TCU condena operação do BNDES com HSBC originada com Bamerindus em 1997

FOLHA DE SÃO PAULO
LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O Tribunal de Contas da União classificou como ilegal a cessão de uma carteira de créditos do BNDES ao HSBC, sem qualquer tipo de concorrência. Primeiro, em 1997, foi repassada a gestão dos créditos para o banco britânico. Dez anos depois, em 2007, a carteira foi vendida por 1,3% de seu valor.

A carteira somava cerca de R$ 650 milhões, e saiu por R$ 8,3 milhões para o HSBC. O caso foi revelado pela Folha em fevereiro deste ano.

Em abril, o TCU instaurou um procedimento para apurar o episódio. No mês passado, em um relatório confidencial ao qual a Folha teve acesso, os ministros do tribunal concluíram que a direção do banco foi “omissa” na administração dos recursos. Requisitaram ao Ministério Público Federal uma investigação paralela e determinaram a convocação de 13 diretores e ex-dirigentes do banco estatal de fomento para prestar esclarecimentos.

O TCU também instou o Banco Central a adotar as providências que julgar necessárias. O tribunal ainda pode tomar novas medidas no caso.

Na época em que a venda da carteira foi autorizada, o presidente do BNDES era o economista Demian Fiocca. Ele foi economista-chefe do HSBC entre 1998 e 2000. Mas Fiocca não está entre os ex-dirigentes chamados a dar explicações.

A transação entre BNDES e HSBC tem sua origem na quebra do Bamerindus. Em março de 1997, o Banco Central decretou intervenção no banco de José Eduardo de Andrade Vieira, ministro da Agricultura no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

A parte boa do Bamerindus foi vendida para o HSBC. A massa falida ficou sob a administração do BC. No meio das duas havia operações de empréstimo e financiamentos concedidos pelo Bamerindus com recursos do BNDES, da linha Finame (programa federal para a compra de máquinas e equipamentos). Com a intervenção do BC, os direitos sobre essa carteira voltaram para o BNDES. A valores de hoje, somariam R$ 1,66 bilhão.

Porém, no lugar de gerir os recursos, a instituição financeira estatal preferiu simplesmente delegar ao HSBC a cobrança dos créditos. O negócio foi completamente informal. Não havia sequer um contrato entre as partes.

Irregularidades

Em 2003, o departamento jurídico do BNDES alertou sua diretoria sobre a irregularidade da situação, ressaltando que a transferência da gestão dos créditos, da forma como havia sido feita, desrespeitava a Lei das Licitações (8.666/93).

“Como se depreende dos textos descritos, o BNDES estava ciente, desde a intervenção no Bamerindus, da necessidade de se solucionar o impasse, uma vez que a cessão informal da carteira carecia de legalidade [conforme constatado pela assessoria jurídica do banco]”, escreveu o TCU.

Os pagamentos ao BNDES também eram irregulares, diz o tribunal. O HSBC depositava valores recuperados, mas sem informar a quais devedores estavam relacionados. O dinheiro era mantido numa conta de “depósitos não identificados”. Na venda da carteira, o BNDES não sabia nem mesmo informar quanto valiam os créditos ainda pendentes.

“O HSBC recebia, à margem da legalidade, os valores pagos pelos devedores dessa carteira. Apesar de ter ciência do crescente problema, o BNDES não tomou qualquer decisão sobre o assunto, tendo abandonado uma carteira de crédito de R$ 1,66 bilhão nas mãos do HSBC”, ressaltou o TCU.

O BNDES arbitrou o preço de venda da carteira, utilizando um formato bastante favorável ao HSBC. De um lado, corrigiu o total da carteira por TJLP (Taxa Média de Longo Prazo) mais 0,5%, a partir do saldo verificado em março de 1997. De outro, aplicou Selic (taxa básica de juros da economia) sobre a soma dos valores recuperados pelo HSBC, resultando em R$ 1,641 bilhão. Historicamente, contudo, a Selic é muito superior à TJLP. A diferença entre os dois cálculos foi de R$ 8,3 milhões -valor da venda.

A pedido da Folha, para a primeira reportagem, o economista Carlos Eduardo de Freitas fez uma estimativa da soma dos créditos ainda a recuperar na data da venda da carteira, em janeiro de 2007.
Empregando taxas e metodologias utilizadas pelo próprio BNDES chegou ao valor aproximado de R$ 650 milhões. O BNDES não contestou o número.

BNDES diz que agiu amparado em resolução do CMN

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que cedeu os créditos provenientes do Bamerindus ao HSBC amparado pela resolução n.º 2836, de 30 de maio de 2001, do CMN (Conselho Monetário Nacional).

“Trata-se, portanto, de operação bancária entre instituições financeiras sujeitas ao CMN”, informou a assessoria do banco estatal de fomento. Segundo o banco, a transação não acarretou prejuízos à instituição.

“Caso o TCU considere necessário, o BNDES prestará os esclarecimentos, evidenciando que as decisões referentes à carteira sub-rogada do antigo Bamerindus, tomadas a partir da intervenção do Banco Central junto ao banco, em março de 1997, permitiram que o BNDES recuperasse os recursos que haviam sido repassados pelo Bamerindus, utilizando a estrutura operacional do HSBC”.

O BNDES destacou também que o relatório citado pela reportagem tramita sob sigilo e tem caráter preliminar, “ainda pendente de apreciação de ministro integrante daquela corte de contas e, se for o caso, posterior decisão do plenário”.

Na verdade, o documento ao qual a Folha teve acesso já é um acórdão (2442/ 2009) dos ministros do TCU, com decisões definitivas tomadas em plenário. Novas medidas, contudo, ainda podem ser determinadas pelo tribunal.

O BNDES também informou que os funcionários e executivos do banco citados no relatório ainda não receberam notificação para apresentar seus esclarecimentos.

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