Eleição na Itália expõe fracasso da troika neoliberal e da Alemanha

Agência Carta Maior
Marcelo Justo

Londres – O claro “não” à austeridade que saiu das urnas na Itália corre paralelo ao “não” das contas de Portugal, Espanha, Grécia e República da Irlanda, obrigados a estender ou reestruturar os prazos pactuados com a Troika (Comissão Europeia, Banco central Europeu e Fundo Monetário Internacional) ante o fracasso dos programas de ajuste. A própria França, segunda economia da eurozona, solicitou na semana passada à Comissão Europeia uma extensão do prazo para diminuir seu déficit fiscal. Para o grego Costas Lapavitsas, autor de “Crise na Eurozona”, e professor de Economia de SOAS, Universidade de Londres, a eleição italiana é uma excelente notícia. “Dá uma esperança para um caminho alternativo e expõe o fracasso político da Troika e da Alemanha”, disse à Carta Maior.

A Itália colocou no mercado nesta quarta-feira cerca de 6,5 bilhões em títulos, mas teve que pagar 4,83%, o juro mais alto desde outubro de 2012. Com o correr dos dias o impasse político e os problemas econômicos aumentaram a pressão sobre o pesado programa de vencimentos da dívida que terá o futuro governo. No ano passado, a economia caiu 2,2%, mais de 100 mil pequenas empresas fecharam suas portas, o desemprego hoje é d e10% e a dívida é a segunda da Eurozona, depois da Grécia.

Um paradoxo mostra o absurdo do estrangulamento econômico da austeridade: o déficit fiscal italiano é menor do que o da maioria dos 17 países da eurozona, incluindo França e Holanda. Segundo o “think thank” Capital Markets, uma prolongação da atual crise levará rapidamente às taxas de juro a insustentáveis 7% e a um resgate. A primeira reação dos mercados foi uma abrupta queda das ações dos bancos europeus (principais credores da dívida soberana europeia): o Deutsche perdeu 5% de seu valor, o Barclays, 4%.

No ano passado, o presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, acalmou as águas da zona do euro dizendo que faria “tudo o que fosse necessário” para salvar o euro. O resgate da Itália – terceira economia da eurozona – colocaria a prova esta vontade política. Mas a crise italiana aprofundará também os problemas que estão experimentando os programas de ajuste dos outros países.

Esta semana a Troika discute a marcha do programa de resgate de 78 bilhões de euros acordado com o governo português em 2011. A coalizão de centro-direita, que conseguiu no ano passado que fossem flexibilizados os prazos para a redução do déficit fiscal, buscará uma segunda extensão das datas.

A razão é simples. Segundo cálculos oficiais, a economia encolherá pelo terceiro ano consecutivo em 2013 (cerca de 2%) e o desemprego superará os 17%. Um duro editorial do diário opositor Público colocou os “pontos nos is”: “Portugal entrou em um ciclo recessivo que não tem saída à vista. As metas fiscais são inalcançáveis. As condições sociais se deterioraram e a própria democracia está sofrendo. Este programa não serve”.

Na Espanha, o número de falências aumentou em 40% no último trimestre do ano passado e o Produto Interno Bruto (PIB) caiu 0,7%. O desemprego é de 26%, atingindo cerca de 6 milhões de pessoas. Os cálculos do FMI e do setor privado para a economia este ano coincidem em apontar que a recessão continuará e só divergem quanto à profundidade da queda – 1,5%, segundo o FMI, e 2,2%, segundo o Citibank.

Com estes dados e sem crescimento à vista não surpreende que as metas fiscais pactuadas pelo governo do atribulado Mariano Rajoy tenham voado pela janela e que ele tenha acertado uma prorrogação de um ano para conseguir a meta de um déficit abaixo de 3% ao final de 2014, meta que parece tão inalcançável como as criticadas pelo editorial de “Público” em Portugal.

Outro dos resgatados da eurozona em troca de um duro ajuste, a República da Irlanda tem o déficit mais alto da eurozona (8%) e acaba de reestruturar a dívida de seus bancos. A Grécia, por sua vez, está em seu quinto ano de recessão, com um desemprego de 30% após dois resgates com as receitas da austeridade. Segundo Costas Lapavitsas, a contração grega é superior a experimentada pela Argentina na implosão econômica de 2001. “A contração deste ano na Grécia vai ser pior do que a vivida no momento da dissolução da conversibilidade”, observou à Carta Maior.

Se a situação grega não surpreende mais ninguém, a da França causa consternação. Na semana passada, o governo de François Hollande pediu a Bruxelas um ano adicional para cumprir seu compromisso de que o déficit fique abaixo dos 3%. A resposta do presidente do Banco Central alemão, Jens Weidman foi negativa: “Estamos diante de uma crise de confiança das regras fiscais da Europa. É importante que os países fortes da eurozona deem uma mensagem clara a respeito”, disse Weidman.

Neste ponto a mensagem da Alemanha foi consistente. Mas com pesquisas complicadas para a reeleição de Angela Merkel na disputa de setembro, com uma economia que se contraiu no último trimestre do ano passado, com uma cúpula europeia em março, com diferenças no interior da própria Troika e o susto que causa a possível aparição de outros Beppe Grillos na eurozona, a pressão está crescendo para que haja uma mudança ao menos no discurso.

Segundo outro “think thank”, a Lombar Street Research, a mensagem de Grillo é inequívoca. “Pode-se dizer que são políticas populistas, mas isso é o que se consegue quando se tenta lutar contra a depressão econômica somente com a austeridade”, disse ao The Guardian o analista Dario Perkins.

Tradução: Katarina Peixoto

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