Carta Maior
Eduardo Febbro, de Atenas
A Grécia segue com a corda no pescoço. As negociações em curso com o lobby bancário internacional (FMI, Banco Central Europeu e União Europeia) dependem de um acordo político interno entre os três partidos que formam o governo: os socialistas do Pasok, o partido de centro-direita Nova Democracia e o partido de extrema-direita Laos. Para os gregos, não se trata de aceitar um caminho melhor mas sim de que forma vão passar o pior: se optam pela submissão às condições impostas pelo FMI e pelo BCE em troca de um novo mega-empréstimo com altas taxas de juros, ou optam por uma suspensão de pagamentos e, por conseguinte, o abandono da eurozona.
No próximo dia 20 de março vence uma dívida de 14,5 bilhões, mas Atenas não tem como pagá-la. Em qualquer um dos casos, os sacrifícios serão enormes. Os gregos estão convencidos de que seu país é a vanguarda de um movimento mundial que envolverá o mundo inteiro, que a Grécia é uma terra onde se ensaiam as receitas que o liberalismo empregará quando estourem crises semelhantes em outras partes.
A cidade de Atenas é um cenário onde se desenrolam as imagens do abismo grego. A Praça Omonia, a dois passos da Prefeitura, já é uma antessala da miséria que atinge o país. O que vem depois é pior. Ao meio dia e à noite, centenas de pessoas fazem fila para receber a mísera ração de alimentos disposta em um recipiente de plástico: uma porção de purê e uma Coca Cola Light como único consolo. 100, 200, 300 pessoas, o número muda todo dia. Com o decorrer das semanas cresce a quantidade de indigentes, de desempregados, de jovens com titulação e sem trabalho e de novos personagens que já são conhecidos em Atenas pelas seguintes denominações: os “neopobres” e os “iphonisats”. É uma classe social nova, ex-integrante da burguesia boêmia e endinheirada que perdeu tudo com a crise.
“Tudo, quer dizer exatamente tudo”, conta Kostas, um ex-rico de 36 anos que trabalhava no setor da distribuição de luxo e que, em um abrir e fechar de olhos, encontrou-se sem empresa, sem automóvel, sem dinheiro, sem mulher e sem casa. “Fui parar na rua, vendendo bugigangas nos semáforos para poder viver. A única coisa que conservo de minha época de riqueza é o iphone”. Como ele, há uma legião formando o segmento dos “neopobres”. No pátio da prefeitura de Atenas e na praça Omonia eles podem ser facilmente reconhecidos.
Entre jovens esfarrapados, vagabundos, desempregados e idosos, os neopobres andam com algum sinal distintivo herdado dos anos de riqueza: uma camisa de marca, uma calça bem cortada, um Iphone. “Não há saída. A classe média que surgiu com o dinheiro fácil e o mega consumo artificial acabou caindo no limbo.
Como tudo era artificial, quando a fonte secou não restou outro caminho que a rua e a ruminação arrependida”, diz Kostas enquanto abre com parcimônia o prato de plástico distribuído com a ajuda da Municipalidade.
O que ele chama de “fonte” são os créditos para consumo, os cartões de crédito, os automóveis de luxo comprados a prazo com juros mínimos, em suma, todo esse mundo que se esgotou, mas que deixou várias gerações com dívidas bancárias que já não podem pagar.
Entre os anos de 2000 e 2007, a Grécia atravessou um período de crescimento de mais de 4%. “Mas a crise de 2008 freou a subida e a ilusão. Voltamos a uma configuração que, para os mais idosos, lembra a da Segunda Guerra Mundial: fome, desemprego. No entanto, agora é pior porque estamos endividados. Se amanhã encontro trabalho uma grande parte do que ganho irá para o pagamento de dívidas”, conta com densa amargura Iacobos, um ex-funcionário do Ministério da Economia, demitido no pacote de medidas de austeridade do ano passado. Ao seu lado, em plena praça, outro grego, Valentini, soma-se ao relato da miséria. “Minha situação é um pouco melhor. Tenho trabalho, mais o último salário que recebi foi há três meses. A empresa na qual trabalho não paga, despediram uma quarta parte do pessoal e o resto sobrevive como pode. Entre receber de tempos em tempos e não ter nada, é melhor viver a conta gotas”, diz Valentini.
Os atenienses têm a impressão de que caiu sobre eles um castigo em nome de toda Europa. Pavlos, um jovem estudante que milita na extrema esquerda, diz em voz alta o que muitos gregos pensam em voz baixa: “somos um laboratório do liberalismo. Estamos sendo governados por um burocrata que ninguém conhecia (Lukas Papademos) e que ninguém elegeu. Ele lidera uma coalizão formada com a ultra-direita e nos chantageia: ou aceitamos o que nos impõem o FMI e os bancos, ou tudo vai piorar. Puro experimento para torturar os povos e salvar um sistema esgotado”.
Pavlos se refere à ameaça do primeiro ministro grego que ameaçou renunciar caso os três partidos da coalizão não dessem seu acordo para que fossem implementados os ajustes exigidos pela troika composta pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu (BCE).
Os acordos, que implicam um pagamento de 100 bilhões da dívida privada e um novo crédito da União Europeia e do FMI, já estão quase acertados. Só falta o primeiro-ministro garantir o voto dos partidos com os quais formou o governo. Vários deputados destes partidos deram marcha ré por causa do custo social e, por conseguinte, da impopularidade das reformas e dos ajustes exigidos. “A distância que separa as negociações do bloqueio é muito curta”, disse o ministro grego de Finanças, Evangelos Venizelos. Os dois problemas principais que bloqueiam o consenso no interior da coalizão governista é a redução dos salários do setor privado e as medidas para diminuir o gasto público.
O remédio proposto pelo lobby bancário é muito amargo. O segundo resgate da Grécia tem dois eixos, um negociado com a troika e outro com o setor privado: a banca e os capitais internacionais devem abrir mão de cobrar a metade do que emprestaram ao país, ou seja, 50% de 206 bilhões de euros. A segunda fase é a que exige os ajustes internos. Calcula-se cortes equivalentes a 1,5% do PIB, mas a União Europeia e o FMI exigiram também que se reduza o já miserável salário mínimo. Ele agora é de 780 euros e ambas as instituições querem que ele fique abaixo de 600 euros.
Além dos sindicatos, vários deputados da coalizão assinalaram o custo social desses ajustes em uma economia que já está há quatro anos em recessão e onde a taxa de desemprego alcança os 20%. Os partidos políticos temem que a Grécia se veja de novo mergulhada em uma onda de protestos sociais. Os sindicatos gregos convocaram uma nova greve geral de 24 horas para esta terça-feira, em protesto contra as medidas de austeridade que se avizinham. O dilema dos partidos reside em que, no próximo mês de abril, haverá eleições gerais e ninguém se anima a entrar na campanha eleitoral com um pacote de cortes e ajustes firmados dois meses antes.
A Grécia não tem nem fundos nem oxigênio. Em Paris, ao final de um encontro entre o presidente francês, Nicolas Sarcozy, e a chanceler alemã, Angela Merkel, a dupla conhecida como “Merkozy” advertiu as forças políticas gregas que não haverá um segundo resgate se não forem aceitos ajustes adicionais. “Não há escolha”, disse Sarkozy. Ou morrer pobre ou morrer endividado.
Atenas se tornou uma cidade amarga. “Se você olha – diz Pavlos – toda a parte técnica já foi fechada. Só falta o mais difícil, ou seja, as medidas contra o povo, os salários e o peso do Estado na sociedade. Querem nos aniquilar”. Em Atenas se respira a desesperança. A quantidade de negócios fechados, de restaurantes com as janelas abaixadas, as lojas com o cartaz “vende-se” colado na porta é alucinante.
A cidade parece saída de uma catástrofe. “Mas recém entramos nela”, comenta Kostas com certa filosofia. “Faltam muitos anos para que voltemos a ter o mínimo: trabalho e segurança alimentar. Enquanto isso, haverá uma geração e uma classe social que jamais regressará ao status que tinha. O ultra-liberalismo fez de nós duas coisas sucessivas: ricos em um relâmpago e pobres em um par de semanas”.
Tradução: Katarina Peixoto