Fabiana Lopes
Valor Econômico – São Paulo
Dois meses após o novo modelo de portabilidade de crédito entrar em vigor, os bancos estão pouco ativos na conquista das operações dos seus concorrentes. O movimento silencioso se justifica, segundo relatos de executivos ouvidos pelo Valor, pelas condições ainda consideradas propícias à contratação de operações com desconto em folha (consignadas) e de financiamento imobiliário, bem como à alta dos juros no último ano, que desestimula uma competição desenfreada entre as instituições. Houve também entraves tecnológicos no meio do caminho.
Segundo dados do Banco Central (BC), em junho foram fechadas 15.364 transações de portabilidade de consumidores e empresas. O número é inferior à média de 54 mil operações por mês, entre abril de 2013 e abril deste ano, que aconteciam sob as regras antigas. Os dados têm frustrado a autoridade, que já convocou duas reuniões com representantes dos bancos para entender o baixo volume, segundo fontes. Procurado, o BC não se manifestou por acreditar que ainda é cedo para avaliar os resultados.
Os dados do últimos meses não são exatamente comparáveis com os anteriores, uma vez que até o começo de maio, o BC considerava como portabilidade operações como a chamada “troca com troco”, frequente nas migrações de empréstimo consignado feitas pelos correspondentes bancários. Agora a transação é proibida. O que acontecia, nesse caso, é que o tomador contratava o empréstimo até um limite permitido – que é um percentual de sua remuneração mensal. Mas, conforme ia quitando a dívida, abria-se espaço para a contratação de mais financiamento e, nesse contexto, o correspondente bancário, junto com um banco rival, prometia renovar a operação pelo valor “cheio” inicial.
O que se vê, por ora, é que os esforços de alguns bancos têm se concentrado na manutenção de sua base de clientes e na captação de novos contratos.
É o caso da Caixa. “O foco da Caixa continua sendo gerar novos créditos. Não temos estratégia para tomar clientes de outros bancos”, diz o diretor de habitação da Caixa, Teotônio Rezende. O banco gera cerca de 3 mil contratos de crédito imobiliário por dia. Em maio, apenas sete contratos imobiliários foram encaminhados para outras instituições, enquanto 30 clientes de outros bancos quiseram vir para a Caixa. O banco não divulga números, mas diz que quase 100% das solicitações de portabilidade são relativas a crédito consignado.
No Banco Daycoval, o cenário também é de pouco interesse e demanda pelas operações. “Acreditamos que seja necessário um tempo para a maturação das novas regras, para que os agentes, tanto bancos, quanto correspondentes e clientes se familiarizem com os ajustes operacionais”, diz o diretor do Daycoval Nilo Cavarzan.
Problemas tecnológicos também são citados pelos bancos como uma barreira para a portabilidade. O Valor apurou que grande parte das instituições enfrentou problemas em maio com o sistema da Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP). Segundo o superintendente geral da CIP, Joaquim Kiyoshi Kavakama, porém, o sistema funcionou normalmente. Os erros ocorreram por problemas de padronização na maneira como os bancos formatam e preenchem seus contratos de crédito. “Isso já foi conversado. Definimos uma regra e todos terão de se adequar até 21 de julho”, diz. Ele explicou ainda que em 5 de maio apenas 50 instituições financeiras estavam com seus sistemas integrados ao da CIP. Agora 145 instituições estão conectadas para a operação.
Além disso, os sistemas dos bancos não estão preparados para uma abordagem mais ativa para atrair clientes de outras instituições. “Os bancos estão preparados para operar na portabilidade passiva e obedecer a regulação do BC, mas 50% deles ainda não estão prontos para a portabilidade ativa”, diz o membro do conselho de administração da Associação Brasileira de Bancos (ABBC), Renato Oliva.
O movimento reduzido também se dá pela maior disposição dos bancos para renegociar os contratos em vigor. Sob a nova regra, as instituições têm até cinco dias para fazer uma contraproposta ao tomador que deseja migrar, dando-lhe uma chance de retê-lo no banco.
O Banco do Brasil (BB) montou uma central de atendimento ao cliente específica para atender as demandas e avaliar caso a caso, com foco especial na manutenção dos seus contratos. “Todos os pedidos de portabilidade vão para essa central, e os funcionários entram em contato com o cliente tentando mantê-lo”, disse o diretor de empréstimos e financiamentos do BB, Edmar Casalatina. Ele afirmou que grande parte das demandas de portabilidade tem se concentrado em consignado.
A alta tarifa interbancária das operações – a taxa de compensação paga por um banco ao outro pelos custos de originação do crédito – também tem sido um inibidor da portabilidade eletrônica. Apesar de terem sido firmadas em um acordo feito pelos próprios bancos via Febraban, os valores fixados não agradaram a todos. Para cada modalidade de crédito, os bancos definiram um teto máximo, que decresce de acordo com a idade do contrato e do saldo em migração.
Os dois valores mais altos se dão na portabilidade de crédito imobiliário e veículos, com taxas de até R$ 3.750 e R$ 1.475, respectivamente. Dependendo do contrato e do banco, o valor pode inviabilizar a operação.
Entre os bancos consultados pela reportagem, o Pan foi a única instituição que assumiu uma postura mais ativa na busca por clientes de outras instituições. “Estamos vendo a portabilidade como uma ferramenta também para conquistar novos clientes”, diz o diretor de consignação, Alex Sander Moreira Gonçalves.
(Colaboraram Carolina Mandl e Felipe Marques)