Valor Econômico
Adriana Cotias
A Caixa Econômica Federal (CEF) poderá sair na frente no projeto de lançar uma bandeira de cartão de débito completamente nacional, para concorrer com as estrangeiras Visa Electron, da Visa, e Redeshop e Maestro, da MasterCard. O banco estuda o tema, embora não confirme a informação. Desde que o governo apertou o cerco ao setor de cartões para estimular a concorrência, uma das ideias aventadas é a criação de uma bandeira doméstica, que possibilitaria que transações fossem feitas sem o pagamento de royalties para Visa e Mastercard.
A Caixa não confirma a existência do projeto. No setor de cartões, entretanto, a inciativa é mencionada por diversos executivos. De acordo com uma fonte, se o projeto for adiante, deve ser algo para abril ou maio. Segundo um executivo do setor de cartões, que diz ter tomado conhecimento de detalhes do plano, o lançamento do cartão poderá ter implicações eleitorais.
Uma bandeira de débito nacional casaria bem com o projeto já anunciado pela Caixa de bancarizar os beneficiários do programa Bolsa Família, que atualmente possuem apenas um cartão magnético para sacar o benefício mensalmente. Em artigo publicado no Valor em 27 de outubro, a presidente da Caixa, Maria Fernanda Ramos Coelho, e o ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias, anunciaram a meta de abrir 4 milhões de contas simplificadas no banco para beneficiários do Bolsa Família até 2010. Segundo uma fonte ouvida, o novo cartão poderia atingir uma base de 15 a 20 milhões de usuários.
A questão que pesa na decisão da Caixa é que estabelecer uma bandeira própria de cartão não é uma tarefa trivial. Os gastos de emissão e construção de marca e do processo de captura das transações com cartão não são desprezíveis. Seria necessário fazer o credenciamento de todos os estabelecimentos comerciais para aceitação da bandeira
O movimento da Caixa não deve ser isolado e outros cartões domésticos podem surgir. Os bancos podem ter iniciativas individuais ou se aglutinar para criar novos instrumentos de débito. “O desenho de um cartão nacional não passa por um modelo único”, diz o presidente da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), Paulo Caffarelli. Vice-presidente de cartões e novos negócios e varejo do Banco do Brasil (BB), o executivo adianta que qualquer passo do BB nesse campo envolveria a estrutura da Cielo, concorrente da Redecard. O banco detém participação de 23,5% na adquirente e divide o controle com o Bradesco, com 26,6%.
Caffarelli explica que a demanda das autoridades para criação de bandeiras nacionais tem por objetivo baratear os custos envolvidos em toda a cadeia de cartões, desde os juros cobrados no rotativo, passando pela anuidade e pelas tarifas cobradas pela indústria.
No caso da Caixa, a ideia seria usar a infraestrutura das adquirentes já existentes no mercado. A Cielo está impedida até julho, quando acaba o seu contrato de exclusividade para capturar as transações com cartões Visa. A Redecard, como a Cielo, já faz a captura das despesas com os cartões de débito e crédito emitidos pelo banco federal e se posiciona no mercado como “multibandeira”, aceitando diversas marcas. Questionado sobre o tema por ocasião da divulgação de resultados de 2009, o presidente da Redecard, Roberto Medeiros, disse apoiar a iniciativa e limitou-se a comentar que o banco público é um parceiro excepcional, especialmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, mas que não poderia falar sobre o assunto. “Estamos preparados para capturar bandeiras locais de débito e crédito, quaisquer que sejam elas.”
Em resposta às recomendações feitas em outubro pelo BC, Secretaria de Direito Econômico (SDE) e Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE), a Abecs protocolou, no início de dezembro, as suas sugestões para criar mais competição no setor. A lista não diferiu das demandas de regulação, mas houve pedido de mais prazo para a plena adoção.
Além do fortalecimento dos esquemas nacionais de débito, a proposta da Abecs inclui a transferência das atividades de compensação e liquidação para uma terceira parte, maior transparência na definição das tarifas de intercâmbio pagas pelas bandeiras aos emissores e o compartilhamento de terminais, com o fim de acordos de exclusividade. É isso que viabiliza a criação de novas bandeiras no país, explica Caffarelli. “Chegamos a um momento interessante, porque o volume de bandeiras domésticas regionais já é bastante significativo.” Pelos dados da Abecs, o mercado conta hoje com mais de 230 milhões de cartões de débito, que movimentaram, só no ano passado, R$ 129,5 bilhões.
Mas não basta criar bandeiras locais. O desafio está na tarefa de multiplicar a aceitação numa malha que rivalize com as estruturas de rede já existentes, de Visa Electron ou Redeshop/Maestro, diz Edson Santos, da Co-Link, consultoria especializada em meios de pagamento. “Se o cartão tem pouca aceitação em lojas, não há uso.” Na prática, ele diz que o cartão doméstico só economizaria no “fee” pago às bandeiras, mas há outros custos embutidos, como segurança, busca de escala, processamento e marketing.
Santos lembra que já houve no Brasil a tentativa de uma marca local, com o Cheque Eletrônico, ligado à Rede 24Horas da TecBan, pertencente aos próprios bancos, mas que acabou caindo em desuso na sua função débito – hoje o produto se restringe a saques. “Se houvesse uma economia relevante nisso, faria sentido reviver o Cheque Eletrônico, mas os bancos têm preferido pagar royalties à Visa e à MasterCard.”
A Rede 24Horas é composta hoje por 30 mil ATMs e conta com 24 instituições financeiras interligadas, mas só tem 9 mil estabelecimentos comerciais credenciados, muito longe dos quase 1 milhão de Redecard e 1,6 milhão de Cielo. A assessoria de imprensa da TecBan informou, porém, que em questões de tecnologia e desenvolvimento, a empresa está preparada e capacitada para atender possíveis novas demandas dos bancos.
Uma situação é sacar fora do país, prestação que atende apenas a uma pequena parcela dos portadores de cartões e a outra é a transação local, resolvida on line com o sistema de conta-corrente dos bancos, em que o principal “software” é do banco, diz o diretor de Relações com Investidores da CSU, Décio Burd. “Porque pagar MDR (a taxa de desconto) numa transação que não tem risco de crédito, é completamente diferente de uma operação de crédito, que tem alguém garantindo o pagamento.” Burd diz que as bandeiras ganham o equivalente a 0,10% das transações na forma de royalty.