1º Fórum resgata raízes do racismo e reforça luta contra discriminação

Debatedores enfatizaram aspectos históricos da desigualdade racial

O primeiro debate do 1º Fórum Nacional – A Invisibilidade Negra no Sistema Financeiro, promovido pela Contraf-CUT em conjunto com outras entidades e aberto nesta segunda-feira (28), em Salvador, tratou da conjuntura atual e do combate à desigualdade racial no Brasil. A discussão contou com a presença da Ângela Nascimento, diretora de Programas da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), e Nilo Rosa, pesquisador e militante do movimento negro. O debate foi coordenado pelo presidente do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro, Almir Aguiar.

O evento está sendo transmitido ao vivo pelo site da Contraf-CUT com apoio técnico do Sindicato dos Bancários de Brasília.

Ângela começou fazendo um resgate de aspectos históricos da construção das relações raciais no Brasil. Ela lembrou que a sociedade brasileira foi constituída, no período colonial, em cima da escravidão, que implica a transformação de homens e mulheres negros em coisas. Essas relações, construídas por mais de 350 anos, deixaram como herança uma desumanização dos negros.

“Foi construído um lugar de ‘não ser’ para os negros. Não somos pessoas iguais aos brancos. Esse é o pilar das relações sociais no Brasil”, disse. Com base nisso, as relações políticas trouxeram um lugar de inferiorização do ser negro, que passou a ser sinônimo de nocivo, de nefasto, de representar o contrário do progresso.

“No Brasil, o racismo é determinante e se articula com o sexismo e as classes. O racismo é materializado em diversas questões, como no acesso à saúde, nas chances de adoecer e morrer por certos fatores. Quando dizemos que o racismo mata, estamos falando das consequências sociais do racismo na lógica do atendimento em saúde, educação, no lugar das crianças negras no imaginário dos professores e da escola”, afirmou.

No caso da mulher, duas discriminações se somam. “As mulheres, brancas e negras, estão submetidas à logica do patriarcado, mas principalmente a mulher negra. Um ditado antigo exemplifica bem, ao dizer que ‘branca é pra casar, mulata pra fornicar e negra pra trabalhar'”, relatou.

Mesmo no movimento sindical, que tem forte influência marxista, as relações de classe entre capital e trabalho são tomadas como explicação das relações sociais. “No entanto, há estudos que mostram que as classes numa sociedade como a brasileira têm sexo e tem cor. O desenvolvimento das relações de trabalho e, consequentemente, do poder politico, foi mesclado por essa compreensão. Ser negro, ser branco e ser indígena no Brasil funciona como elementos dinâmicos das relações entre as classes”, explicou.

Essa origem explica a resistência ainda hoje encontrada em setores do movimento sindical em dar centralidade ao tema racial. “A identidade nacional pretendida era branca. Mesmo em sindicatos, há negros, mas ainda há um imaginário sobre quem tem condições de lideranças e esse imaginário é branco e masculino”, disse.

É nesse contexto que se dá o trabalho da Seppir, que tem a missão de coordenar as diversas políticas em torno da agenda de promoção de igualdade racial. “Neste momento, estamos no debate para definir um modelo de gestão para que o Estado consiga combater efetivamente o racismo”, disse. “Temos ações definidas para a saúde, políticas para a juventude e para tentar modificar essa imagem do negro, agindo na cultura e comunicação. São ações que passam sempre pelo fortalecimento do movimento negro, pois é na sociedade que se dá esse debate. Um dos desafios é consolidar a missão da Seppir num contexto de retração econômica”, salientou.

Democracia passa por luta contra a discriminação

Nilo Rosa também fez um resgate da origem do racismo para além da história brasileira. “A discriminação não é invenção dos portugueses nem dos brasileiros. Ela faz parte da gênese do ocidente. No livro do Gênesis, na Bíblia, está escrito que ‘Deus criou o homem a sua imagem e semelhança’. E quem vai comer a maçã? Não podia ser o homem, pois ele é a obra prima do Senhor. Foi a mulher”, disse.

Para Rosa, é essa “imagem e a semelhança” que determinam seu lugar na sociedade ocidental. “Há um pesquisador europeu que afirma que todo povo europeu procura uma origem ariana – macho, louro e de olhos azuis. Imagina uma mulher, negra e homossexual, que lugar ocupa nessa sociedade? Esse é o mito fundador da sociedade”, frisou.

Um exemplo da invisibilidade negra no Brasil citado pelo professor foi o caso recente da publicidade da Caixa Econômica Federal em que o escritor Machado de Assis era interpretado por um ator branco. “O banco se retratou após pressão da sociedade, mas aquilo foi a constatação da invisibilidade negra”, apontou.

“Mas a evidência maior é que existem mais auditores negros na Receita Federal, onde trabalho, do que funcionários negros no Bradesco, onde tenho conta. São as consequências das portas largas do concurso público que evitam a discriminação”, enfatizou.

“Há um pensador americano que diz que numa sociedade democrática é impossível conviver com largas diferenças sociais. Tem pobre em outros países, mas a diferença social no Brasil é evidência gritante de que não vivemos numa sociedade democrática. Por isso, é impossível qualquer tipo de desenvolvimento no Brasil, sem que combatamos de frente a discriminação”, sustentou. “A democratização efetiva da sociedade passa obrigatoriamente pela luta contra a discriminação”.

Compartilhe:

Compartilhar no facebook
Facebook
Compartilhar no twitter
Twitter
Compartilhar no whatsapp
WhatsApp
Compartilhar no telegram
Telegram