Fernando Travaglini, de São Paulo
Passado um ano do pior momento da crise, os balanços divulgados até agora pelos bancos mostram números mais favoráveis, com margens ainda elevadas, inadimplência em queda e menos despesas com provisões. Nesse cenário, as instituições privadas estão se posicionando para recuperar o terreno perdido no mercado de crédito para os bancos públicos. A competição pode beneficiar os tomadores.
Se cumprirem as metas de crescimento da carteira, os três grandes, Itaú Unibanco, Bradesco e Santander devem despejar no mercado entre R$ 40 bilhões e R$ 60 bilhões em empréstimos nos últimos três meses do ano. Somados às instituições públicas, que não pretendem tirar o pé do acelerador, os recursos para alimentar o giro das empresas e para fomentar as compras de fim de ano podem superar R$ 100 bilhões até dezembro, considerando o melhor cenário previsto.
Essa ofensiva dos bancos privados deve ser uma resposta ao forte resultado apresentado ontem pelo Banco do Brasil, que divulgou lucro líquido de R$ 1,979 bilhão, em alta de 6% em 12 meses. O desempenho positivo é fruto direto das concessões de crédito turbinadas sob orientação do governo. A carteira do BB avançou mais de 40% desde o estopim da crise, em setembro, chegando a R$ 301,4 bilhões. O estoque já representa um quinto de todo o sistema financeiro (já incluindo 50% dos ativos do Banco Votorantim e a incorporação de Besc, BEP e Nossa Caixa).
Os números do BB chamaram atenção, também, pelo comportamento da inadimplência. Ao contrário do que se podia supor no início do ano, os atrasos se mantiveram abaixo da média de mercado e já começaram a recuar, mesmo com o aumento das liberações em meio à crise.
A estratégia agressiva dos públicos, em um período de retração dos privados, mudou a divisão do sistema. Segundo dados do Banco Central de setembro, os dois setores já dividem o mercado em igual proporção (40,6% contra 40,7%, respectivamente).
Insatisfeitos, os privados já iniciaram a contra-ofensiva para retomar espaço e a competição deve elevar a oferta de crédito. A maior concorrência já foi sentida pelo BB em diversos nichos, como pequenas e médias empresas, o financiamento de veículos e o crédito consignado.
O Banco Real, por exemplo, passou a abordar os clientes do teleatendimento com ofertas para pessoas que nunca tomaram linhas no banco. Os limites chegam a cinco vezes o rendimento mensal do cliente. A instituição não divulgou projeções de expansão da carteira por conta do processo de lançamento de ações em bolsa, mas analistas acreditam que avanço possa ficar entre 5% e 10% em 2009.
Já o Bradesco ampliou em quase 50% os prazos das linhas para pequenas e médias e para as pessoas físicas e, segundo pessoas de mercado, tem hoje a tesouraria mais agressiva no mercado de grandes empresas, com taxas de juros bastante competitivas. Se cumprir a meta de expansão da carteira, entre 8% e 12% no ano, o Bradesco pode aumentar seu estoque de empréstimos entre R$ 15 bilhões e R$ 23 bilhões no quarto trimestre.
“Mais do que ganhar mercado, queremos aproveitar o melhor momento agora para já visualizar os ganhos nos próximos 14 meses. Quando fechar 2010, queremos apresentar a prestação de conta do crescimento do crédito”, disse o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, durante a divulgação de resultados do banco.
Com a meta mais ambiciosa entre os privados, entre 10% e 15%, o Itaú Unibanco acredita que possa alcançar aceleração de 12% na carteira de varejo, que inclui consumo e pequenas e médias empresas, de acordo com o diretor-executivo de controladoria do banco, Silvio de Carvalho.
Os públicos também não pretendem ficar para trás. “Queremos continuar ganhando mercado”, disse ontem o presidente do Banco do Brasil, Aldemir Bendine, em coletiva. A Nossa Caixa, recém-incorporada pelo BB, já atingiu a meta de expansão de 50% para o ano, mas também não pretende recuar. “Vamos continuar ampliando o crédito”, disse Demian Fiocca, presidente do banco paulista.
Mas o que permite essa nova configuração para o mercado de crédito, com a volta do apetite dos bancos? A grande diferença está nos níveis de inadimplência, dizem as instituições. Praticamente todos já registram estabilidade ou recuo nos índices de calotes. E a tendência é de queda tanto entre as empresas como nas linhas para pessoas físicas.
Além da melhora da carteira, as novas concessões, feitas durante a crise, foram fechadas em um cenário de maior restrição, o que tem garantido uma qualidade superior para a nova safra. Há ainda um fator estatístico. À medida que as instituições voltam ao mercado, novas operações entram na carteira e a parcela em atraso tende a ficar proporcionalmente menor.
Com atrasos em queda, os bancos se sentem mais confortáveis também para reduzir a parcela dos spreads que depende da inadimplência. Durante a crise, os privados elevaram os spreads por conta do maior risco. Isso permitiu manter as margens financeiras em alta, mesmo no cenário adverso de queda das concessões. Agora, há espaço para que reduzam um pouco os spreads para poder enfrentar a concorrência dos públicos, que cortaram as taxas nos últimos trimestres.