André Guilherme Vieira
Valor Econômico | De Curitiba
O Ministério Público Federal (MPF) quer acionar judicialmente instituições bancárias por suposta corresponsabilidade em atos ilícitos de gerentes de bancos que teriam sido cooptados pelo esquema de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e corrupção coordenado pelo doleiro Alberto Youssef.
Segundo a investigação da operação “Lava-Jato”, gerentes de agências do Itaú, Bradesco, HSBC, Santander e Banco do Brasil teriam sido cooptados. Representantes de todas essas instituições serão chamados a depor, mas ainda não está claro quais delas serão acionadas judicialmente.
A força-tarefa da operação Lava-Jato está analisando transações bancárias suspeitas de irregularidades e que, segundo a apuração, teriam contribuído de modo significativo para o sucesso do esquema de envio ilegal de dinheiro ao exterior, principalmente por meio de importações falsas, “subterfúgio largamente empregado para a movimentação de recursos sem origem, oriundos de crimes”.
“Como é que não existe fechamento entre o contrato de câmbio de importação e a entrada da mercadoria no país?”, questiona um dos investigadores em referência à modalidade simulada de importações conhecida como “back to back”. Ele ressalta que caberia aos bancos e ao Banco Central (BC) parcela de responsabilidade por eventual omissão fiscalizatória.
Em abril, a Polícia Federal (PF) prendeu o gerente de agência do BB em São Paulo, Rinaldo Gonçalves de Carvalho, que está sendo acusado de integrar o esquema ilegal de operações financeiras capitaneado por Nelma Kodama, doleira que sustentava o sistema paralelo de Youssef, juntamente com Raul Srour e Carlos Habib Chater.
“O patrão deve responder pelos atos do preposto [gerente]. Está na lei”, diz um dos integrantes da equipe de investigação em referência à intenção de acionar judicialmente os bancos.
Youssef, que acertou acordo de delação premiada com MPF e PF, deverá dar detalhes das práticas empregadas para burlar as normas vigentes e facilitar o fluxo financeiro da rede de doleiros. “A colaboração do meu cliente será total. É um dos requisitos para validar a delação”, garante o advogado Antonio Figueiredo Basto. Ele busca redução da pena prevista a Youssef, que pode ultrapassar cem anos.
Em depoimento prestado à Justiça Federal, o operador de câmbio Luccas Pace, réu no processo da Lava-Jato, disse ter havido conivência de alguns funcionários de bancos com o mecanismo de lavagem montado pelo grupo de Nelma. Disse que a organização criminosa movimentava cerca de US$ 300 mil por dia.
Ele relatou ao juiz Sergio Moro uma operação fraudulenta supostamente realizada, que permitia simular transferências para pessoas que não tinham conta no banco: “Em alguns bancos, principalmente no Bradesco, criou-se um mecanismo pelo qual se fazia uma TED de um cliente que nem conta tinha no banco”, disse. No entanto, Pace afirma desconhecer os procedimentos para a operação.
No interrogatório, Pace mencionou ainda o que considerou a falta de fiscalização do próprio BC, que, segundo ele, permitia brechas para a prática de crimes. “Tanto no cadastro do banco quanto da corretora, a norma exige que você conheça a empresa, vá fisicamente, conheça o sócio, pegue os documentos originais na mão e solicite os credenciamentos, inclusive de radar ou no caso de remessa de frete de agente de cargas. Se não solicitou, o caminho está aberto. O BC e a Receita, nos últimos anos, nunca mais se entenderam junto com os bancos com relação a quem tem que controlar”, disse.
O operador de Nelma afirmou também que o esquema só teve êxito porque “o banco é conivente na movimentação financeira, porque se a mesma empresa, que não tem sede, que não tem radar, que não tem funcionários (…) movimenta no dia um valor que na verdade ela não teria condições de movimentar no mês, o banco também sabe o que está acontecendo”, disse. Questionado pelo MPF, revelou que a quadrilha movimentaria dinheiro nos bancos Bradesco, BB, Itaú e Santander.
“[O banco] vê isso todos os dias, porque para eu fechar o câmbio na corretora, o câmbio tem que ser pago pelo próprio importador, então eu tenho que encher essas contas todos os dias e fazer o pagamento todos os dias. Então, tem a conivência das corretoras nos fechamentos e dos bancos na movimentação financeira. De não conhecer sócio, sede (…)”, disse Pace, que, acusado por lavagem de dinheiro, foi o primeiro réu da Lava-Jato a assinar acordo de delação premiada.
“Vamos aguardar as perícias, que ainda levarão tempo para serem finalizadas. Precisamos avaliar a questão das TEDs, que me parece grave. E pretendemos convidar os bancos a firmar Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Eles têm obrigação de prevenir, evitar e comunicar a ocorrência da lavagem de dinheiro”, avalia um dos investigadores.
Gerentes de bancos já foram processados por contribuição à lavagem de capitais, durante as ações penais do Banestado, no final da década de 1990. Entretanto, é a primeira vez que autoridades vislumbram a coautoria de instituições financeiras e de câmbio.
Procurado, o BC informou por meio de sua assessoria: “O Banco Central rejeita a afirmação de que lhe cabe parcela de responsabilidade por eventual omissão fiscalizatória, pois trata-se de imputação de todo improcedente e descabida, revelando desconhecimento do papel legal do supervisor do Sistema Financeiro Nacional no âmbito de suas atribuições afetas a políticas de prevenção à lavagem de dinheiro”.
O Banco do Brasil afirma que cumpre integralmente a legislação em vigor e adota controles rigorosos de prevenção e combate à lavagem de dinheiro. “Repudiamos qualquer insinuação de conivência com os delitos investigados e informamos que o funcionário citado foi demitido do Banco do Brasil, por justa causa. Apurações internas sobre sua conduta foram repassadas às autoridades responsáveis pela investigação.”
O Bradesco informou, por meio da assessoria de imprensa, que não comenta o assunto. O Itaú também preferiu não se manifestar. O Santander informa que não se manifesta em casos que estão sob o exame da Justiça. O banco esclarece que cumpre rigorosamente as normas locais e internacionais de compliance estabelecidas pelos reguladores.
O HSBC informou que todos os seus colaboradores são capacitados segundo os mais altos padrões de compliance em todos os países nos quais atua e que colabora com as autoridades sempre que requisitado.
Segundo uma fonte de um dos bancos, se por um lado pode ter havido facilitação dos gerentes, por outro, as investigações se originaram de alerta dos bancos ao Coaf sobre movimentações suspeitas. Para essa fonte, o sistema bancário mais atrapalhou os fraudadores do que ajudou com a suposta omissão.
(Colaborou Fabiana Lopes, de São Paulo)