Por Maria Aparecida Antero*
Os últimos acontecimentos na América Latina demonstraram a vontade de seus povos em seguir uma trilha de desenvolvimento econômico e social sob uma outra ótica que não seja a de inserção subordinada ao capitalismo internacional. Apesar dos avanços ocorridos neste sentido, ainda corremos o risco de vermos esta nova política se transformar em uma modernização conservadora das relações de produção capitalista.
Como diria um grande homem do movimento sindical brasileiro, Gilmar Carneiro: Orai e Vigiai, sempre! Para nós do movimento sindical orar é organizar e mobilizar, e vigiar é fiscalizar e cobrar compromissos com um projeto de desenvolvimento soberano e sustentável, pois as vitórias pelo voto na América Latina iniciadas com Lula em 2002 podem representar um NÃO a anos de exploração das grandes potências ou apenas um ajustamento a esta exploração, sob o slogan da humanização do capital.
A impossibilidade da humanização do capital já constava na teoria marxista desde o século XIX. Para Marx, a essência do homem em sua ontologia é a sua humanização pelo trabalho, no entanto, essa humanização é impossível no capitalismo, pois o trabalho nesse sistema é um trabalho imposto, gerador da mais-valia e não proporciona o desenvolvimento completo das potencialidades humanas.
Em sua história, a América Latina já passou por várias etapas deste capitalismo, desde sua fase monopolista até a atualidade,na chamada acumulação flexível. A civilização Inca que passou por um processo de “humanização” teria muito a nos contar sobre a fase monopolista do capital, bem como nós da década de 90, resistentes ao “fim da história” dos teóricos neoliberais.
Nossa história e a situação sócio-econômica do continente, marcada pela pobreza e exclusão social refletem os anos de mundialização do capital em que nos inserimos de forma subalterna. Esta “integração” tem aquilo que Trotsky escreveu sobre o desenvolvimento desigual e combinado, ou seja, a subordinação da periferia ao centro do capitalismo e a permanência de sua situação de pobreza é funcional para que o capital continue com seu processo de acumulação.
Mas nem tudo está perdido, pois do ponto de vista regional e dos(as) trabalhadores(as), a ALCA foi rechaçada e abriu caminho para discussões sobre nova forma de integração. Assim, recusar todas as formas de integração sob a ótica neoliberal que privilegia apenas a abertura comercial, também é funcional para que possamos avançar em um programa de desenvolvimento soberano e que integre os povos sob a ótica do trabalho.
É necessário também que, mesmo que não ocorra uma revolução pelas armas, que ocorra uma revolução pelas idéias. Romper com algumas estruturas que sustentam o capitalismo é essencial para que se avance na construção de um novo mundo. Algumas pessoas podem não concordar com Hugo Chaves ou com Evo Morales, ou até mesmo, com Lula, mas não podem deixar de reconhecer que estamos diante de novos ventos que podem minar a estrutura capitalista rumo a um novo patamar de desenvolvimento. É nessa perspectiva que aposto e acredito: uma inversão de valores e da lógica do sistema capitalista. Portanto, a unidade dos(as) trabalhadores(as) latino-americanos(as) mais do que necessária é urgente.
Nunca a frase de Belchior soou tão moderna: “Tenho 25 anos de sangue e de sonhos e de América do Sul, por força deste destino um tango argentino me vai bem melhor que o Blues”. Um tango argentino, uma salsa caribenha, uma rumba cubana, um samba e um maracatu brasileiros. Nesta identidade pode estar o vetor de unificação para uma outra integração econômica, social, política e cultural. Ansiando para que o fato de sermos rapazes e moças latino-americanos(as) sem dinheiro no banco e sem parentes importantes, se transforme em indignação e em luta.
A irritação de George Bush com o “bloqueio” do Brasil e da Índia à proposta de integração comercial reafirma a necessidade de discutirmos outras formas de integração regional e mundial
* Maria Aparecida Antero Correia é diretora executiva da Fetec-CUT/SP