PHA: Eu converso com Roberto von der Osten, presidente da Contraf/CUT e um dos coordenadores do comando nacional dos bancários.
Roberto, vocês tiveram ontem (quarta-feira 28/set) uma nova seção de negociações com a Febraban sobre a questão do reajuste salarial dos bancários. O que ainda separa vocês dos bancos?
ROBERTO: O que nos separa, primeiro, é o modelo de campanha nacional, o modelo de reajuste de salário que os bancos pretendem aplicar. A nossa proposta foi entregue no dia 9 de agosto, previa o reajuste pela inflação, mais 5% de ganho real – até porque o lucro dos bancos é uma coisa fabulosa, e nós achamos que tínhamos que fazer um esforço pra crescer o salário da nossa categoria.
Os bancos apresentaram um modelo que implica em reajuste do salário abaixo da inflação. No caso, eles oferecem 7%, o que causa uma perda de 2,39%. E oferecem um abono que não compensa isso, não recompõe a massa salarial, o poder de compra que os bancários perderam entre 2015 e 2016. Isso é um abismo. E não teve jeito, não caminha, nós tivemos uma infinidade de rodadas de negociação.
Não caminha por uma razão muito simples: tem um componente que está na mesa de negociação com a Febraban que não é um componente das relações de trabalho. Nós temos os estudos do DIEESE… Eu recebi uma tabela ontem, de 1995 a 2016, que mostrava quais foram os reajustes, desde o período FHC, do período do governo Lula, do governo Dilma, e do governo que está aí agora. Fica claro, você visualiza claramente, que havia uma política, uma âncora salarial na intenção de ajudar a conter a inflação, que foi abandonada no período seguinte ao FHC, quando nós conseguimos ganho todo ano. Conseguimos [reposição da] inflação, mais um ganho real e aumentamos em 20,8% nosso salário. Agora, a lógica se inverteu.
Então isso fica intransponível, e não é com negociação que a gente resolve. Não tem argumento que convença o outro que ele deve aceitar ou reposição da inflação mais o ganho real ou, no caso nosso, que a gente aceite uma redução de 2,39% do nosso salário.
PHA: Vocês já mediram ou compararam a rentabilidade dos bancos brasileiros com bancos de outros países?
ROBERTO: Sim. Nós temos aqui uma subseção do DIEESE que faz todos esses comparativos, de rentabilidade de banco, rentabilidade do setor financeiro comparando com outros setores da economia brasileira. E fica evidente! Você acompanhou ontem (28/09) a publicação dos juros do cheque especial e do cartão de crédito (475% ao ano). É inacreditável! Em outros lugares do mundo, as pessoas não acreditam nesses patamares! Quando a gente faz essas comparações na mesa de negociação, os bancos não respondem.
Tem empresas no Brasil que têm uma lucratividade maior do que os bancos, mas você pergunta, qual empresa é essa? Se você descola de setor, se você pega uma empresa específica, é o bar lá da esquina da vila-não-sei-o-quê que pode ter uma rentabilidade maior que um banco. Mas não é disso que nós estamos falando. Estamos falando de um setor da economia.
PHA: Comparando com outros países, o que se pode dizer, efetivamente, da rentabilidade dos bancos brasileiros? É alta, baixa? Como se pode definir?
ROBERTO: É muito alta. Muito alta. A rentabilidade média, eu creio, sobre o patrimônio líquido dos bancos deve estar na casa dos 20% a 22% de crescimento ao ano. É uma coisa fantástica para um retorno de investimento, para a rentabilidade de um capital que você tenha.
Quando nós falamos em bancos e falamos também em setor, nós temos que lembrar o seguinte: se a Febraban representa 160 bancos, eu creio que mais de 80% disso é referente a cinco bancos. O número de agências, 23.544 agências no Brasil, um número impressionante está concentrado. Estamos falando de um sistema financeiro extremamente concentrado em cinco bancos.
PHA: Então, aparentemente, não há possibilidade de negociação, e cria-se um ambiente onde a alternativa é a greve. E os documentos que vocês distribuem dizem que o número de grevistas atinge 57% dos locais de trabalho em todo o Brasil.
Hoje, quando muitas das transações podem ser realizadas via internet, essa greve tem como, de fato, pressionar os bancos?
ROBERTO: Esse é o grande dilema. Veja, nós estamos enfrentando, além de todo o stress e instabilidade em relação ao emprego, quando um trabalhador vai à greve… A greve é um ato de coragem das pessoas, não? As pessoas que estão aposentadas pela Previdência, se o governo muda as regras e resolve reduzir o que eles estão aferindo como benefício, eles não têm grandes armas pra se defender, não têm como fazer uma greve. Os trabalhadores da atividade têm essa arma de negociação que, em tese, é poderosa.
Nós acompanhamos… Inclusive, tem uma tabela que a Febraban coloca em seu site, que trata do volume de transações bancárias. Deste volume hoje, é evidente que algo na casa de 54% são feitas por meio de internet ou de mobile banking. Dependendo do banco, a internet é um pouco maior que o smartphone, do que a telefonia. Dependendo do banco, dependendo do grau de desenvolvimento tecnológico, isso é mais ou é menos. Até porque existe hoje um perfil de usuário jovem de banco que não quer mais ir à agência bancária. Ele quer comprar por telefone, vender por telefone, operar sua conta corrente por telefone.
Nesse perfil, os bancos vêm fazendo uma aposta muito grande. Eles próprios têm declarado para a mídia que eles são baixamente afetados [pela greve], porque o atendimento está sendo feito por internet e nos auto-atendimentos das agências, porque os bancários há muito tempo decidiram que não iam fechar esses caixas eletrônicos, pois nossa greve não é contra a população. Então, o auto-atendimento faz um grande volume, os correspondentes bancários têm outra parte desse volume… E as lotéricas, de uma maneira geral, que operam como bancos, têm também.
O que nos resta? Segundo algumas dessas pesquisas dos bancos, coisa na casa de 6,8%, dependendo do banco. Abaixo de 10% das transações, de uma maneira genérica. Abaixo de 10% das transações bancárias são feitas nas agências bancárias.
Se nós estamos fazendo uma greve forte contra os bancos, nós vamos atingir, no limite, 10% de suas transações bancárias? E por que os bancos ficam tão preocupados a ponto de adiantar com associações comerciais…?
Hoje, o banqueiro chama sua agência bancária de "loja". Dentro daquilo ali, tem uma cesta de produtos para os bancários e bancárias que ali estão. E quando você entra numa agência bancária, eles vão lhe oferecer um seguro, um título de capitalização, uma previdência complementar, um rol de produtos.
PHA: Um supermercado financeiro, não é isso?
ROBERTO: Isso daí. É um supermercado. Você entra na agência quase como se estivesse conduzindo um carrinho de compras, não é? E o bancário e a bancária são obrigados a lhe oferecer. Eles têm metas de vendas de produtos, cada um deles. Eu tenho que mandar um seguro pra alguém, mandar uma previdência complementar, uma capitalização, um plano de saúde, consórcio de bens, crédito habitacional… Qualquer outro produto. Alguma coisa eu preciso vender. Eu tenho metas a cumprir. A agência tem metas, coletivamente.
PHA: Roberto, hoje, por exemplo, nos jornais de manhã, eu vi uma ex-jornalista, Ana Paula Padrão, fazendo publicidade do Banco Original. Oferecendo serviços na internet. O Itaú tem uma campanha publicitária muito forte, oferecendo serviços na internet. Ou seja, um dos problemas dos bancários hoje é, exatamente, essa competição com a tecnologia…
ROBERTO: Não diria pra você que é dos bancários, eu diria que é da humanidade. Amanhã pode ter um aplicativo onde eu fale a respeito de uma notícia e ele redija uma matéria.
PHA: Claro, claro.
ROBERTO: Os advogados têm um aplicativo que faz petição, os médicos têm aplicativo…
PHA: O jornalismo está sendo espancado pela tecnologia, se eu posso dizer assim.
ROBERTO: Inclusive, muda o perfil do clássico jornalão, que você sentava no café da manhã e abria. O jornal não é mais aquilo que fica entre o leitor e a mesa de manhã.
PHA: Eu acho que eu sou o último leitor de jornal impresso que eu conheço…
Roberto, qual é o seu prognóstico? Esse impasse dura até quando? Como se resolveria?
ROBERTO: A gente acreditava que essa campanha seria rápida. No começo, nós fizemos uma negociação mais produtiva, mais objetiva, nós chegamos ao conflito mais objetivamente… O conflito era pra você avaliar a proposta do banqueiro, recusar e falar: "por que não modificar isso? Se não, vão nos obrigar a ir à greve. Não tem outro caminho por aqui".
Chegamos rapidamente, no dia 1o. de setembro, dia de nossa data-base. Fizemos nossa assembleia, que a gente faz lá pra frente, em meados de setembro. Acreditávamos que, num ano de instabilidade política, num ano em que a democracia foi fortemente golpeada no país, um cenário absolutamente ruim, não se sabe o que vai acontecer em janeiro… a instabilidade é política, não se sabe qual vai ser.
Então, nesse cenário, a gente acreditava que eles iriam repor a inflação, dizer que esse ano não dá pra dar ganho real, a gentia ia insistir pra ter algum ganho real, já que o lucro deles é real. Eles têm um ganho real fabuloso. Nós pensávamos assim, uma campanha rápida, fácil, pronto e acabou. Um ano eleitoral, disputa de hegemonia, Congresso nacional, movendo uma agenda nociva para os trabalhadores, pauta bomba, recheada de coisas contra a sociedade… Acreditávamos assim. Até que caiu nossa ficha e percebemos que, contrariamente ao que eles têm mandado dizer em alguns jornais, que essa greve é contra o governo que aí está, a gente disse que não. A gente fez greve nos governos FHC, no governo Lula, Dilma, e faremos no governo Temer. Estamos fazendo.
Então, não tem nada a ver com apoio, se é contra ou a favor de governo. Nós estamos negociando com o banqueiro. Quem meteu a política no meio da campanha foram eles! Buscando, quem sabe, entregar um produto que eles ofereceram aos banqueiros que estão no governo. Tem um banqueiro na Fazenda e outro presidindo o Banco Central.
Dentro desse cenário, é imprevisível. Nós gostaríamos de não estar em greve. Gostaríamos de ter terminado isso a tempo de a população não ser onerada, não ser sacrificada. Mas não conseguimos e afirmo pra você, com convicção e com provas: o culpado é o banqueiro.