Valor Econômico
Alex Ribeiro e Assis Moreira, de Washington e Genebra
Uma auditoria independente divulgada ontem mostra que, nos anos que antecederam a atual crise econômica mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) tratou de forma desigual as economias avançadas e emergentes, elogiando o afrouxamento na regulação financeira nos Estados Unidos e apontanto fragilidades apenas em países como Hungria e Ucrânia. O Fundo também pressionou os emergentes a abrir mão de controles de capitais e do acúmulo de grandes reservas internacionais, dois instrumentos que ajudaram essas economias a atravessarem a crise financeira. A auditoria não cita o Brasil, mas funcionários brasileiros que lidam diretamente com o FMI tiveram a impressão de que o organismo tentou empurrar o país a comprar menos dólares.
O relatório final, com 59 páginas, foi preparado pelo Escritório de Avaliação Independente (IEO, na sigla em inglês) do próprio FMI para apontar como e por que esse organismo multilateral falhou em alertar com antecedência para desequilíbrio que levaram à atual crise mundial.
“Os técnicos do FMI se sentiam mais confortáveis para desafiar as visões de autoridades em países emergentes do que de economias avançadas”, disse ontem o diretor do IEO, Moises Schwartz. O relatório diz que é preciso criar novos incentivos para o FMI “falar a verdade para os poderosos”.
Na prática, o FMI não tem muitos poderes para exigir mudanças nas políticas dos seus membros, a não ser quando os países tomam financiamentos no organismo. Mas pode tentar persuadi-los a mudar de rumo por meio de palavras, usando os seus relatórios de monitoramento.
A auditoria independente mostra, porém, que nos anos que antecederam a crise o FMI pintou um cenário excessivamente otimista no seu Panorama Econômico Mundial, um importante documento divulgado nos encontros semestrais do organismo.
Em 2004, o Fundo afirmou que as perspectivas para a economia mundial estavam “entre as mais róseas”. Em 2007, meses antes do estouro da crise, disse que a situação era “muito favorável”. No ano seguinte, com a crise já avançada, concluiu que “os EUA evitaram um pouso forçado” de sua economia e que “o pior havia passado”.
Nos relatórios do artigo IV dos Estados Unidos e Reino Unido, em que é feita a avaliação individual de cada economia, o FMI elogiou a desregulamentação financeira e a mão suave dos supervisores. “Bancos comerciais e de investimento estão em sólida posição financeira”, diz um relatório.
O Fundo se saiu um pouco melhor com os países emergentes, afirma a auditoria independente, apontando corretamente vulnerabilidades em países como Hungria, Ucrânia e Lituânia. Mas deixou passar fragilidades no México e deu conselhos controversos a algumas economias.
A Índia chegou a ser criticada pelo FMI porque impõe controles de capitais. Outros países emergentes, diz a auditoria, tiveram a impressão de que o Fundo os empurrava a reduzir o ritmo de acumulação de reservas “excessivas”. Para alguns deles, o Fundo cedia às pressões políticas de países ricos para corrigir os desequilíbrios mundiais de uma maneira mais adequada a seus interesses nacionais.
Os técnicos do FMI contestaram a observação sobre a Índia. Mas o diretor executivo do Brasil e mais oito países no FMI, Paulo Nogueira Batista Junior, confirma que, como testemunha das discussões de missões do FMI no Brasil, em 2007 e 2008, “é correto o que o relatório diz sobre essa percepção” entre funcionários do país.
Para Nogueira Batista, o relatório mostra que ainda há um longo caminho antes de se falar em “novo FMI”, apesar de ter havido progressos em governança, instrumentos de empréstimos e condicional idades da entidade.
Frisando falar em nome pessoal, Nogueira Batista afirma que a análise cega do Fundo pode ter sido reforçada pela falta de diversidade na orientação econômica de seu corpo técnico. O argumento é de que uniformidade nas instituições é necessária para assegurar um mínimo de coerência. “No entanto, temos uma receita para desastre quando certos vieses cognitivos se tornam quase unanimemente um artigo de fé”, diz.
Outro ponto que o representante do Brasil quer esclarecer é sobre pressões no FMI. O relatório diz que no caso dos EUA a direção e os serviços do FMI indicaram não receber pressões diretas para modificar mensagens resultantes de suas missões. Mas que, em outros países desenvolvidos, aconteceu de autoridades adotarem “métodos insistentes, para atenuar críticas”. Nogueira Batista cobra, em nome da transparência, os nomes desses países, sem porém aguardar muito.