Capital prega “falsa harmonia social”, diz professora Nise Jinkings

Autora de livros sobre saúde bancária, a professora Nise Jinkings abriu o seminário Práticas organizacionais, saúde e condições de trabalho bancário no capitalismo em crise com uma palestra sobre a organização do capitalismo e sua consequência na qualidade de vida do trabalhador.

O evento, no Sindicato, marca nesta terça-feira 28 o Dia Internacional de Combate às LER/Dort e o lançamento da segunda edição da campanha Menos Metas, Mais Saúde, implementado pela representação da categoria por todo o semestre.

A professora, que foi bancária e atuou na base do Sindicato na década de 1980, iniciou sua fala com um resgate histórico do capitalismo e suas sucessivas formas de organização. Desde a revolução industrial e o trabalho automatizado e alienado nas fábricas, passando pelo taylorismo e chegando aos dias de hoje.

“Marx chama a atenção para o fato de que no século XVIII, os operários se tornam complemento vivo de um mecanismo morto que existe independente deles, o que retira do trabalhador o controle do seu trabalho, objetivando perpetuar a alienação. Ele também ressalta o desgaste físico e mental que isso provoca. Esse processo se radicaliza com os métodos produtivos tayloristas. Que continuam presentes em muitos locais de trabalho nos dias de hoje.”

Após as considerações sobre as fases do capital, a pesquisadora se concentrou no ambiente de trabalho bancário atual. “Parto do pressuposto de que é importante entender as mudanças no capitalismo em geral, e em especial no setor financeiro, como mudanças que se voltam para o lucro, mas que também têm suas dimensões ideológicas, enquanto mecanismos que pretendem fragilizar a organização dos trabalhadores”, disse. São medidas, acrescentou, concebidas para aumentar a força produtiva, aumentar as condições de controle e enfrentar a luta dos trabalhadores.

Nise cita o processo de automação nos bancos. “As agências vão se tornando cada vez mais como pequenas lojas de produtos financeiros e as estratégias mercadológicas dos bancos se intensificam para a venda dos produtos e para o que eles chamam de excelência do atendimento, um atendimento que se volta diferenciadamente para a população usuária.”

Nesse contexto, continua, os bancários se transformam em vendedores. Ela citou o artigo da médica sanitarista Maria Maeno, publicado em coletânea lançada pelo Sindicato, que fala sobre o conflito ético dos bancários, muitas vezes compelidos a vender produtos desnecessários para os clientes. “Esse conflito se intensificou nessas últimas décadas em função das estratégias mercadológicas do setor financeiro.”

Nise Jinkings destacou que esse processo de automação nos bancos, iniciado na década de 1980, também foi uma forma de enfraquecer as greves da categoria e o movimento sindical. “O aumento dos terminais do autoatendimento, a desativação das grandes agências e grandes centrais bancárias, que eram espaço de concentração dos trabalhadores, também foram mecanismos para enfraquecer os sindicatos.”

Luta ideológica

A pesquisadora ressaltou outra estratégia atual do capitalismo: a tentativa de conquista ideológica dos trabalhadores pelos empregadores. “Os discursos procuram construir uma aparente identidade entre trabalhadores e patrões. Palavras como ‘parceria’ e ‘colaboração’ passam a ser muito usadas para tratar dessas relações supostamente harmônicas entre empregados e empregadores que teriam como objetivo um ‘bem comum’: o sucesso da empresa.”

E essa nova moral onde “reinaria a harmonia social”, diz ela, resulta na justificativa da super exploração do trabalho, do aumento das jornadas, uma sobrecarga que vai implicar em sérios problemas de saúde.

“O sofrimento psíquico tem crescido muito nos ambientes bancários, pesquisas recentes têm apontado para um aumento crescente do desgaste mental entre bancários. E isso em função da insegurança, medo e ansiedade que dominam esses ambientes. Os problemas de saúde estão diretamente relacionados às pressões sofridas em função de metas e produtividade, em função das jornadas extenuantes de trabalho, do ritmo intenso, da sobrecarga de tarefas e de ambientes laborais marcados pelo medo, onde se multiplica a violência organizacional e a solidariedade entre os trabalhadores é abalada.”

Diante desse quadro, Nise propõe uma estratégia aos movimentos sindicais. “É importante desvelar as contradições entre o discurso patronal de ‘participação’ e ‘excelência’, com as reais condições de trabalho. Essa contradição pode ser trazida à tona de forma mais intensa pelo movimento sindical. Os espaços de trabalho devem ser retomados pelos sindicatos como locais de disputa contra-hegemônica ao discurso empresarial”, concluiu.

Debate

O secretário de Saúde do Trabalhador da Contraf-CUT, Plínio Pavão, e os diretores do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Walcir Previtale e Ana Tércia, foram os debatedores do seminário.

Na questão de fundo em torno do debate sobre a saúde do trabalhador está a lógica da produção da riqueza atual baseada na exploração da força de trabalho pelo capital, avalia Plínio. “As empresas estão preocupadas com a alta produção e esta lógica tem um alto custo: a saúde do trabalhador. O desafio do movimento sindical, em um primeiro momento, é dar repostas para as questões imediatas, lutando e conquistando melhores condições de trabalho. São necessários parâmetros para reduzir a carga de trabalho e respeitar os limites dos trabalhadores. As metas não podem ser individualizadas, a produção tem que ser vista por equipe”, salienta Plinio.

“E mais, os trabalhadores não podem perder de vista o fato de que este processo de adoecimento crônico faz parte de uma engrenagem maior da lógica de produção capitalista e deve ser combatida”, adverte o dirigente da Contraf-CUT.

Plínio chama a atenção do movimento sindical: “O dirigente precisa aprofundar o debate sobre as questões de fundo que causam o adoecimento e os trabalhadores precisam tomar consciência sobre estas questões, de modo a criar mecanismos de defesa e de luta para reverter esta situação”, afirma o dirigente.

Mercedes Benz

Os trabalhadores da Mercedes Benz de São Bernardo do Campo, no ABC, contaram um pouco da sua experiência de organização na segunda mesa do seminário Práticas organizacionais, saúde e condições de trabalho bancário no capitalismo em crise. Compuseram a mesa os integrantes do Comitê Sindical de Empresa (CSE) Wagner Luiz de Freitas, Aroaldo Oliveira da Silva e João dos Santos Sousa.

O CSE, contou Wagner, foi uma conquista de 1984 e tomou posse em 1985. “Na época não sabíamos muito o que fazer, fomos aprendendo na prática. E nesses anos tivemos muitas conquistas.” Uma delas foi a reorganização da produção na fábrica que evitou demissões em massa anunciadas pela empresa. “Éramos 18 mil e a Mercedes queria um quadro de 5 mil funcionários. Através da reorganização produtiva que negociamos com a direção, conseguimos manter empregos e hoje somos 13 mil trabalhadores.”

Outra conquista foi o estabelecimento de reuniões semanais com a direção da fábrica, onde se discute, segundo Wagner, “desde o cafezinho até os grandes investimentos”. “Organizado pelo chão de fábrica, temos o contato do dia a dia com o trabalhador e mapeamos esse cotidiano, por intermédio também da conversa direta com esses trabalhadores”, explicou.

“O que queremos é interferir na organização do trabalho, já que a lógica colocada desencadeia os adoecimentos dos trabalhadores. Os funcionários da Mercedes trouxeram a experiência de terem conseguido interferir neste processo, como nos critérios de produtividade e, durante a reestruturação produtiva de 1994, conseguiram colocar regras em muitas das mudanças impostas pela empresa”, avalia Plínio.

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