O programa Fantástico, da TV Globo, levou a ar neste domingo 21 de fevereiro uma grande reportagem mostrando o aumento do número de assaltos contra as casas lotéricas, que também atuam como correspondentes bancários, em razão da falta de segurança.
“A reportagem confirma as denúncias que a Contraf-CUT vem fazendo há muito tempo e em razão disso estamos solicitando reuniões com a CCASP (Comissão Consultiva para Assuntos de Segurança Privada), com o Ministério da Justiça e com a Caixa Federal para discutir o assunto”, afirma Carlos Cordeiro, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro.
Veja abaixo o vídeo, e a seguir o texto da reportagem do Fantástico.
Casas lotéricas viram alvo fácil para ação dos bandidos
Locais prestam serviços bancários, mas não dispõem de sistema de segurança. Imagens do circuito interno mostram o momento exato em que um criminoso atira em um homem em São Paulo.
O Fantástico mostra imagens inéditas que revelam como agem os ladrões de casas lotéricas e agências dos Correios. Prestando serviços bancários, sem ter a segurança de um banco, esses locais se tornaram alvo dos assaltantes. Em São Paulo, uma cena impressionante: o momento exato em que o criminoso atira em um homem.
Imagens obtidas com exclusividade pelo Fantástico mostram dois tiros à queima roupa. O assaltante foge. Gravemente ferido, o dono da lotérica aguarda socorro. Depois de uma semana no hospital, José Luiz Dantas, de 52 anos, sobreviveu.
“Acabamos sendo um alvo mais fácil porque um bandido avisa o outro. Na lotérica tem dinheiro e é fácil. A lotérica é uma miniagência bancária”, comenta a vítima.
Todas as 10,2 mil lotéricas espalhadas pelo Brasil fazem serviços bancários. São depósitos, saques, pagamentos – quase tudo em dinheiro vivo.
Na quarta-feira passada (17), as pessoas voltavam à rotina depois do carnaval. Para muita gente, as lotéricas deixaram mesmo de ser apenas um lugar de apostas.
“Só pago contas”, diz um cliente.
“Pago conta de água, luz, telefone, faturas, tudo”, conta a dona de casa Madalena de Góis.
“Se os bancos que são os bancos sofrem assalto, imagine nós, que não temos segurança, nem porta giratória”, comenta a dona de uma lotérica que fica na praça de alimentação de um supermercado na zona sul paulistana, um local que ela considerava seguro até ser vítima de dois assaltos. Em um deles, o ladrão se fingiu de cliente e dominou as funcionárias quando entravam na área dos guichês. No outro roubo, a dona da lotérica foi baleada quando saía para depositar o dinheiro arrecadado. “Eu fui abordada por quatro homens que me pediram o dinheiro. De forma alguma eu reagi. Entreguei o dinheiro”, lembra. Ela acha que o tiro foi para causar tumulto e facilitar a fuga da quadrilha. A bala atravessou o rosto da mulher e feriu um cliente da lotérica. “Saiu bem perto da orelha. Estou viva por um milagre”, conclui.
Traumatizada, ela agora controla tudo de casa, pelo computador. “A sensação que eu tenho é de que sempre alguém vai me abordar e avançar para cima de mim”, diz.
Imagens de uma lotérica no Paraná mostram os ladrões agredindo dois idosos.
“A violência vem aumentando com o passar do tempo. Só que você não tem uma contrapartida financeira para fazer uma estrutura melhor na sua loja e poder atender a população”, critica o presidente do Sindicato das Casas Lotéricas de São Paulo, Luiz Carlos Peralta.
José Luiz Dantas foi assaltado 16 vezes. Para se proteger, ele trocou todos os vidros comuns por vidros blindados. E toda a parte debaixo do balcão também foi blindada. Mesmo assim, os ladrões tentaram outros roubos. Em um deles, o criminoso deu um tiro bem no alto de um vidro. A marca da bala ficou. “Eu deixei para que as pessoas vissem que realmente é blindado e tem uma proteção a mais”, explica.
Dois meses depois desse tiro, aconteceu algo bem mais grave. Dono de uma lotérica em Barueri, na Grande São Paulo, José Luiz explica como foi baleado. Era outubro do ano passado. Fim de expediente.
“Ele disse que tinha uma conta que estava vencendo. Por isso, deixei entrar. Em seguida, ele sacou o revólver e gritou que era um assalto. Eu levantei os braços e falei para ele que as funcionárias não iriam abrir a porta porque eram blindadas. Minha funcionária disparou o alarme. Ele me deu dois tiros e saiu correndo. Eu não reagi. Estava com os braços levantados quando ele me deu os tiros”, lembra.
O criminoso ainda não foi identificado. O comerciante precisou retirar parte do intestino e ainda tem uma bala alojada na barriga. A segurança foi reforçada.
“Procuramos não sair a todo momento. Na hora do almoço, as funcionárias procuram ficar dentro da loja para ter uma segurança maior”, conta José Luiz.
Nas agências dos Correios que fazem serviços bancários – mais de 6 mil em todo o Brasil – o medo de assaltos também é grande.
“Em dias de pagamento você sabe que está mais sujeito”, diz o atendente dos Correios Marcos Cezar Cevada.
Também obtidas com exclusividade pelo Fantástico, imagens dos últimos sete meses mostram assaltos a Correios no interior de São Paulo. A maioria aconteceu no fim do expediente.
Na cidade de Onda Verde, um roubo chamou a atenção. Enquanto um ladrão dominava uma funcionária, outro mexeu na câmera de segurança, para que nada fosse filmado.
A agência onde Marcos Cezar trabalha, em Ipiguá, também no interior paulista, já foi assaltada três vezes. “Eles ameaçaram, diziam que não tinham nada a perder e, se tivessem que matar, matariam mesmo. Eu não consigo esquecer isso até hoje”, diz o funcionário.
O advogado do Sindicato dos Funcionários dos Correios, Giovanni Spirandelli, entrou com uma ação na Justiça para que agências do interior paulista tenham segurança semelhante à dos bancos, com vigilantes, alarme e porta giratória.
“Nós já levamos isso ao conhecimento dos demais advogados dos outros sindicatos de todo o Brasil, para que eles tomem uma medida similar”, adianta Giovanni.
Procurada pelo Fantástico, a direção dos Correios enviou uma nota. Diz que faz mapeamentos dos roubos e destina os recursos para cada agência, conforme o grau de risco identificado. Sobre os assaltos a lotéricas, o programa falou com o gerente nacional da Caixa Econômica Federal, Antônio Carlos Barasuol, responsável pela concessão do serviço.
“No ano passado, foram repassados R$ 100 milhões aos lotéricos para investimento exclusivamente em ações de segurança. Isso permitiu que hoje mais de 5 mil lotéricas utilizem o serviço de carro-forte, por exemplo”, diz Antônio Carlos Barasuol.
Alegando questões de segurança, a Caixa Econômica Federal não divulga o número de assaltos. Mas o Fantástico apurou que há registros de roubos em lotéricas em pelo menos 15 estados – só neste começo de ano.
“Todo dia você sai de casa e não sabe se volta, infelizmente”, lamenta Marcos Cezar.
“Eu não tenho mais condição física e psíquica para ficar aqui dentro”, desabafa a dona de uma lotérica atingida durante um assalto.