Valor Econômico
Daniele Madureira, de São Paulo
Entre 2005 e 2008, o número de clientes pessoa física e pessoa jurídica que passaram a integrar o Sistema Financeiro Nacional (SFN) cresceu 22%, de 90,6 milhões para 110,5 milhões, segundo dados do Banco Central (BC), o que reflete a crescente “bancarização” da sociedade, com maior acesso a produtos e serviços financeiros. Nos mesmos quatro anos, porém, a quantidade de reclamações contra os grandes bancos (aqueles com mais de um milhão de clientes) disparou 292%, ou quase quatro vezes, passando de 8.695 em 2005 para 34.120 ano passado.
No maior Procon do país, o do Estado de São Paulo, a imagem dos bancos também vem se deteriorando. Apesar de o setor, por meio da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), ter se aproximado desde 2006 da instituição pública que recebe queixas de consumidores, na tentativa de resolver problemas crônicos, como o encerramento de contas, houve uma recaída em 2008. O setor de assuntos financeiros, que estava em terceiro lugar em 2007, entre os sete setores listados pelo Procon-SP, passou a segundo lugar no ano passado, com 28% das queixas, só perdento para produtos (31%) e à frente de serviços essenciais (27%), que inclui o problemático setor de telefonia. Em assuntos financeiros, as reclamações de 2008 foram puxadas por cartões de crédito.
“A grande oferta de crédito e produtos pelos bancos e financeiras não foi acompanhada pela infraestrutura de atendimento, o que gerou o acúmulo de insatisfação dos consumidores”, afirma a técnica do Procon-SP, Renata Reis. Segundo ela, até antes da crise que estourou em setembro, pelo menos, a distribuição de crédito era farta, sem muito critério. “Há uma falta crônica de informação para o consumidor, que reclama principalmente de cobrança indevida”, diz Renata. Entre as situações absurdas que observou no último ano, diz a executiva, está a cobrança da comissão da vendedora de uma financeira na fatura do cliente. “Para um empréstimo de R$ 100, havia uma cobrança de R$ 40 da comissão de vendas”, lembra.
Os bancos querem revertar a situação. Há duas semanas, a Febraban lançou uma campanha de R$ 2 milhões, assinada pela Lew,Lara, no rádio e em revistas, conclamando a população a resolver seus problemas diretamente com o banco, por meio dos canais de atendimento disponíveis – a própria agência, o Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC) e a Ouvidoria. “Se o cliente procurar o seu banco primeiro, em vez de buscar um órgão de defesa do consumidor ou mesmo o Banco Central, evita desgaste maior para ambas as partes”, diz Mário Sérgio Vasconcelos, diretor de relações institucionais da Febraban. O esforço nesse sentido é ainda maior este ano, lembra ele, em que os bancos passaram a adotar um código de autoregulação para a prestação de serviços. Para cuidar da implantação do código, a Febraban convocou o ex-diretor do Procon-SP, Gustavo Marrone, que assumiu a diretoria de autoregulação da entidade.
Em dezembro, a Febraban enviou aos bancos um questionário com 60 perguntas, a respeito da qualidade no atendimento, que foi entregue em fevereiro. Se a resposta à questão era negativa, o banco deveria informar qual o seu plano de ação para adequar o atendimento. Se a resposta era positiva, a equipe de autoregulação da Febraban checou nos órgãos de defesa do consumidor e no BC se havia problemas em relação à questão.
“Em maio, vamos apresentar os resultados ao conselho de autoregulação da Febraban e também lançar o selo de conformidade ao código da entidade, que será conferido em agosto”, diz Marrone, que acredita que o selo será decisivo para a adoção dos critérios do código pelos bancos. “Ninguém quer ficar sem o selo, porque isso seria perder competitividade”, afirma. A cada seis meses, a Febraban vai conferir a adesão dos bancos ao código. Entre as penas pelo descumprimento, está desde multa e carta aberta à imprensa, até mesmo a retirada do selo. Também vai pesar na decisão da Febraban sobre o selo as queixas que passarão a ser recebidas pela entidade em um site a ser lançado em maio.
Os bancos começam a se mexer. “A posição do conglomerado Itaú no ranking do Procon-SP é incomoda para a instituição e evidencia que devemos trabalhar de forma redobrada”, afirma o diretor Francisco Calazans, responsável pela ouvidoria do grupo Itaú. Segundo ele, só no último trimestre, o SAC do Itáu mais do que dobrou de tamanho, com a contratação de 120 funcionários, passando a contar com 258 agentes. Para compor as centrais de atendimento de outras unidades do grupo, como Itaucard, Itaucred e Taií, foram contratados 672 funcionários. “Vamos conseguir diminuir o volume de reclamações este ano”, garante. No Procon-SP, o Itaú foi o primeiro colocado em queixas entre as instituições financeiras, com 1.543 reclamações, o dobro do segundo colocado, o Unibanco, que registrou 769.
O Unibanco também garante que está fazendo sua parte. “Percebemos que há um problema na comunicação com o cliente, que não costuma ler os contratos e mais tarde se queixa de cobrança indevida”, diz Cristiana Pinciroli, responsável pela ouvidoria do grupo. “Por isso, estamos diminuindo o volume de folhas dos contratos, para torná-los mais objetivos”, afirma. Esforço semelhante é feito pelo grupo Santander (que inclui o Real), segundo o ouvidor Marcelo Linardi. “Estamos revisando todo o nosso material publicitário para torná-lo mais claro e transparente para o cliente, com destaque para taxas e multas”, diz Linardi.
Há muito trabalho a fazer, a julgar pelos dados do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec), vinculado ao Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), do Ministério da Justiça. “A cobrança indevida, tanto em 2007 quanto em 2008, liderou o total de reclamações, com cerca de 36%, o que revela um problema grave de comunicação com o consumidor”, diz a diretora substituta do DPDC, Juliana Pereira. No Sindec, estão registrados as queixas de 22 Procons Estaduais e seis municipais.
Mas, ainda assim, há quem acredite que está tudo bem. “Não temos problemas crônicos de comunicação”, diz o diretor de controles internos do Banco do Brasil, Paulo Roberto Evangelista de Lima, sobre o porquê do aumento de 87% na quantidade de queixas contra o banco em 2008 no Procon-SP. Para ele, o que ocorreu foi que mais consumidores resolveram procurar o Procon-SP em 2008 em vez de ir à agência, buscar o SAC ou a ouvidoria. O maior problema: cobrança indevida.