Seminário internacional defende fortalecimento da democracia contra crise

Abertura do seminário promovido pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo

Em seminário internacional sob o nome de “O Papel dos Sindicatos na Construção da Democracia”, realizado na quarta e quinta-feira, dias 24 e 25, no Sindicato dos Bancários de São Paulo, representantes europeus e sul-americanos elogiaram modelo brasileiro de defesa do emprego e valorização da renda. O evento integrou a programação que comemora os 90 anos de história da entidade.

Até que medida os trabalhadores de determinado país têm seus direitos protegidos durante uma crise? De que forma os sindicatos devem atuar para minimizar o impacto de crises econômicas na vida do trabalhador? Essas e outras questões foram debatidas durante o seminário.

O fortalecimento da democracia, bandeira histórica de luta da entidade, permeou todo o debate. A dura realidade enfrentada por dirigentes sindicais em diversos países emocionou alguns dos participantes e também serviu como inspiração para a manutenção da luta por um mundo mais justo. A mesa principal foi intermediada pela diretora executiva do Sindicato, Rita Berlofa.

A secretária-geral da Central Sindical Internacional (CSI), Sharan Burrow, participou do evento por videoconferência e destacou que a situação na Europa se complica desde o início da recessão, há cinco anos, entrando em uma fase já denominada como a “era da grande estagnação”. “As medidas anti-crise, sobretudo dos países europeus, fracassaram. Os jovens estão desempregados e as aposentadorias sustentam até três gerações de famílias. São avós, pais e netos sem trabalho”, relatou, ao acrescentar que cerca de 80% deles não têm seguro-desemprego.

Para ela, a esperança era de que medidas econômicas, assim como as implantadas no Brasil pelo então presidente Lula, fossem colocadas em práticas pelos governos dos países europeus de forma a garantir a proteção social e emprego. Mas o que ocorreu foi justamente o oposto. “Estão pilotando um projeto de empobrecimento do povo. Essa crise foi gerada por um modelo econômico fracassado e o nosso desafio é propôr um novo modelo de sociedade. Queremos que o espírito dos bancários cutistas se espalhe pelo mundo para que tenhamos a solidariedade de todos na busca por um mundo mais justo.”

O Brasil e a crise

O coordenador nacional do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, destacou o grande trunfo da classe trabalhadora no Brasil. “Fizemos uma coisa inédita na história da humanidade ao eleger um operário para presidente. Lula, através do fomento do mercado interno, preparou o país para sairmos melhor dessa crise que assola o modelo capitalista dos países centrais. São (necessárias) décadas para tirar um país da recessão econômica. Conhecemos bem o que é o FMI. Conhecemos muito bem esse receituário. O que vivemos hoje é o período mais longo de democracia na história do Brasil.”

“O que Lula fez e Dilma está consolidando é a organização de um padrão de regulação diferente do passado, assentado no fortalecimento do Estado com nível de desigualdade menor. Sustentar isso é fundamental, pois o modelo brasileiro já deu mostra de que o Estado é estratégico e faz a diferença”, completou.

Quem paga a conta?

Para Clemente, na atual conjuntura, ou o movimento sindical luta por um mecanismo de proteção do emprego para enfrentar a crise ou a sociedade irá encarar o desemprego. “Ninguém acreditaria que a democracia seria arranhada na Europa como está sendo. Esse é o melhor momento para criarmos mecanismos de proteção ao emprego e aos direitos sociais. A tarefa estratégica é pensar uma taxa mundial de salário para que a remuneração dos trabalhadores não seja rebaixada”.

Estratégia internacional

A luta pela democracia promovida por sindicatos mundo afora é cheia de barreiras e caminhos árduos. Na linha de frente, militantes resistem às manobras neoliberais para garantir avanços e conquistas. “Ser sindicalista nunca é fácil em nenhum país. Às vezes, luta-se para avançar, às vezes, para resistir”, disse Manuel Rodrigues Aporta, secretário federal de cooperação internacional da Comfia-CCOO, da Espanha.

O dirigente lembrou que com o agravamento da crise é necessário ter em mente que “a batalha não é nacional, mas global”. A situação em seu país é dramática e Aporta relatou que o ataque do governo espanhol contra o direito do trabalhador é letal, ao comparar o cenário atual com a ditadura de Franco, época em que o sindicalismo era proibido e que um grupo de funcionários de uma fábrica se organizou para defender os direitos. “Assim criou-se as Comissões Obreiras (CCOO). Precisamos resgatar a origem para compreendermos o momento atual e, assim, percebermos que democracia não é votar a cada quatro anos, mas sim participar e opinar, inclusive no local de trabalho.”

América Latina

Na Colômbia, a realidade é ainda mais dura. Ramón Cuervo Ruiz, presidente da Unión Nacional de Empleados Bancarios (Uneb) do país, apresentou números alarmantes de sindicalistas assassinados: desde 1986, 2.937 dirigentes. “Organizações sindicais foram alvo de ataques. Em 2011, 50 sindicalistas foram mortos. Em 2012, foram 17. Sem falar dos desaparecimentos. É difícil exercer o sindicalismo em meu país.”

Ramón também apresentou informações sobre a precarização do trabalho bancário na Colômbia. “Trata-se de uma ofensiva da burguesia contra os sindicatos para flexibilizar direitos trabalhistas. É uma nova modalidade de privatização. No ramo financeiro, os caixas são terceirizados em muitos bancos.” O presidente da Uneb valorizou a trajetória do Sindicato: “Não é fácil chegar aos 90 (anos). Hoje, trabalhadores do mundo têm condições melhores. Mas a realidade ainda é bem precária mesmo com a luta dos sindicatos”.

Fortalecimento

A secretária-geral da CSI, Sharan Burrow, alertou sobre a importância da sindicalização. “Apenas 7% dos trabalhadores no âmbito global são sindicalizados. Precisamos usar o exemplo do Brasil, que tem negociação coletiva e salário decente”, ressaltou.

Victor Baez, presidente da Central Sindical das Américas (CSA), destacou que nos países latinos americanos em que a taxa de sindicalização é maior, a proteção aos trabalhadores também é mais valorizada. “Na Argentina, no Uruguai e Brasil, onde o número de associação de trabalhadores ao Sindicato é maior, são os países onde encontramos mais convenções coletivas na América Latina”, disse. “Precisamos de liberdade sindical e direito de negociação coletiva. Essas são ferramentas importantes para a distribuição da riqueza concentrada nas mãos de poucos. É dessa forma que o movimento sindical deve caminhar no mundo.”

Abertura

A mesa de abertura do seminário foi composta pela presidenta do Sindicato, Juvandia Moreira, pelo secretário de Relações Internacionais da CUT, João Felício, pelo secretário de Relações Internacionais da Contraf-CUT, Mário Raia, e pelo assessor da Secretaria-Geral da Presidência da República, José Lopez Feijóo.

Ao apresentá-los, Juvandia lembrou a experiência de sindicalista de todos e ressaltou que este ano a CUT também faz aniversário. “Há 30 anos, nós bancários ajudamos a construir o que é hoje a maior central do país e a quinta maior do mundo, cuja experiência exitosa mereceu destaque da ONU.”

João Felício parabenizou a iniciativa do Sindicato ao realizar o seminário. “Temos de estreitar cada vez mais essa relação com as entidades internacionais”, disse. Falou ainda da importância dos movimentos sociais, em especial dos trabalhadores, na luta contra regimes ditatoriais e mostrou preocupação com a queda de sindicalizações em países da Europa, o que, segundo ele, não vem acontecendo nos países da América Latina. “Na Espanha querem inclusive retirar o direito de negociação coletiva dos sindicatos. Esse tema, portanto, é extremamente atual.”

Mário Raia destacou que hoje a luta não é apenas pelos direitos dos bancários brasileiros diante de instituições financeiras estrangeiras. “Nossa luta é também para que bancos brasileiros como o BB e Itaú, que expandem sua atuação para outros países, respeitem os trabalhadores da Argentina, Paraguai, Chile”, disse.

Feijóo, ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e da CUT São Paulo, lembrou que nem mesmo nas democracias os direitos dos trabalhadores estão absolutamente estabelecidos e propôs uma reflexão sobre os últimos 30 anos no país. “Ousaria dizer que somos de uma geração vitoriosa, porque há poucos exemplos no planeta de um movimento sindical que criou uma central como essa (referindo-se à CUT), que ajudou a derrubar a ditadura e que construiu a partir da classe trabalhadora um partido politico que elegeu um presidente operário.” Ressaltou ainda que a elite torcia para que Lula fizesse um péssimo governo. “Mas esse presidente se reelegeu, provando que a classe trabalhadora governa melhor que eles, e ainda elegeu a primeira mulher para presidir a República.”

Mas Feijóo não se privou de refletir sobre o que falta conquistar. “Avançamos muito, mas não conseguimos implantar algumas de nossas bandeiras democráticas, como por exemplo, o direito de organização sindical no local de trabalho, que deveria ser um espaço democrático, onde o trabalhador constantemente pudesse intervir”, criticou, acrescentando que exatamente por essas barreiras, debater democracia é extremamente importante.

Após a abertura, foi lançado o curta-metragem Convenção Coletiva Nacional de Trabalho, o quarto da série dos 90 anos.

Impacto

A noite de abertura contou ainda com palestra do professor doutor do Instituto de Economia da Unicamp, Dari Krein, sobre o Caráter da Crise Internacional e os Impactos para os Trabalhadores.

O professor fez considerações sobre o período que iniciou na década de 1980 e se estendeu até os dias de hoje com a crise internacional, e os desafios do movimento sindical no mundo dominado pela ideologia individualista do neoliberalismo.

“Vivemos num período bastante longo da ditadura do mercado, do pensamento único. Qualquer alternativa a essa visão é ridicularizada, principalmente na mídia. E a partir da crise de 2008 vivemos uma situação paradoxal porque todos sabem que a crise foi gestada a partir de como se organizou o capitalismo em 1980, da ideia de que o mercado é o promotor do desenvolvimento e que tem de se enfraquecer os mecanismos de controle do mercado”, apontou.

Com isso, o sistema financeiro ficou solto e a crise é sua própria desregulamentação. “O paradoxal é que ao mesmo tempo em que você salva o causador da crise, você fragiliza o trabalhador e a sociedade”, disse, referindo-se às políticas de austeridade adotadas pelos países europeus em crise, que reduzem politicas públicas e direitos dos trabalhadores e provocam desemprego”, frisou.

Nesse contexto ele destacou o Brasil que vive um período diferenciado e criou condições de enfrentar a crise de 2008. Destacou o papel do mercado interno brasileiro – com altos índices de emprego e a política de valorização do salário mínimo – e dos bancos públicos, que escaparam do processo de privatização promovido por FHC. “Os bancos públicos foram fundamentais para o governo poder alavancar o crédito e não permitir que a economia entrasse numa recessão mais profunda”, concluiu.

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