O futuro das rela‡äes de trabalho

(Brasília) No início do século 19, trabalhavam-se 80 horas semanais. No mesmo período do século 20, a quantidade baixou para 60 horas. Para o pesquisador uruguaio Oscar Ermida Uriarte, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Universidade da República, o fim deste século certamente terá uma quantidade menor de horas trabalhadas que a atual, em torno de 40 horas. "Vinte, talvez", afirmou em fórum internacional realizado na nova sede do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

 

Ele tem uma certeza: estudo, trabalho e ócio se alternarão ao longo da vida de cada trabalhador, e não mais na seqüência estudo-trabalho-aposentadoria, como antes. Em exposição elogiada por ministros do TST, Uriarte, que trabalha no Centro Interamericano de Investigación y Documentación em Formación Profesional da OIT, traçou um panorama das relações de trabalho na América Latina e Europa, com vantagens evidentes para os europeus, e falou sobre as perspectivas para a próxima década.

 

Entre as suas impressões mais importantes está a de que a América Latina tende a viver uma reforma da reforma na legislação trabalhista. Cerca de dez países imitaram a iniciativa chilena fizeram reformas que ele chama de neoliberais, implodindo a seguridade social, entre outras medidas que segundo ele limitaram o direito dos trabalhadores. A opinião de Uriarte, confirmada pelo colega chileno Sérgio Gamonal, da Universidade Adolfo Ibañez, é que esse modelo fracassou, e que os países terão de retomar o controle dos direitos dos trabalhadores.

 

A avaliação do uruguaio é importante no momento em que o Brasil se prepara para eleger um novo presidente, que, em início de mandato, pode mexer na legislação trabalhista. O governador Geraldo Alckmin, pré-candidato pelo PSDB, já anunciou que, caso eleito, tentará emplacar uma reforma, sob o argumento de que as empresas não podem mais assumir tantos encargos. Pela concepção de Uriarte, corroborada por Gamonal, o Brasil não pode repetir o modelo adotado na América Latina.

 

Confira trechos da exposição sobre relações de trabalho feita pelo uruguaio na suntuosa sede do TST em Brasília, em edifício de 96 mil metros quadrados concebido por Oscar Niemeyer:

 

Características da América Latina

"Há uma característica comum a todos os países da América Latina: a legislação é ambígua, dual. Por uma parte, é protetora do trabalho individual, como férias, descanso semanal, limitação de jornada. Mas, no campo das reivindicações coletivas, é limitadora. Há uma preocupação em limitar o sindicato, as greves, a participação do trabalhador nas empresas. E a característica mais importante é a distância entre o direito e a realidade. O grande problema da legislação trabalhista na América Latina não é principalmente sua qualidade, mas sua eficácia, seu cumprimento."

 

Mecanismos de controle

"A Justiça do Trabalho funciona mais ou menos bem na América Latina, mas há algo comum: sua lentidão, e isso diante da urgência do cumprimento dos créditos trabalhistas. Na fiscalização, o Brasil é exceção, pois na América Latina os funcionários são pobres, e os serviços mal equipados. Os sindicatos, sem poder, com exceção de alguns do Brasil e da Argentina, não podem fazer a tutela. E a brecha entre o direito penal e a realidade tem uma causa central: falta de vontade política para fazer cumprir o direito do trabalho."

 

Flexibilização

"A chamada flexibilização foi uma tendência dos últimos 10 ou 15 anos. Universal, não só na América Latina. Ela foi imposta pelo Estado, pela lei, sem controle sindical, sem contrapartida. Isso em comparação com o que se deu na Europa, por exemplo, Os resultados são: falta de estabilidade, precariedade, relatividade, individualização das relações trabalhistas e fuga do direito do trabalho."

 

Os empresários

"Os espanhóis falam de fuga do direito do trabalho. Um professor uruguaio chamou isso de expulsão. Eu digo que os trabalhadores foram disfarçados, travestidos, de empresários, de funcionários de cooperativas. Ocorre a desresponsabilização do empregador, um ocultamento do emprego. Temos empresários que não querem ser empregadores."

 

Características na Europa

"Na Europa dá-se importância aos direitos fundamentais. O trabalhador não deixa na porta da fábrica esses direitos. Há flexibilização moderada, negociada com os sindicatos, desenvolvimento de políticas sociais, em nível nacional e regional, o desenvolvimento de formas de participação do trabalhador na empresa, a redução do tempo do trabalho. A principal característica é a conservação do Estado Social de Direito e da Previdência Social – na América Latina, quem fez como o Chile desmantelou a seguridade social. O direito do trabalho é um grande eixo do Estado Democrático de Direito."

 

Europa x América Latina

"Na América Latina temos intervenção estatal limitante e controladora; eles negociam a negociação coletiva. A participação do trabalhador na empresa é quase inexistente na América Latina. A flexibilização foi diferente. Há na América Latina uma ausência de supranacionalidade, enquanto há um direito trabalhista europeu, e algo apenas muito tímido no Mercosul. Há na Europa maior presença do direito internacional, da OIT, das convenções de direitos humanos."

 

Depois da flexibilização

"O Direito do Trabalho resistiu ao terremoto da flexibilização; sobreviveu. A tendência desreguladora talvez esteja em vias de se esgotar. Por meu desejo, mas também por condições objetivas: constitucionais, legislativas e jurisprudências. Desde a Constituição Brasileira de 1988 os países implementaram direitos trabalhistas, com a incorporação de tratados internacionais de direitos humanos; houve várias reformas na linha inversa, como a da Argentina em 2004, com o aumento do custo da demissão e a derrubada de contratos atípicos, e a do Uruguai em 2005, com a promoção da negociação coletiva por ramo de atividade e a lei de proteção da atividade sindical; e, nas jurisprudências, tem sido aplicado o princípio da aplicação direta das normas internacionais de direitos humanos."

 

Aplicações das normas de DDHH

"No Peru a Telefônica foi condenada a reincorporar 300 trabalhadores demitidos. O fundamento foi o direito ao trabalho: não se pode despedir sem motivo. E isso começa a se dar na jurisprudência internacional. Há também o caso Baena. A corte da OEA condenou o Panamá a reintegrar trabalhadores demitidos. Haverá a reinterpretação do direito do trabalho a partir dos direitos consagrados na Constituição e Declaração Universal dos Direitos Humanos. Primeiro à Constituição e às normas internacionais: se aí tem a solução, não há nada mais a procurar; se não tem, ah, aí vamos ver."

 

Futuro do trabalho precário

"Depois do neoliberalismo trabalhista, há a rejeição ao trabalho precário. Além de ser ruim para o trabalhador, ele é economicamente ruim, pois um dogma recente da área de recursos humanos é o enquadramento do trabalhador na missão da empresa. Na Espanha e Argentina se busca o contrato de longa duração. Isto requer outro elemento: a redescoberta da formação profissional. Foram 20 anos preocupados com a questão do emprego, que podia ser de baixa renda. Hoje se pensa também na qualidade deles: não pode ser qualquer porcaria de emprego. O Ministro do Trabalho na Espanha fez um Índice de Qualidade da Vida no Trabalho. A idéia de responsabilidade social empresarial tem também relação com a qualidade no emprego."

 

Recuperação dos expulsos

"Na Espanha se estuda o Estatuto do Trabalhador Autônomo. Também vai haver evolução nesse sentido. Na seguridade social, 10 países da América Latina privatizaram, como o Chile. Não aumentou a cobertura, a evasão continua grande e é imensa a quantidade de trabalhadores sem aposentadoria. Começa a se enxergar a necessidade da reforma da reforma: o Estado vai ter de salvar esses trabalhadores."

 

"Fim do trabalho"

“Não há o fim do trabalho, mas a redução do tempo do trabalho. No início do século 19 trabalhava-se 80 horas semanais; no início do século 20, 60 horas. Estamos com 40 horas semanais e no fim deste século deve chegar a 20, algo assim. A Massa horária tende a diminuir, pela tecnologia, pelos robôs. A relação de trabalho vai ser relação de trabalho e formação, relação de trabalho e ócio. Ninguém vai trabalhar toda a vida, vai precisar se reciclar e ter tempo para o ócio".

 

Fonte: Alceu Luís Castilho – Repórter Social

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