Valor gasto pelo país com juros pagaria 15 programas como o Bolsa Família

Valor Econômico
Sergio Lamucci

Os gastos com juros do setor público devem atingir cerca de R$ 230 bilhões neste ano, o equivalente a 5,6% do Produto Interno Bruto (PIB), quase 15 vezes os R$ 15,5 bilhões que o governo federal deve destinar ao Bolsa Família em 2011. É um aumento considerável em relação aos R$ 195 bilhões de 2010, ou 5,3% do PIB. Neste ano, ciclo de aumento da taxa Selic e a inflação em alta contribuem para elevar os gastos financeiros do setor público.

O custo efetivo do endividamento líquido do setor público – que inclui, além da União, Estados, municípios e estatais, com exceção da Petrobras e da Eletrobrás – também tem sido puxado para cima pela forte acumulação de reservas internacionais e pelas operações de capitalização do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) pelo Tesouro.

Para comparar com outra despesa pública importante, os R$ 230 bilhões de juros equivalem a pouco menos de seis vezes os R$ 40,1 bilhões de gastos que foram autorizados para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

No começo do ano, os gastos com juros superaram pela primeira vez os R$ 200 bilhões no acumulado em 12 meses, somando R$ 205 bilhões em fevereiro, nessa base de comparação.

A alta da taxa Selic, que corrige 35% da dívida interna em títulos do Tesouro, ajuda a elevar esse custo em 2011, diz o economista Maurício Oreng, do Itaú Unibanco. Em 2011, os juros básicos já subiram 1 ponto percentual, devendo aumentar mais 0,5 ponto na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de amanhã, para 12,25% ao ano, segundo a maior parte dos analistas. Há também as operações compromissadas, pelas quais o Banco Central vende papéis ao mercado e os recompra depois de um determinado prazo, cujo custo é ligado à Selic. No fim de fevereiro, o saldo dessas operações era de R$ 360 bilhões.

Além dos juros em alta, a inflação ascendente também aumenta os gastos financeiros do setor público, lembra o economista Marcos Fantinatti, da MCM Consultores. Da dívida em títulos do governo federal, 30% são indexadas a índices de preços. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que fechou 2010 em 5,9%, já acumula alta de 6,3% nos 12 meses até fevereiro. Nessa base de comparação, deve superar os 7% no começo do terceiro trimestre. “A elevação do juro implícito [o custo efetivo da dívida] do ano passado para 2011 será mais explicado por Selic e inflação em alta”, afirma Fantinatti.

Ele projeta despesas com juros de R$ 236 bilhões neste ano, ou 5,8% do PIB. Há quem espere gastos mais modestos, mais próximos de 5% do PIB (cerca de R$ 205 bilhões) e quem veja despesas na casa de 6% do PIB R$ 246 bilhões). Se ficarem neste ano acima de 5,3% do PIB, o nível registrado em 2010, será a primeira vez desde 2005 que as despesas com juros vão subir nessa base de comparação.

O economista Felipe Salto, da Tendências Consultoria, projeta elevação dessas despesas neste ano, para 5,6% do PIB, chamando atenção para os custos salgados da acumulação de reservas.

O Brasil gasta tanto com juros porque tem uma dívida líquida ainda elevada, embora sua trajetória seja cadente e não haja risco de insolvência do setor público. Em fevereiro, por exemplo, ela estava em 39,9% do PIB, patamar maior que o de outros emergentes, como os cerca de 16% do PIB da China, 22% do PIB da Tailândia ou 34% do PIB do México, segundo números da agência de classificação de risco Standard & Poor’s (S&P) para 2010. Sobre essa dívida, incide um juro bastante elevado, como lembra Oreng.

Nos últimos meses, o custo efetivo sobre a dívida líquida, dado pela chamada taxa implícita, subiu consideravelmente. No acumulado em 12 meses, passou de 14,4% em setembro do ano passado para 15,5% ao ano em fevereiro de 2011. É um patamar bem superior ao da taxa Selic, hoje em 11,75%.

O processo de forte acumulação de reservas internacionais, hoje acima de US$ 300 bilhões, e a maciça injeção de dinheiro do Tesouro no BNDES são dois dos principais motivos para o fenômeno de descolamento da taxa implícita e da Selic, diz o economista José Roberto Afonso, consultor técnico do Senado.

O aumento das reservas e a capitalização do BNDES elevaram o descompasso entre as taxas que corrigem os créditos e os débitos públicos, nota Afonso. Um ponto importante é que os gastos com juros são o saldo líquido entre o que o setor público gasta e o que recebe de juros.

No caso das capitalizações do BNDES, o Tesouro fica com crédito atrelados à Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), em 6% ao ano, enquanto seus débitos são vinculados à Selic.

Os créditos do governo federal junto ao BNDES, que eram de R$ 35 bilhões no fim de 2008, totalizavam R$ 236,7 bilhões em fevereiro deste ano.

A acumulação de reservas também tem custos elevados. Ao comprar dólares, o BC injeta reais na economia, que são retirados de circulação por meio das operações compromissadas. As reservas são aplicadas no exterior, a taxas baixíssimas, enquanto o custo para o setor público está ligado ao juro básico.

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