Perdas dos poupadores deve ir a audiência pública no STF

Valor Econômico
Juliano Basile, de Brasília

A ação em que os bancos pedem o fim da correção da poupança por supostas perdas nos planos econômicos deverá marcar a primeira audiência pública financeira da história do Supremo Tribunal Federal (STF). A ação é uma das maiores em curso no tribunal, pois o seu julgamento vai dar a diretriz para mais de 550 mil processos sobre o assunto em todo o país. É o equivalente a 1% de todos os processos em curso no Judiciário.

O valor da causa chegou a ser estimado pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) – a autora da ação – em mais de R$ 180 bilhões, caso os bancos públicos e privados tenham de fazer as correções das poupanças e dos saldos nas contas do FGTS. Desde que a ação foi protocolada, dezenas de entidades pediram para participar do processo.

Em dezembro, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pediu ao relator da ação, ministro Ricardo Lewandowski, a realização de uma audiência, antes do julgamento. O pedido deverá ser aceito, a partir de fevereiro, quando Lewandowski volta do recesso de janeiro do tribunal.

Tanto a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) quanto o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) apoiam a medida, pois acham que poderão esclarecer as suas posições diretamente aos ministros do tribunal.

Até aqui, o STF só promoveu audiências em causas de interesse geral e comoção popular, como anencefalia (possibilidade de aborto de fetos sem cérebro), pesquisas com células-tronco e custos do Sistema Único de Saúde (SUS). Além dessas, houve apenas uma audiência numa causa econômica: a importação de pneus usados por empresas brasileiras.

A quinta audiência da história do STF está marcada para março e será sobre cotas para negros em universidades públicas. A ação envolvendo planos econômicos deverá ser a sexta audiência da história do STF, pois é um caso popular e com várias entidades interessadas em se manifestar em ambos os lados.

Além da OAB, pediram para atuar como parte interessada: o Idec, o Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon), a Associação de Defesa dos Contribuintes das Regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste (Acontest), o Sindicato Nacional dos Aposentados Pensionistas e Idosos da Força Sindical (SINDNAPI), outras entidades de poupadores, o Banco Central, associações de defesa dos bancos e até empresas, como a Belgo Mineira Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários, que teve o seu pedido negado pelo STF para atuar na causa, mas pediu reconsideração.

Essa lista aumenta todas as semanas. São tantas as entidades interessadas na causa que o BC pediu ao STF para não ser mais obrigado a prestar informações sobre o caso ao Idec. O instituto está na linha de frente da defesa dos poupadores e vem contestando sistematicamente os números do BC.

A autoridade monetária alegou que a dívida dos bancos nessa causa pode chegar a R$ 105,9 bilhões apenas com relação às correções das cadernetas de poupanças, o que comprometeria o sistema financeiro nacional. O Idec respondeu que esse número está fora da realidade, pois, em 20 anos, os bancos pagaram apenas R$ 2,9 bilhões aos poupadores por conta dos planos econômicos.

“O BC coloca-se à inteira disposição do STF para prestar todos os esclarecimentos que se mostrarem necessários”, diz a petição do banco. “Todavia, já não se mostra razoável atender às demandas do Idec”, completa o texto. Essa petição do BC é a última que chegou ao Supremo. Hoje, o processo está com o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que fará um parecer sobre o tema, com a posição do Ministério Público Federal.

Nos últimos dias, os bancos se animaram com a informação de que Gurgel recebeu o presidente do BC, Henrique Meirelles, e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, para tratar do assunto. Por tradição, o MPF costuma defender o lado dos consumidores em grandes ações. Mas, nesse caso, Gurgel ouviu que, se tiverem de pagar para os correntistas que sofreram com os planos baixados pelo governo entre 1985 e 91, os bancos podem ter dificuldades para fazer empréstimos a empresas e pessoas físicas.

Mantega e Meirelles saíram do encontro achando que são boas as chances de Gurgel levar esse argumento em consideração em seu parecer. Eles foram acompanhados pelo advogado-geral da União, ministro Luís Inácio Adams, um especialista em questões financeiras. Antes de ser nomeado titular da AGU, em outubro, Adams foi chefe da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e atuou diretamente na defesa das principais causas tributárias do governo.

Formalmente, a AGU não participa da ação. Os bancos, com o apoio do BC e do Ministério da Fazenda, tentaram convencer o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a endossar a ação da Consif. Mas o presidente percebeu que a defesa dessa causa não é popular, pois contraria os interesses de milhares de correntistas.

Um abaixo-assinado do Idec, com 12 mil assinaturas chegou às mãos de Lula confirmando essa tese. Por esse motivo, a AGU não está atuando na causa. Por outro lado, Adams está acompanhando o andamento do processo e, quando perguntado, manifesta a preocupação do governo com ações que podem afetar a higidez do sistema financeiro.

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