogo e a participação. Além disso, quero complementar à D. Rita de Cássia que nosso projeto no Brasil é um projeto de crescimento.”
Veja a íntegra do pronunciamento:
(durante o discurso, feito em espanhol, foram suprimidos alguns trechos devido ao tempo disponível de cinco minutos)
Bom dia a todos e a todas.
Dirijo minha saudação ao presidente mundial do Santander, Emílio Botin, e a todos os presentes.
Meu nome é Rita Berlofa, trabalhadora do Grupo Santander Brasil há 24 anos. Sou diretora executiva do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, represento cerca de 52 mil trabalhadores no Brasil. Integro o Comitê Executivo Mundial da UNI Sindicato Mundial e sou a atual Coordenadora do Comitê de Empresa do Santander na UNI América Finanças Sindicato Mundial.
Sou acionista do Santander porque, muito além do investimento financeiro pessoal, a estratégia sindical e dos trabalhadores é participar diretamente na gestão da empresa em que trabalham e nos fundos de previdência e saúde para os quais contribuem.
Somos de uma escola de novos dirigentes sindicais no Brasil que dirigem os principais fundos de previdência e saúde. Damos nossa opinião por entender que, como trabalhadores, também somos importantes protagonistas desta empresa.
Estou aqui com Mário Raia, dirigente do meu sindicato e empregado do banco para fazer-lhes uma pergunta simples, mas muito esperançosa: estarão os acionistas do Santander satisfeitos com o desempenho do Santander no Brasil?
A análise dos resultados do último ano poderá acolher uma resposta positiva. Afinal, o Brasil representa 20% do resultado mundial do grupo.
Mas, falando francamente – como deve ser o diálogo entre acionistas e trabalhadores – nós, que empenhamos digna e exaustivamente nossa força de trabalho no Santander, NÃO estamos satisfeitos com os resultados!!
E sem medo de errar, afirmamos que os resultados no Brasil podem e devem ser melhores e maiores.
A Espanha ensinou ao mundo a partir do Pacto de Moncloa, que o melhor negócio e a melhor negociação é aquela em que todos ganham.
Queremos que os acionistas ganhem, que os trabalhadores ganhem e que o Brasil cresça com a presença do Santander.
Para entender nossa mensagem é preciso olhar com amplitude para a realidade brasileira e o seu sistema financeiro que é liderado por empresas estatais. Depois por dois grandes bancos de capital brasileiro, seguidos pelos bancos internacionais, sendo o Santander o mais importante.
Neste momento de crise financeira global, as instituições financeiras no Brasil apresentam bons desempenhos, resultado da política de governo do Presidente Lula.
O crédito foi irrigado. Investiu-se pesadamente em construção civil e infraestrutura de março a maio houve um crescimento econômico da ordem de 2,2%, se comparado com o trimestre anterior, deixando para trás a crise econômica mundial.
Dá para se imaginar como é acirrada a disputa pelos negócios e correntistas nesse sistema?
Os programas sociais do governo têm gerado novos correntistas bancários. E será neste segmento – com acirrada concorrência entre as diversas empresas – que haverá crescimento orgânico do sistema financeiro, correntista a correntista, agência por agência.
E, a nosso ver, o Santander está nessa disputa de forma equivocada, cujo resultado final poderá ser desastroso para todos, acionistas e trabalhadores.
Traçamos esse cenário principalmente, pela forma como a direção da empresa trata seu maior aliado, os seus próprios trabalhadores.
Está em prática uma política que ostenta um bonito nome de “meritocracia” – que de mérito nada tem – onde são utilizados meios agressivos de gestão com assédio moral e perseguição aos funcionários para cobrar uma produtividade desumana. Será que sacrificam tanto os trabalhadores para que seus executivos continuem ganhando seus bônus milionários?
Queremos acreditar que não. Mas que existe uma injustiça muito grande na empresa, disso não temos dúvida.
Um cenário cruel que provoca o adoecimento e a revolta de trabalhadores.
Os mesmos trabalhadores que em suas comunidades, em suas escolas e igrejas acabam revelando a enorme insatisfação em trabalhar para o Santander. Ora, como é possível manter um bom nível de produtividade, quando o principal artesão, o funcionário, está descontente com aquilo que faz?
Os aposentados do banco querem a preservação de seus direitos e benefícios e são discriminados nas agências onde é gritante a falta de funcionários, onde todos se desdobram para realizar apressadamente suas tarefas e sem tempo para dar o atendimento devido ao cliente, gerando grande insatisfação fazendo com que o Santander permaneça no “ranking” divulgado pelo Banco Central, das instituições financeiras mais reclamadas pelos serviços prestados aos clientes e usuários.
Assim, é cada vez mais concretizada na sociedade brasileira a imagem de um banco agressivo não só nos negócios, mas acima de tudo com os trabalhadores, a imagem de desrespeito, que não agrada a sociedade brasileira.
Entendemos que quem quer ser o maior, tem que ser o melhor, tanto do ponto de vista do trabalhador quanto do cliente.
Queremos, exigimos, reivindicamos que todos os trabalhadores sejam igualmente recompensados por sua colaboração ao bom desempenho do Santander no Brasil.
Quando do inicio da incorporação do Banco Real (ABN Amro), em julho passado, buscamos negociações com as duas direções.
Na oportunidade, pedimos a preservação de direitos, a adoção de planos de realocação de funcionários dos centros administrativos para a rede de vendas, assim como assinamos um acordo que antecipa aposentadorias dos mais antigos. Mesmo quando temos resultados nessas negociações, seguiu-se uma onda de demissões.
Vejam, senhores e senhoras acionistas, quando trabalhávamos pela elevação da auto-estima de todos com os resultados positivos, alguns gestores iluminados fizeram a mágica de transformar o positivo em negativo com uma onda de milhares de demissões que provocou a redução de mais de 900 postos de trabalho, somente no 1º trimestre deste ano. Muitas destas demissões foram de trabalhadores próximos da aposentadoria. Outros tantos, de trabalhadores que retornavam da licença médica. Para que tanta injustiça?
Recentemente, decisões previdenciárias e de saúde foram adotadas sem qualquer discussão com os trabalhadores e sindicatos.
São condutas que nenhum valor agrega a um contingente de jovens trabalhadores bancários que hesitam em vestir a camisa da empresa.
Para finalizar, o Brasil de hoje deixou de ser um país do futuro, como foi chamado historicamente, e se transformou num país do presente, ampliando conquistas na área do petróleo, do biocombustível, com crescimento econômico, com investimentos em infra-estrutura e políticas de combate à pobreza e a desigualdade social. Basta ver as pesquisas de avaliação do governo do presidente Lula.
Em nome dos trabalhadores brasileiros, reivindicamos o cancelamento do novo plano de previdência complementar – Holandaprevi – assim como a suspensão das demissões e negociações sérias e responsáveis com os sindicatos.
Para o Santander se inserir nesse mercado, a mensagem que aqui deixamos é que o Santander precisa sentir, respirar e participar do crescimento da nossa sociedade. A grande maioria dos novos correntistas NÃO escolherá seu banco por que ele é um grande banco internacional e sim por ser um banco que de fato pratica a responsabilidade social, a partir do respeito aos direitos e empregos de seus funcionários.
Terá mais sucesso aquele que respeitar o Brasil e os brasileiros, a começar pelos seus próprios trabalhadores.
Muito obrigada.