Valor Econômico
João Villaverde, de São Paulo
A luta contra o aquecimento global e por maior preservação ambiental já não é mais tabu entre as centrais sindicais. Aos poucos, a percepção de que o país terá de diminuir a emissão de gases poluentes a partir da próxima década atinge os líderes sindicais, que passaram a promover seminários e encontros sobre o tema. O problema, no entanto, está em transmitir aos trabalhadores a nova prioridade.
A categoria de vanguarda no mundo do trabalho, os metalúrgicos, ainda acha, em sua maior parte, que o que vale é a quantidade de carros produzidos para assim ampliar o reajuste salarial concedido pelas montadoras. Ao mesmo tempo, líderes da categoria querem que se mude a lógica atual e se passe a produzir mais veículos de transporte coletivo. O consenso entre os dirigentes sindicais, ambientalistas e cientistas ouvidos pelo Valor é que o caminho para a conscientização passa por incutir no operariado a importância do tema. O processo, porém, não é rápido.
“Ambiente significa vida e, apenas por isso, já entendemos a importância de lutarmos pela preservação ambiental. Mas nós trabalhadores temos um interesse nisso: como ficará o emprego num mundo que reduz emissões de carbono?” A pergunta é de Ricardo Patah, presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), e foi feita durante seminário, promovido pela UGT em São Paulo, para debater a “nova economia” que surgirá num mundo que passa a orientar o desenvolvimento para a redução nas emissões de CO2. “O tema de preservação ambiental ainda não motiva sindicatos e trabalhadores”, afirmou.
Segundo o físico Luiz Gilvan Meira, pesquisador pela USP e ex-secretário do Ministério de Ciência e Tecnologia, os sindicatos devem se antecipar a uma demanda cada vez mais próxima no horizonte. “Se os trabalhadores não estiverem preparados desde já, no momento das mudanças, as empresas podem optar por alojar novos projetos em diferentes territórios ou mesmo países. Aí sim a questão do emprego será dramática”, afirma.
Para o ambientalista Fábio Feldmann, que foi secretário do Meio Ambiente no governo de Mário Covas (PSDB) em São Paulo, os sindicalistas começam a dar atenção ao tema de preservação ambiental “justamente no momento em que o país apresenta e se compromete a perseguir metas de redução de gases que causam o aquecimento global na economia”. Segundo ele, nos últimos anos o debate estava travado na questão da “responsabilidade histórica”, quer dizer, na pressão para que os países ricos, maiores emissores, cumprissem acordos internacionais de diminuição de CO2.
Agora, na reunião que acontecerá em Copenhague (Dinamarca) no mês que vem, o acordo internacional tem como base estrutural o comprometimento de países emergentes, como Brasil, Índia e China. “Em Kyoto, estávamos assistindo e pressionando os Estados Unidos a assinarem. Hoje, quem está pressionado para apresentar algo somos nós. Além de mostrarmos planos e projetos, temos de começar a cumprir”, afirma.
É a necessidade, segundo Feldmann, que impõe o debate no mundo do trabalho, da mesma forma como ocorreu no mundo corporativo a partir da década de 90, quando as empresas passaram a adotar práticas mais responsáveis com o ambiente, seguindo uma demanda dos consumidores. Para o ambientalista, torna-se urgente, no âmbito sindical, discutir os rumos do modelo que prevê produção e consumo em larga escala de automóveis. “No bojo das mudanças pelas quais teremos de passar nos próximos anos, priorizar o transporte público é inevitável. É preciso parar, desde já, de incentivar o transporte individual”, avalia.
Para combater a crise mundial o governo brasileiro reduziu a zero o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para montadoras, alavancando vendas recordes e possibilitando reajustes elevados aos sindicatos de metalúrgicos. O ano de 2009 deve fechar com mais automóveis vendidos que o ano passado, estabelecendo mais um recorde no setor. Apenas em outubro, o primeiro mês depois da restituição parcial do IPI, foram comercializados 294 mil veículos – considerando automóveis, ônibus e caminhões -, número 23,3% maior que no mesmo mês do ano passado e, ainda assim, 2,6% menor que em setembro, quando a indústria bateu recorde de vendas.
Diante do aquecimento global, intensificado pelo alto teor de carbono que é emitido pelos carros, o desenvolvimento tecnológico e as novas práticas indicam para combustíveis mais eficazes e carros mais compactos. Na sexta-feira, o governo brasileiro anunciou compromisso de reduzir entre 36,1% e 38,9% suas emissões de gases que causam aquecimento global até 2020. Isso equivale a um desvio de até 1,052 bilhão de toneladas de CO2 em dez anos. Não se sabe quanto exatamente os veículos emitem, mas, a julgar pelas necessidades ecológicas para um desenvolvimento sustentável – e para cumprir as mestas propostas pelo governo até 2020 – , não é coerente manter a política de recordes anuais de produção e consumo. “Não adianta simplesmente pensar uma política industrial desvinculada de uma rediscussão de nossa matriz de transporte. Se continuarmos nesse ritmo de produção e consumo, em 2013 alcançaríamos um nível de congestionamento tal que seria impossível se mover nos centros urbanos, além de todo o dano ambiental decorrente”, afirma Valter Sanches, secretário-geral da Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNM-CUT).
Para Sanches, a discussão que se coloca aos líderes sindicais é a mesma que se coloca para o conjunto da sociedade. “É preciso modelar um novo padrão de desenvolvimento.” Para ele, o movimento de compreensão das novas práticas de produção e consumo ocorre em “ondas”, quer dizer, passa primeiro pela conscientização dos líderes sindicais para, em seguida, alcançar os trabalhadores. A conscientização das lideranças está em curso.
“Cabe a nós, dirigentes sindicais, procurar levar a questão ambiental no mesmo nível da questão salarial. Mas numa plenária, numa assembleia de trabalhadores isso fica retido em segundo plano. Você pode até começar a falar algo, mas logo levanta uma voz demandando aumento de salário e tudo muda. O trabalhador não quer saber, tudo o que ele quer é mais dinheiro para aumentar o consumo. E é compreensível isso”, afirma Francisco Salles, vice-presidente da Federação dos Metalúrgicos do Estado de São Paulo, ligada à Força Sindical.
A preocupação com a degradação ambiental, diz Salles, é recente. “Os metalúrgicos, a categoria de vanguarda no mundo do trabalho, está muito atrasada. Esbarramos na questão cultural, quer dizer, a luta se restringe à questão salarial apenas. Não é fácil ou rápido mudar uma atitude que está tão enraizada”, avalia. Para ele, uma análise dos jornais e boletins produzidos pelos sindicatos serve de exemplo. Segundo o sindicalista, enquanto aumento de salários e bonificações consomem páginas inteiras, um debate sobre ambiente ocupa uma pequena nota. “O metalúrgico, compreensivelmente, quer salário maior, quer comprar carro, geladeira”, diz Salles, “portanto, nossa missão é aumentar o salário e, aos poucos, ir incutindo uma nova visão sobre o mundo”.
Para Artur Henrique, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), é preciso romper a lógica que move a categoria, isto é, de que quanto maior a comercialização de veículos, maior é a produção e, por consequência, maior será a demanda por metalúrgicos, movendo toda a cadeia produtiva. “Do ponto de vista da questão ambiental é necessário investir pesadamente na melhoria do transporte público, como metrô e ônibus. E nosso papel é conscientizar os trabalhadores da importância dessa mudança e, ao mesmo tempo, mostrar que não há uma alteração grave nisso. Afinal, os metalúrgicos que produzem carros também podem produzir ônibus e trens. Há melhora ambiental e mais empregos”, afirma Henrique, para quem esta conscientização ainda não alcançou a categoria.
Segundo o presidente da CUT, o debate, em 2009, está centrado nas condições macro – como o cumprimento da meta geral brasileira, que será defendida nas reuniões de Copenhague -, o que, afirma, “já é muitas vezes melhor do que até pouco tempo atrás, quando nem isso era discutido”. A CUT, ao lado da Força Sindical e da UGT, levará uma comissão à Dinamarca para acompanhar os debates.
Juntas, as centrais elaboraram documento no mês passado – que também é assinado por CTB, NCST e CGTB – apresentando as ideias que serão defendidas pelos trabalhadores. No texto, as centrais afirmam que o “movimento sindical tem que atuar de forma propositiva com ações e políticas para comprometerem governos e organizações internacionais” a implementarem programas de redução de gases de efeito estufa. Em seguida, os movimentos se comprometem em participar do “monitoramento e verificação” do que for acordado na Dinamarca.
“As centrais sindicais estão demonstrando preocupação e interesse em debater o tema. Outra história, no entanto, é saber se isso alcança o trabalhador”, afirma Luiz Pinguelli Rosa, secretário-executivo do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima, comissão que protocolou a meta de 38,9% que o governo brasileiro levará a Copenhague. “Os sindicatos têm uma participação importantíssima nesse processo de mudança”, afirma Jirky Raina, presidente da Federação Internacional dos Metalúrgicos (Fitim, ou IMF, na sigla em inglês). Para Raina, os sindicatos devem compreender que o modo de produção mudará, porém a demanda por trabalho permanecerá. “Se não reagirmos pelas mudanças e demanda por menor poluição aí sim perderemos empregos. Temos de ser proativos. Isso requer ação, não apenas palavras. A demanda vem das gerações futuras.”