Contraf cobra BC para participar do debate sobre pagamentos via celular

A Contraf-CUT enviou nesta terça-feira (29) ofício ao Banco Central apresentando uma série de questionamentos e preocupações com os impactos das novas medidas que estão sendo tomadas pela instituição sobre a implementação do sistema de pagamentos via celular.

A reivindicação é que seja imediatamente aberto um canal de diálogo com a sociedade, particularmente com os representantes das categorias profissionais que serão fortemente atingidas em seus processos de trabalho, sendo que os próprios empregos estão ameaçados pelo uso das novas tecnologias.

“Já apresentamos as nossas preocupações ao BC em reunião realizada em 25 de setembro, em Brasília. Agora enviamos novo ofício com novas questões e vamos participar do seminário que será promovido pelo BC, em Fortaleza, sobre esse tema, a fim de tornar público que nada está sendo feito e pensado para proteger os milhões de empregos que estão ameaçados, sejam nos bancos, seja no comércio, seja na vigilância que atua na segurança bancária, seja no pessoal de TI e de Call Centers, que certamente de alguma maneira também serão impactados por essas novas medidas de ‘inclusão’ do BC, assim como ocorreu com os correspondentes bancários”, afirma Miguel Pereira, secretário de Organização do Ramo Financeiro da Contraf-CUT.

Clique aqui para ler a íntegra do ofício ao BC.

Implementação acontece sem debate com a sociedade

Após a edição da MP 615 em maio deste ano e a sanção da Lei nº 12.865, de 09/10/2013, pela presidenta Dilma Rousseff, que dispõe sobre os arranjos de pagamento e as instituições de pagamento integrantes do Sistema Brasileiro de Pagamentos (SBP), o BC terá até o dia 17 de novembro para regulamentar a nova legislação. Na prática, os aparelhos celulares serão transformados numa verdadeira “carteira virtual” no chamado “mobile payment”, aptos a realizarem qualquer tipo de pagamento.

Inicialmente, estava previsto pelo BC a realização de uma audiência pública para tratar da questão, mas o mesmo preferiu ouvir somente os grandes bancos, novamente, e depois da edição de portarias e circulares, abrir prazo para sugestões e possíveis adequações, segundo o jornal Valor Econômico.

“Nos últimos dias, toda a imprensa tem dado destaque para a nova regulamentação e as cifras bilionárias que envolvem os pesados investimentos feitos pelos bancos e empresas de telecomunicações para atuarem nesse novo nicho de mercado. Apesar das notícias citarem que todos os elos da cadeia desse novo modelo de negócio que se tornarão os bancos no Brasil, em nenhum momento foram ouvidos os trabalhadores e as entidades de proteção aos direitos dos consumidores. E o BC diz que as medidas têm o caráter inclusivo”, ironiza Miguel.

Bancos investem mesmo sem regulamentação

Segundo a Febraban, no ano passado foram registradas 6 milhões de contas correntes com “mobile banking” no país, expansão de 269% em relação a 2011. O número de transações por disponíveis móveis saltou 333% e já é 2,3% do total. Os gastos dos bancos com tecnologia entre 2008 e 2012 cresceram 12,4% e atingiram R$ 20,1 bilhões no último ano. Boa parte desses recursos foi para o “mobile”, informa a federação dos bancos.

Especialistas de telecomunicações dizem que se trata de uma revolução tecnológica mais impactante que a ocasionada pela adoção dos cartões eletrônicos.

O cenário de finanças móveis inclui usar o celular para tudo o que se faz em uma agência e tem os pagamentos como uma cereja do bolo, explica André Leme , diretor da Bain & Company, em entrevista nesta terça-feira (29) ao Valor Econômico. “Sonho dos bancos”, diz Leme, “é atingir tal nível de interação que o mesmo saldo possa ser utilizado seja em meio eletrônico, como plástico ou cartão, seja em carteiras digitais”, afirma.

Impacto sobre o emprego

“A ideia é transformar as atuais agências bancárias apenas em espaços de negócios e relacionamentos com os clientes, redefinindo por completo a atividade bancária, número de funcionários por dependência, tudo vai mudar. Atendimento será feito via mobile, correspondentes, etc. Essa é a estratégia dos grandes bancos”, alerta Miguel.

Paralelo à implantação dessas medidas, outras inovações também chegam ao mercado, como a utilização da biometria para utilização de ATMs inteligentes, que farão a reciclagem das notas, evitando reabastecimentos e o depósito inteligente, onde o próprio terminal checará a quantidade de notas e cheques depositados e já disponibilizará imediatamente no saldo na conta corrente, além de até falar com os clientes, entre outras possibilidades. Haverá disponibilização de acesso aos serviços bancários via Facebook. “O Bradesco está desenvolvendo a opção de colher um depósito em cheque pelo celular, a partir da captura da imagem”, comenta Miguel.

E tudo isso não se restringe às operações bancárias. Essa nova tecnologia de pagamentos via celulares será amplamente difundida para todo tipo de pagamentos , incluindo os pagamentos do comércio. Seja através da utilização de códigos, seja através de sistema de leitura.

Outro objetivo do BC com a medida é a diminuição de papel moeda circulando pela economia.

Desrespeito aos direitos dos consumidores

Se, por um lado, o fato de o Brasil ter mais de 250 milhões de celulares ativos, sendo na grande maioria pré-pagos, o que em tese é um facilitador para a adoção da medida, por outro existem os dois serviços – bancários e telefonia móvel, como os que geram mais reclamações junto aos órgãos de defesa do consumidor, na Justiça e junto ao próprio BC. Sem falar que os custos de telefonia móvel no Brasil são os mais caros do mundo, segundo estudos de especialistas. Enquanto na Índia e China por um minuto é cobrado R$ 0,01 ou R$ 0,02, no Brasil a tarifa equivalente chega a R$ 0,74.

No caso dos bancos, a cobrança indevida de serviços, o não fornecimento dos contratos e uma gama de reclamações, em razão do mau atendimento, estão como as maiores reclamações do consumidor brasileiro. Quando tudo isso for virtual e esses processos ocorrerem “nas nuvens” não está definido quem se responsabilizará por isso, quem receberá e encaminhará essas reclamações.

Um dos questionamentos apresentados pela Contraf-CUT ao BC diz respeito aos custos com esse tipo de operação. Conforme foi divulgado pelos próprios bancos, os investimentos em canais virtuais permitiram a redução no custo unitário de transação de 17,4% nos últimos cinco anos.

O custo da transação pela internet fica entre 6% e 5% daquele da agência. E por celular em torno de 4%, segundo informação do Bradesco ao Valor Econômico. Acontece que no mesmo Bradesco é cobrada uma tarifa de R$ 5 por um simples saque nessa modalidade.

Questionado pelo alto custo, ainda mais por se tratar de um produto cujo foco é a população de baixa renda, o diretor da Bradesco Cartões, Marcos Bader, informou que o dinheiro volta ao usuário como crédito do celular Claro, parceira do Bradesco no “mobile payment”. O diretor da Contraf-CUT questiona: “mas isso não se equipara a venda casada, proibida por lei?”

V Fórum Banco Central sobre Inclusão Financeira

A Contraf-CUT, representada por Miguel e pela secretária de Políticas Sociais, Andrea Vasconcelos, assessorados pela economista do Dieese, Vivian Rodrigues, participará de 4 a 6 de novembro, em Fortaleza, do evento promovido pelo BC.

Segundo a imprensa, será o “avant premier” das novas normas que serão divulgadas para regulamentar a Lei 12.865 e o modelo de transações via celular no Brasil.

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