A ameaça de desligamento de uma estagiária da Caixa Econômica Federal por sua orientação sexual virou caso de polícia no Rio Grande do Sul. Desde maio a estudante transexual Fernanda Rosenbaum denuncia discriminação na agência bancária do Centro de Porto Alegre, onde ainda está contratada.
De férias para não voltar mais ao banco até o dia 15 de setembro, quando vence o estágio, Fernanda protestou nesta quarta-feira (29) contra o preconceito sofrido no local de trabalho. O ato foi organizado com o apoio dos movimentos sociais LGBT, que apoiam a estudante desde que o primeiro processo judicial foi aberto contra a Caixa.
Preconceito
A primeira denúncia de preconceito, por parte do gerente da agência, foi registrada em maio deste ano junto à Delegacia Regional do Trabalho. Na época, o Sindicato dos Bancários do RS orientou a jovem a abrir processo administrativo também no Ministério Público Federal (MPF).
“Ela chegou no Sindicato bem assustada. Indicamos entidades para apoiá-la e mediamos a denúncia para que as providências fossem tomadas do ponto de vista da justiça no caso”, conta o diretor do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre, Sandro Ferreira Rodrigues.
De acordo com Rodrigues, a intenção do Sindicato ao acolher a denúncia foi mexer com a estrutura da instituição públicas que possuiu cartilha de práticas antidiscriminatórias. “Foi um caso isolado. Não temos conhecimento de outro. Mas sabemos que entre colegas também acontece discriminação por homofobia. Porém, normalmente não há denúncias, então, não podemos agir. Ela (Fernanda) fez bem em denunciar”, fala.
Transexualidade
Nascida mulher em um corpo masculino, Fernanda Rosenbaum, assume sua transexualidade desde os 22 anos. “Me contrataram assim. Na hora da entrevista viram como eu era e foi dito que não tinha problema”, diz. Ela conta que nos quase dois anos de estágio na agência, o gerente também realizou diversos atos discriminatórios diante dos demais funcionários. “Ele chegou a pedir para eu raspar o meu cabelo, porque era demais conviver comigo de cabelo comprido. Já bastava eu ser como eu era”, relata.
As atitudes do gerente para com a estagiária transexual iam desde os pedidos de corte no cabelo até pressões rotineiras por uma postura “mais masculina” na vestimenta. Ironias entre funcionários e um tratamento diferenciado com Fernanda, devido a sua sexualidade, também ocorriam. Exposições e xingamentos também já foram feitos na frente de clientes, denunciou a jovem na Delegacia da Mulher.
“Há duas semanas, registramos denúncia na Delegacia da Mulher e foi aceito o termo homofobia, por haver jurisprudência no Brasil, apesar de não ter lei para criminalização do preconceito por orientação sexual. Está tudo documentado e temos clientes se candidatando a testemunharem sobre as humilhações. Por isso virou um inquérito policial. Não foi pouco o que ela relatou”, argumenta o advogado que auxilia Fernanda há 15 dias, Leonardo Vaz.
“As atividades eram cobradas aos gritos. Eram feitas provocações na frente dos funcionários. Ele falou do meu cabelo, da minha maquiagem. Nunca ninguém se envolveu para não se prejudicar”, diz a estagiária. Fernanda alega também ter havido omissão por parte do Departamento de Relacionamento com Funcionários da agência bancária.
Após o fracasso de uma audiência de conciliação na Delegacia Regional do Trabalho, o gerente acabou sendo trocado de agência. Porém, a abertura dos processo gerou mais problemas na relação com outros superiores. “Ela chegou a ser ameaçada de demissão e outros tipos de coações para retirar os processo contra o gerente e contra a agência”, diz o advogado Leonardo Vaz.
Segundo ele, o caso gerará processos judiciais. “Já levamos o caso ao conhecimento ao observatório da Ajuris, da OAB e levaremos para as Comissões de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do RS e da Câmara Federal. Este caso merece servir de exemplo para acabar com o preconceito velado nas instituições”, diz o advogado.
Caixa: primeiro banco a reconhecer direitos homossexuais
A cartilha criada pela Caixa que aborda o preconceito no ambiente de trabalho está acessível no site da Federação Nacional das Associações de Pessoal da Caixa Econômica Federal. “O custo a ser pago por um trabalhador que assume sua orientação sexual é o preconceito, a discriminação e a perseguição. Esse tratamento diferenciado começa no momento da contratação e acompanha os homossexuais em suas carreiras profissionais, seja nas promoções, nas demissões e nas condições de trabalho”, alerta o texto do material produzido pela Caixa.
Em nota, a Caixa Econômica Federal se resumiu a falar institucionalmente, sem entrar no mérito do caso. “A Caixa Econômica Federal tem como valores corporativos o respeito à diversidade e valorização do ser humano. O Programa de Diversidade CAIXA tem como objetivo o desenvolvimento de políticas e ações relacionadas à valorização da diversidade no ambiente corporativo. A Caixa possui diversas ações com o intuito de garantir os direitos trabalhistas aos homossexuais empregados”, diz o documento.
O coordenador do Grupo pela Livre Orientação Sexual, Nuances, Célio Golin, entidade LGBT que acompanha o caso da estagiária da CEF, recorda que o histórico da instituição até então era oposto a homofobia. “É bem estranho ter um caso como este. Em 1996, o banco foi o primeiro a conceder pensão a um funcionário viúvo de companheiro do mesmo sexo, por decisão do juiz Roger Raupp Rios. A CEF tinha a fama de respeitar a orientação sexual”, lamenta.
Golin auxiliou o registro do caso na Ouvidoria Geral da CEF e conta que houve resistência por parte da instituição no acolhimento da denúncia. “A CEF está muito protetiva ao funcionário e como ente público, de funcionários públicos, não pode agir de forma passiva a casos que ferem os direitos humanos. Todos têm o direito de ter a sua orientação sexual sem que isso seja exposto no ambiente de trabalho”, defende.
Protesto
Para a coordenadora da campanha Pelo Fim da Homofobia, Jucele Azzolin, o protesto em frente a agência foi simbólico para marcar o repúdio dos movimentos sociais que lutam pelos direitos LGBT ao caso de Fernanda.
“E acontece bem no Dia da Visibilidade Lésbica. São atos que marcam casos sérios. As instâncias jurídicas e administrativas acionadas não estavam dando continuidade ao caso, tínhamos que fazer a cobrança pública”, fala.
Fernanda aguarda carteira social
Um dos fatores que influenciaram na conduta discriminatória pelo gerente da agência bancária foi a identidade de Fernanda não conter o nome social. No documento consta o nome masculino. Porém, na última semana, por ocasião do Dia Estadual Contra Homofobia, o governo gaúcho anunciou a possibilidade do registro com o nome social no estado. Fernanda já encaminhou sua nova identidade e porta o protocolo que também tem valia nos locais públicos.
Fernanda também está inscrita na fila de espera do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, onde aguarda para cirurgia de readequação de gênero. “Eu só espero ser respeitada. Sempre respeitei meu ambiente de trabalho. É o meu segundo emprego em banco e não tive problema por onde passei. Ninguém precisa aceitar como eu sou”, fala Fernanda.