Bancos sÆo acusados de refor‡ar lucros com tarifas ilegais

(São Paulo) Em debate sobre os altos lucros bancários, Ministério Público e Ministério da Justiça dizem que setor viola o Código de Defesa do Consumidor e pedem mais ação do BC. Para Ministério da Fazenda, falta de competição favorece exageros.

O Bradesco teve no primeiro trimestre o maior lucro dos últimos vinte anos entre bancos privados. O recorde não chega a ser uma novidade para um setor que exibe ganhos crescentes há tempos. Mas ilustra uma abusividade que Comissão de Direitos do Consumidor da Câmara expôs à luz do dia nesta quarta-feira (16), numa tumultuada sessão que constrangeu o ministro Guido Mantega (Fazenda) a aceitar ir ao Congresso discutir o assunto, para evitar uma convocação que o obrigaria a comparecer.

Na audiência pública, soube-se que, para turbinar os lucros, os bancos brasileiros cobram tarifas sem amparo legal, muitas vezes com a complacência do Banco Central (BC), que deveria fiscalizá-los. Ouviram-se ainda acusações de uma ganância acima do que se vê pelo mundo e alfinetadas de que as instituições não competem entre si, preferindo um estilo cartelizado de atuação.

A insinuação de desinteresse dos bancos com relação a uma disputa séria por clientes partiu do secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, que representou Mantega no debate contra a vontade da maioria da Comissão.

Segundo ele, a concorrência entre os bancos é a melhor forma de reduzir os spreads, um dos componentes da taxa de juros cobrada em empréstimos. Os bancos calibram o spread para ter dinheiro que os ajude a recolher os impostos, se proteger contra calote de tomadores, pagar funcionários e, principalmente, lucrar.

Para a Fazenda, o spread anda exagerado. Daí que o governo baixou, no ano passado, medidas para reduzi-lo, como facilidades para a população trocar de banco na hora de receber salário e quitar empréstimos. “O spread ainda é alto para padrões internacionais e tem sim relação com a rentabilidade dos bancos”, afirmou Appy.

Uma medida que poderia inibir a cartelização bancária e forçar uma redução de spreads, na avaliação do governo, seria tirar do BC a responsabilidade por julgar compras de uma instituião por outra e o nível de concentração no setor, e jogá-la para o Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (Cade). A mudança depende da aprovação de um projeto de lei que repousa no Congresso há cinco anos.

Por trás da proposta, está a suspeita de que o BC seria muito simpático às instituições financeiras e faria vista-grossa à atitude quase cartelizada delas e a outras práticas criativas, quando não irregulares. E a pouca disposição do BC para fiscalizar de fato os bancos foi apontada na audiência como uma contribuição para os enormes lucros bancários.

Taxação irregular
Para o Ministério Público e o Ministério da Justiça, os bancos cobram tarifas ilegalmente, com a benção ou a omissão do BC. Por exemplo: quando um cliente deseja quitar um empréstimo antes do prazo, o banco exige uma taxa, contrariando o Código de Defesa do Consumidor e resoluções do próprio BC – que inclusive garantem direito a desconto. “Não é uma tarifa por serviço, é uma tarifa sanção, uma punição ao tomador”, afirmou Ricardo Morishita, da Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça.

Dia 31, haverá uma reunião da SDE com a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) para tentar encontrar uma solução. Mas, pelo que a entidade mostrou na audiência, a intenção dos banqueiros é, antes, legalizar a cobrança. Segundo Ademiro Vian, técnico da Febraban, a entidade quer que o BC legalize a taxa classificando-a como “comissão”. E por que cobrá-la, seja como tarifa, seja como comissão? “Antecipação é uma quebra de contrato”, justificou Vian.

A quebra de contrato reclamada pelos bancos seria uma prática comum das próprias instituições que a omissão do BC também fertilizaria. Pelo menos, na opinião do promotor de Justiça Amauri Artimos da Matta, presidente da Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor.

O promotor acusou os bancos de inventarem tarifas novas e cobrá-las dos clientes em contratos vigentes antes da novidade. “Isso sim é quebra de contrato. Essa autorização [do BC > fere de morte o princípio do ato jurídico perfeito consagrado na Constituição”, disse da Matta. Para ele, uma legislação deveria definir critérios objetivos de criação de tarifas, para impedir que os bancos as inventassem conforme sua gula.

Alvo de críticas por suposta vista-grossa diante de criativas práticas financeiras, o BC não passou recibo de que pegaria leve demais com seus vigiados. Ao contrário, reconheceu a necessidade de aumentar a concorrência entre os bancos para que caiam os juros e tarifas garantidores de pesados lucros das instituições. “Só com concorrência e conhecimento de direitos, conseguiremos ter um ambiente competitivo que se reflita na redução do spread e das tarifas”, disse Amaro Luiz de Oliveira Gomes, do Departamento de Normas do Sistema Financeiro do BC.

Na defensiva, a Febraban tentou, na audiência, justificar as práticas consideradas suspeitas e, claro, o motivo dos exorbitantes lucros do setor. Segundo Ademiro Vian, os ganhos estão subindo porque o sistema financeiro vêm crescendo – as instituições arrumaram mais clientes de quem cobram tarifas e estão emprestando mais. O juro do BC, disse o técnico, poderia até render mais lucros, se fosse menor, tese sustentada com base em um estudo internacional apresentado pela entidade.

As explicações da entidade não fizeram sucesso entre parlamentares da Comissão de Defesa do Consumidor. Até para aliados do governo, faltaria ação política contra a exorbitãncia. "A população não pode ser tão afetada pela ganância, pela lucratividade extraordinária", disse o deputado Luiz Bassuma (PMDB-BA). "Já me convenci de que fala vontade política do meu governo", completou.

"Concordo. Sou da base do governo, mas precisamos sair do tacão do BC. Os banqueiros ganham tanto dinheiro porque falta uma política contra esse spread imoral", afirmou o deputado Chico Lopes (PCdoB-CE), um dos proponetes da audiência pública – o outro foi o deputado Ivan Valente (PSOL-SP).

Explicações de Mantega
Apesar das explicações de um técnico da Fazenda, do BC e dos banqueiros, a Comissão ainda quer ouvir o ministro Guido Mantega sobre o assunto, motivo de uma polêmica antes de a audiência começar. Integrantes esperavam que Mantega fosse ao debate, em vez de mandar um subordinado.

A presença voluntária dele, atendendo a um convite, teria sido acertada entre governistas e oposicionistas na Comissão para evitar uma convocação do ministro. Mas a ausência revoltou integrantes, que ameaçaram convocá-lo e abandonaram o debate. Por meio de Appy, com quem falou por telefone, Mantega se comprometeu a ir à Comissão em breve.

Fonte: André Barrocal, Agência Carta Maior

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