A µfrica tinha de estar no caminho do F¢rum

Por Renato Rovai, África do Sul [2/1/2007]

 

A caminhada do Fórum Social Mundial iniciada em janeiro de 2001 lá na Porto Alegre das alternativas, cidade que brilhava para o mundo com propostas inovadoras como a do Orçamento Participativo, haveria de chegar ao continente africano. Como já foi à Índia e terá de enfrentar o desafio de ir à China. Ou não será de fato mundial. E cá estamos a caminho do Quênia para iniciar esta cobertura jornalística que poderá ser acompanhada até o fim deste mês, quando acontece a sétima edição do FSM, de 20 a 25 de janeiro, em Nairóbi.

Para que o leitor saiba como ela se dará, desde o dia 26 de dezembro Fórum está na África do Sul, onde visita Joanesburgo e Cidade do Cabo. No dia 5, avião para Moçambique, onde permanecemos até 11 de janeiro. Abrimos essa janela para tentar revelar ao leitor aspectos da sociedade civil, da política e do ambiente social de um país que guarda relações afetivas com o Brasil por conta da história de colônia portuguesa e por conseqüência do uso do mesmo idioma. E finalmente Nairóbi, onde não só contaremos um pouco da organização do evento e depois dos debates, palestras etc, como também tentaremos entender e explicar a sociedade queniana, seus aspectos e desafios. Como será um Fórum na África, muitos outros países entrarão na baila. Certamente se discutirá a guerra na Somália com o envolvimento da Etiópia, já que ambos os países, além de tudo, têm fronteira com o Quênia. Também serão tratados aspectos gerais em áreas como saúde, educação e dívida externa, que atingem praticamente a todas as nações do continente.
 
Agora, o primeiro olhar

A África do Sul ainda parece respirar tanto os ares esdrúxulos dos anos do apartheid como ao mesmo tempo o sabor da vitória da libertação. Em Joanesburgo, por onde chegamos, é imensa essa sensação. A cidade mesmo depois de 12 anos da primeira eleição democrática pós-segregação total, que levou Nelson Mandela ao poder, permanece ainda imensamente apartada.

Caminhadas por bairros e regiões de classe média dão a impressão de que se trata de uma terra de brancos. É verdade que hoje não é mais necessário a um negro andar com documentos emitidos pelo governo autorizando a circulação nessas regiões. Há negros, sim, verdade que muitos deles prestando serviços. Trabalhando como taxistas, motoristas de vans que fazem o transporte público para a maioria negra (já que os brancos só andam de carro particular), garçons, atendentes de postos de gasolina, policiais etc.

Hoje já existem negros consumidores, que disputam espaço com brancos principalmente nos grandes complexos comerciais, como o RoseBank. Aliás, os shoppings daqui, mesmo a cidade tendo um pouco mais da metade da população de São Paulo e a África do Sul tendo perto de 45 milhões de habitantes contra os 180 milhões de brasileiros, são muito mais sofisticados e imponentes. E por incrível que pareça, são mecas de padrão ocidental, com todos os atributos dos seus semelhantes europeus e estadunidenses. Até a música ambiente é igual. Em geral, eletrônica.

Mas voltando aos bairros brancos que se espalham por uns 80% do espaço geográfico da cidade, e que ocupam toda a região central, com exceção do centro de fato, eles são repletos de grandes casas ajardinadas e amplas que remetem o andarilho desavisado à arquitetura das cidades médias dos países do norte planetário. Tem-se a impressão de estar em um daqueles filmes de Hollywood rodados no sul dos EUA ou nas cidades européias, principalmente inglesas, em que os prédios ainda não se multiplicaram. Belos jardins, muitas árvores e todas as casas com uma placa na porta registrando o nome da empresa de segurança responsável pelo local, e que ao mesmo tempo indica o medo daqueles que sabem ter muito mais. Trânsito zero e barulho quase nenhum. Apenas das muitas aves que circulam de galho em galho a ser divertir num espaço quase paradisíaco para elas. Ou dos latidos dos cachorros que se debatem contra o portão quando sentem a presença do movimento humano que não é tão freqüente por ali.

Evidente que se os brancos vivem neste espaços, que ocupam quase que 80% do território da cidade, os negros que são a maioria, não vivem tão bem assim. Uma grande parte deles mora no Soweto, que será tema de uma breve matéria por aqui. O bairro fica do lado de fora de Joanesburgo, dividido pela principal rodovia da cidade e por alguns morros que foram construídos a partir da exploração do ouro, mas que permanecem ali como a fazer uma barreira de proteção do lado branco da realidade negra.

Soweto, com seus 3 milhões de habitantes, dos 7 milhões que estão em Joahnnesburg, é mais África, mais vida, menos o aspecto de enfermaria de hospital chique que em geral tem os bairros ricos em qualquer parte do mundo. É mais duro de viver também, mas é visível que a qualidade de vida local tem melhorado a cada dia desde a vitória do Congresso Nacional Africano (CAN), que governa o país desde 1994. Sendo que, até 1999 por Mandela e depois por Thabo M Mbeki, reeleito em 2004 e que tem mandato até 2009.

O leitor já deve ter percebido por que uma sensação de apartheid ainda está tão presente no dia-a-dia da capital do país. Mas de que maneira então a celebração do início do fim da segregação é reverenciada a todo momento? Não só nos muitos centros históricos, museus e monumentos construídos para lembrar, denunciar e refletir a história recente, como também nos depoimentos convictos dos negros daqui que não parecem estar angustiados com o fato de que as mudanças não tenham se dado todas de uma vez, mas que estejam acontecendo aos poucos, mas firmemente. E nesse aspecto a cada conversa, a cada seqüência de olhares trocados quando se sentem respeitados pelo estrangeiro branco, a sensação é de que o ser humano negro dessa parte do planeta tem uma paciência histórica desenvolvida na dor e ao mesmo tempo organizada a partir da liderança positiva de Nelson Mandela, que ainda é reverenciado como um pai desta nova nação. Pode parecer algo exagerado, mas mesmo sem grandes rupturas, a África do Sul parece estar se preparando para um salto, para um novo momento, para um tipo de sociedade com um padrão humano muito melhor do que hoje. O que não nos parece pouco. E nem muito distante. Os sul-africanos parecem ter na Copa do Mundo que vai acontecer em 2010 um marco para este processo.

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