Uma das figuras envolvidas no esquema de superfaturamento de peças publicitárias do Banrisul é um velho conhecido não só da política gaúcha, mas também dos próprios investigadores do Ministério Público. Rubens Bordini, então vice-presidente da instituição financeira, ocupava o cargo por indicação direta da então governadora Yeda Crusius, de quem foi tesoureiro de campanha.
Já envolvido em investigações anteriores, ligadas às operações Rodin e Solidária, Bordini agora é acusado de envolvimento com a quadrilha que lesou os cofres públicos entre 2009 e 2010.
Na época, Rubens Bordini acumulava a vice-presidência com o cargo de diretor do departamento de marketing do Banrisul. Era o segundo nome na hierarquia do banco, ficando abaixo apenas do presidente Fernando Lemos. De acordo com a investigação do MP, Bordini tinha pleno conhecimento das ações ilegais de Walney Fehlberg, superintendente de marketing e seu subordinado direto.
Mesmo assim, manteve Fehlberg no cargo e não realizou os procedimentos adequados diante das irregularidades. Mais do que conivência, a atitude do vice-presidente era recompensada com parte dos valores obtidos pelo desvio.
Durante os interrogatórios do MP, Rubens Bordini alegou que deixava a análise dos orçamentos a cargo de Walney Fehlberg, já que o próprio Bordini não tinha suficiente experiência em marketing para fazer uma avaliação adequada dos valores. Admitiu que teria percebido algumas incompatibilidades nos preços orçados, ocasiões em que garante ter levado o problema a Walney. Não soube dizer, no entanto, que encaminhamento o superintendente teria dado à questão.
Quanto à repetição de empresas nas licitações, Bordini teria dado explicação semelhante, alegando que fez a indagação a Walney Fehlberg e recebido a resposta de que se tratavam de empresas com destaque no mercado.
As explicações de Rubens Bordini não convenceram os investigadores. De acordo com eles, não é concebível que o vice-presidente e diretor de marketing do Banrisul, com conhecimento político e econômico, se comportasse da maneira citada diante de irregularidades flagradas por ele mesmo. Na interpretação exposta na denúncia, a postura de Bordini denota conivência e cumplicidade com as ações criminosas de Walney Fehlberg.
A participação direta de Rubens Bordini no esquema de fraude nas campanhas de marketing do Banrisul é evidenciada em escuta telefônica feita pelo MP no dia 8 de junho de 2010. Nela, Walney Fehlberg e Gilson Storck, representante da agência SLM, negociam a liberação de R$ 10 mil para a revista Shopping Life. O beneficiado pelo dinheiro seria Ivan do Valle Haubert, tratado pelos interlocutores como amigo de Bordini e ligado à empresa MKTPROM 1 Marketing Comercial Ltda, que ofereceu vários orçamentos para encobrir o superfaturamento das ações do Banrisul:
GILSON: Tá, e tu falou com o (.) de manhã dai?
WALNEY: Não, não. Daí eu disse “pois é, o senhor queria falar comigo e tal”, daí ele disse “não, é o seguinte, amanhã saio de tarde, vamos fazer uma reunião com o Gilson, que eu quero ver como é que estão as coisas, qual é o impacto e tal”. Eu disse “não, legal, ótimo”. Mas eu não falei que nós tínhamos combinado nada para não parecer que estamos na frente dele, né?
GILSON: É, é isso, exatamente.
WALNEY: É, para não parecer e tal. E outra coisa.
GILSON: Ahn?
WALNEY: Tu tinha que dar, o Bordini pediu, eu tinha que dar uma ajudadinha naquele amigo dele que tem aquela revista. Dez pila, naquela revista.
GILSON: Pô!
WALNEY: Vamos botar como já se tivesse feito.
GILSON: Fica dentro da conta de junho ainda.
WALNEY: É. Tá, vamos fazer isso. Pode dar mais tarde, ele é amigo do Bordini desde a infância lá.
GILSON: Eu ponho e fica naquele caso dos já. Dos já autorizados, entendeu?
WALNEY: Já autorizados, tá. Daí amanhã tu já me manda, senão as minhas lá enlouquecem e não fazem porra nenhuma.
GILSON: Tá, pode deixar então.
WALNEY: Tu avisa elas lá, porque elas vão receber lá e não vão entender nada!
Dentro da quadrilha, Bordini tinha apelido de “Bobo”
De acordo com as investigações, Rubens Bordini era tratado nas conversas da quadrilha com outra denominação, não muito lisonjeira: Bobo. Uma das evidências da MP para sustentar essa conclusão está em ligação entre Walney Fehlberg e Armando D’Elia Neto, sócio da DCS, no dia 20 de maio de 2010.
Na conversa, é dita a frase “Bobo está em Las Vegas”. Na época em que a ligação foi feita, Rubens Bordini estava de fato no exterior, regressando apenas no dia 24 daquele mês, conforme constatado em verificação no Sistema de Tráfego Internacional (STI).
Em outro diálogo, gravado no dia 26 de maio de 2010, Walney Fehlberg e sua esposa Denise referem-se mais de uma vez a “Bobo”, enquanto troca de mensagens de celular entre o empresário Davi Antunes de Oliveira e Armando D’Elia Neto cita o apelido em um contexto ainda mais ilustrativo.
Na troca de mensagens, os dois discutem os cortes nas verbas de publicidade do Banrisul, e atribuem parte da dificuldade ao desinteresse de Bordini, que não faria uso pessoal da sua parte dos lucros e, portanto, não se mexia o suficiente para evitar a diminuição das ações publicitárias do banco:
DAVI: Contrato de manutenção caiu tambm ja apartir de agosto, ta ficando estranho
DAVI: Nosso amigo não segura mais nada?
ARMANDO: Tá ficando ruim mesmo. Por um lado quando recomecar em janeiro teremos de reformalos ou o banco tera de retiralos.Tentou falar com ele pelo rd? Armando
DAVI: Falei, disse q nada pode fazer, q tem perseguiao por ser do pmdb, disse q foi ideia do bobo, o q fica obvio q o bobo nao pegou nada
ARMANDO: Sim. Muito claro que aquela grana nao foi para ninguem.. Ja duvido que essa de agora esteja indo. Que merda.
Recortes de documentos apreendidos na empresa Conexão Sul citam igualmente o nome Bobo. Em um caderno identificado com a inscrição DCS, constam anotações atribuindo valores a “Bobo” e “Mr.”, codinome atribuído pelo MP a Walney Fehlberg. Acima de uma das citações a Bordini, consta a descrição “Festa da Uva”, que foi identificada pelos investigadores com um desvio de recursos empregados na confecção de material publicitário para a Festa da Uva 2010. Arquivos eletrônicos encontrados na Conexão Sul também citam Bobo, com números que parecem remeter a valores de até R$ 20 mil.
O segundo documento serve não apenas como forma de reforçar a ligação do codinome “Bobo” à pessoa de Rubens Bordini, como também evidencia que a sigla BV, traduzida pelo Ministério Público como “bônus por volume”, referia-se também a valores devidos como propina aos participantes do esquema.
A conclusão se baseia no fato de que a soma das quantias devidas a “Mr” (R$ 35.400,00) e “Bobo” (R$ 20 mil) resulta em R$ 55.400,00 – exatamente o valor que consta no documento ao lado da sigla BV.
Rubens Bordini foi tesoureiro da campanha de Yeda em 2006
As ligações de Rubens Bordini e Yeda Crusius vêm desde os tempos da Faculdade de Economia da UFRGS, quando o segundo foi aluno da primeira. Funcionário de carreira do Banrisul desde 1964, Bordini ocupou cargos dentro dos governos de Antônio Britto, na corretora de imóveis da instituição, e Germano Rigoto, na Banrisul Administradora de Consórcios. Bordini também atuou como tesoureiro de campanha de Yeda Crusius em 2006.
A campanha eleitoral de Yeda foi das mais tumultadas, com mais da metade dos profissionais contratados para produção de material abandonando o trabalho por falta de pagamento. O próprio marqueteiro da campanha, Chico Santa Rita, foi um dos que deixou o trabalho e decidiu cobrar os atrasos na Justiça.
Na ocasião, o próprio vice na chapa de Yeda Crusius ao Piratini, Paulo Feijó, denunciou que Bordini teria recebido, em setembro de 2006, dinheiro em uma mochila, supostamente para caixa 2 de campanha. O então tesoureiro de campanha sempre negou ter recebido qualquer valor não contabilizado.
Rubens Bordini esteve às voltas também com a Operação Rodin, que motivou uma ação contra Yeda Crusius por improbidade administrativa. Bordini consta como um dos réus da ação do MPF, ao lado de políticos como José Otávio Germano, Luiz Fernando Záchia e Frederico Antunes.
O nome de Bordini também surge em uma conversa entre o lobista Lair Ferst e o ex-embaixador do governo Yeda em Brasília, Marcelo Cavalcante, encontrado morto no Lago Paranoá, em Brasília, no começo de 2009.