O ano de 2012 ainda se equilibra sobre o legado deixado pelo período anterior. A chamada crise financeira achata direitos e garantias sociais na Europa, enquanto governos de diferentes espectros da esquerda tentam conter esses efeitos perversos na América Latina.
Foi sobre esse cenário que cinco pensadores da esquerda conversaram na tarde da quarta-feira (25), durante uma coletiva à imprensa promovida pela agência Carta Maior. O economista Luiz Gonzaga Belluzzo, o alto representante do Brasil no Mercosul e ex-secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães, o diretor de redação do jornal francês Le Monde Diplomatique, Ignácio Ramonet, o professor de Ciências Econômicas da Universidade de Buenos Aires, Mario Burkún, e o sociólogo Emir Sader fizeram projeções sobre o papel da esquerda no século 21.
É sobre este tema que eles debaterão nesta quinta-feira (26), às 9h, no auditório da Escola Superior da Magistratura, na Ajuris (rua Celeste Gobbato, 229).
Partidos políticos se tornaram gestores da crise, avalia economista argentino
O professor de Ciências Econômicas da Universidade de Buenos Aires e da Universidade de La Matanza, Mario Barkún, avalia que a esquerda tem duas possibilidades no século 21: “Ou provoca uma real transformação na sociedade, ou realiza uma mutação com a sociedade”.
Para o economista, é preciso haver uma profunda mudança nos partidos políticos para que se consiga promover uma transformação no sistema capitalista. “Os partidos se tornaram gestores da crise. A transformação passa pelas organizações de base”, defende.
Barkún concorda que a situação não está tão agravada nos países emergentes, como Brasil, China, Índia e Rússia, mas ressalta que essas nações ainda não eliminaram os aspectos negativos do capitalismo. “Esses países vivem uma melhora do sistema, mas ainda é um capitalismo que remunera pouco e beneficia os mais ricos”, critica.
“A esquerda tradicional não está em condições de propor saídas”, opina Ramonet
O diretor de redação do jornal francês Le Monde Diplomatique, Ignácio Ramonet, considera que os grupos políticos tradicionais da esquerda não conseguiram conter a crise financeira na Europa e impor a autoridade do Estado sobre o mercado. Ele lembra que chamada social democracia estava no poder em países como Grécia e Espanha. “Esses governos promoveram profundos ajustes fiscais”, critica.
O jornalista questiona o papel da esquerda num contexto de crescentes e violentos avanços do neoliberalismo. “A esquerda tradicional não está em condições de propor saídas. Há pessoas dispostas a lutar e reagir, mas onde está a esquerda para organizá-las?”, provoca.
Ramonet não compactua da ideia de que o capitalismo está em crise. “Pelo contrário, está mais forte do que nunca”, observa.Para ele, o sistema econômico e financeiro absorve e maneja os estados e governos. “O neoliberalismo deu golpes de Estado na Grécia e na Itália. As grandes empresas públicas de diversos países são atores do capitalismo, operam sem nenhuma preocupação de distribuir renda”, comenta.
O jornalista francês avalia que a verdadeira crise é a falta de alternativas por parte da esquerda. “A crise é que não encontramos respostas alternativas à lógica neoliberal”, conclui.
“Os governos não enfrentam o sistema bancário”, aponta Belluzzo
O economista Luiz Gonzaga Belluzzo aponta que cabe aos governos controlar o sistema bancário e, com isso, dirimir os efeitos da crise financeira. “O centro nervoso do poder é o sistema bancário e financeiro, são os gestores da riqueza coletiva. Não há solução para a crise sem que avance no controle do sistema financeiro”, sugere. Para o economista, os governos deveriam ter agido nesse sentido. “Não enfrentam isso, não exercem o direito de estatizar os bancos”, critica.
Belluzo se denomina um “reformista radical” e considera que é preciso redimensionar o debate que polariza reformismo e revolução.
“Neoliberalismo aproveita crise para desmontar conquistas”, condena embaixador
O alto representante do Brasil no Mercosul e ex-secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães, também compactua da tese de que o capitalismo não passa por uma crise e se fortalece a cada dia. O embaixador observa que os neoliberais aproveitam a suposta crise para arrancar das sociedades os direitos e garantias sociais conquistados ao longo do tempo.
“O neoliberalismo está aproveitando a crise para dar um passo adiante para desmontar as conquistas históricas da esquerda. O neoliberalismo não está em crise, está partindo para o ataque”, avalia.
Para Emir Sader, América Latina se divide entre governos moderados e radicais
O sociólogo Emir Sader explica que há duas correntes de esquerda que governam a maioria dos países da América Latina: os moderados e os radicais. Ele aponta que, em comum, ambos desejam superar o modelo neoliberal e pautam-se por políticas de promoção de investimentos públicos e de prioridade à políticas sociais, não a pacotes de ajuste fiscal.
Dentre os moderados, Emir inclui o Brasil, o Uruguai e a Argentina. De acordo com o sociólogo, os governos desses países “apostam que é possível superar o neoliberalismo sem promover transformações estruturais no capitalismo”.
Do outro lado, ele aponta que países como Venezuela, Equador e Bolívia pretendem se constituir como forças anticapitalistas no continente. “Esses governos entendem que sem enfrentar os temas estruturais do capitalismo, como propriedade privada e meios de produção, não conseguirão ultrapassar o modelo neoliberal”, observa, acrescentando que esses países buscam construir “uma dinâmica pós-capitalista”.