Crédito consignado vira produto dos grandes bancos privados

O crédito consignado já não é mais o mesmo, pelo menos para os grandes bancos privados. Se até pouco tempo atrás Itaú Unibanco, Bradesco e Santander torciam o nariz para essa modalidade de empréstimo com desconto direto no salário, agora já enxergam nele um bom negócio.

Há quatro anos, o trio dos maiores bancos privados do país tinha uma fatia de 17,86% do estoque de crédito consignado do país, sendo que a maior parte disso vinha da compra de carteiras produzidas por instituições de médio porte. No fim do ano passado, os três já eram responsáveis por 25,64% do total, um avanço que daqui para a frente só deve crescer. E rapidamente.

O movimento já ficou bastante evidente na sociedade que o Itaú fez com o BMG, banco mineiro especializado em crédito consignado, em julho do ano passado. “Daqui para a frente, os principais pilares de crescimento do Itaú são o crédito consignado, o imobiliário, cartão de crédito e infraestrutura”, diz Rogério Calderón, diretor de controladoria do Itaú Unibanco.

Não há duvida de que a segurança do recebimento do empréstimo é bastante bem-vinda para os bancos, principalmente em meio a um surto de inadimplência. Mas vai além disso. Os grandes bancos viram que não poderiam ficar de fora de um tipo de crédito para pessoas físicas que já soma R$ 192,4 bilhões. Já é um estoque igual ao de financiamento de veículos.

Por que deixar essa mina nas mãos de dezenas de pequenos bancos? Ou dos bancos públicos? O Banco do Brasil, por já ter entrado no consignado com força pelo menos desde 2006, tem em balanço R$ 58,6 bilhões de consignado. A Caixa Econômica Federal ainda é dona de outros R$ 33,4 bilhões, sendo que só em 2012 avançou 37,5% no produto.

Juntos, os cinco maiores bancos do país já têm 74,3% do mercado de crédito consignado, o que faz dessa modalidade de empréstimo um negócio definitivamente de bancos de grande porte. Se poucos anos atrás eram mais de 60 bancos disputando o consignado, hoje restaram pouco mais de 15, segundo estimativas de mercado. Cruzeiro do Sul, Matone e Morada são só alguns dos nomes que desapareceram.

Podem ser poucos os que ficaram, mas nem por isso a concorrência arrefeceu. Apenas ganhou novos contornos. Com grande poder de fogo, as instituições de grande porte puxam para cima as comissões pagas aos chamados “pastinhas”, os promotores de venda de crédito, importantes figuras na oferta do consignado. Na medida em que a competição entre as instituições financeiras aumenta, as gratificações pagas aos intermediários tendem a subir, segundo banqueiros de instituições de grande porte ouvidos pela reportagem.

Não é nada, porém, como já se viu no passado, quando as comissões chegaram a abocanhar a rentabilidade do negócio, fator que contribuiu para a saída de vários bancos desse nicho. “Existe uma concorrência grande. Mas a diferença é que agora os competidores estão fazendo conta”, diz João Roberto Gonçalves Teixeira, presidente do banco Votorantim.

Apesar de ter cancelado uma série de convênios de consignado com entidades públicas por causa das elevadas comissões, o Bonsucesso também avalia que a competição se dá hoje de forma menos predatória. “Pagamos gratificações entre 10% e 12%, sendo que elas já foram de até 20%”, afirma Juliana Pentagna, diretora do banco mineiro. Alguns bancos relatam comissões em torno de 15%, mas também afirmam que estão em níveis mais baixos do que em 2011.

Mesmo assim, nesse cenário, os bancos consideram baixa a chance de vingar a proposta do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) de limitar a comissão dos “pastinhas” a 10%, afirmam os executivos, que preferiram não ser identificados. Os aposentados e pensionistas do INSS respondem por 30% dos empréstimos consignados, segundo dados do Banco Central.

“É na comissão que vai acontecer a disputa entre os bancos, mais até do que nas taxas de juros de empréstimos. Não tenho dúvida que os bancos vão seguir operando acima do teto”, afirma um executivo de uma das cinco maiores instituições do país. Segundo ele, é no consignado do INSS em que as comissões são mais altas, em comparação, por exemplo, aos convênios de Estados e municípios.

“O mercado encontra outras formas de remunerar o promotor de crédito. A comissão da originação do empréstimo pode ser 10%, mas uma série de outros bônus aumenta esse valor”, diz Edison Costa, presidente da Aneps, associação que reúne promotores de venda e correspondentes bancários. Entre as bonificações, estaria a remuneração atrelada ao volume de operações que determinado “pastinha” faz, por exemplo.

Costa também afirma que 10% de comissão é um valor insuficiente para que um correspondente possa atuar. Segundo cálculos da associação, os promotores de crédito originam cerca de R$ 50 mil a R$ 75 mil de empréstimos novos por mês. Para cobrir os custos operacionais da atividade, ele calcula que a comissão precisaria girar entre 15% e 17%.

“O INSS já tentou limitar a comissão no passado e não conseguiu. Como desta vez o esforço é conjunto com o Banco Central, pode ser que seja diferente. Mas não vejo isso mudar enquanto a concorrência estiver no nível que está”, afirma executivo de banco que atua no consignado.

Paralelamente à pressão nas comissões, os bancos também terão que lidar com a modalidade perdendo velocidade de crescimento. Em 2012, o estoque de operações da modalidade cresceu 15,9% no acumulado 12 meses, superando o desempenho de 2011, quando cresceu 14,7%. Só que em 2010, o avanço anual da modalidade foi de 27,4%.

Um estudo da consultoria GoOn, especializada em crédito, calcula que entre 2004 e 2010 o consignado cresceu 43% anualmente, em média. Já em 2011 e 2012, esse percentual caiu para 17%. “O fôlego de crescimento do consignado vem acabando. Isso explica a razão de os bancos terem investido no consignado para a iniciativa privada, em que há mais espaço para avançar”, diz Breno Costa, economista-chefe da consultoria.

A avaliação de executivos que operam com essa linha é que o crescimento do consignado se estabilizará em patamar semelhante ao dos último dois anos, variando em função dos reajustes do INSS e dos salários e da entrada de novos aposentados e funcionários públicos. Nos anos em que avançou com mais vigor, parte do crescimento foi motivado por fatores não recorrentes, como a entrada de novos convênios estaduais ou de órgãos públicos. “Vai ser um mercado de rouba-monte, só que agora entre bancos grandes. Por isso que a comissão é tão importante”, diz um executivo de uma grande instituição.

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