Bolívia, Evo e a Constituição contra o obscurantismo fascista

Na nova Carta Magna da Bolívia, as razões da histeria da oligarquia e dos EUA contra o avanço da democracia e da justiça social. O presente artigo integra a segunda edição, que será publicada em aproximadamente 15 dias do livro Bolívia nas ruas e urnas contra o imperialismo (Editora Limiar), de Leonardo Wexell Severo*.

“Tupac Katari, a rebelião. Evo Morales, a revolução”, estampava o cartaz grudado numa das tantas paredes cheias de vida e paixão do Palácio Quemado, em La Paz. Enquanto esperava na fila das sempre elásticas agendas governamentais, comecei a ler a nova Constituição Política do Estado, aprovada sob sangrentos protestos da direita.

Passado pouco um mês daquela visita, a oligarquia faz o sangue jorrar forte e caudaloso. O rancor e a histeria golpista se agudizam, ganhando contornos nítidos e taxativos. Criminosas explosões de gasodutos, queima de emissoras de rádios e tevês populares, destruição de prédios públicos e o mais repugnante: a inominável covardia contra os mais pobres, contra os camponeses e indígenas, a quem a oligarquia quer culpar pelo seu próprio fracasso. A palavra de ordem “Derrubar o índio” fala por si de um racismo ancestral trazido pelos colonizadores espanhóis e sustentado política, econômica e ideologicamente pela embaixada norte-americana.

Na capa azul do material de popularização do texto da nova Constituição, aprovada em dezembro de 2007, se vê no alto a bandeira vermelha, amarela e verde, com o Sim, “para construir uma Bolívia digna, soberana, democrática e produtiva”. Com destaque, abaixo do brasão nacional utilizado como marca d’água, um singelo: “Para viver bem”. Logo em seguida, na apresentação datada de fevereiro de 2008, o presidente Evo Morales Ayma lembra que o texto “contou com o respaldo de mais de dois terços dos constituintes de dez frentes políticas dos nove departamentos do país”. “Nesta etapa de socialização e comunicação de todos os capítulos e artigos da nova Constituição Política do Estado, que devem estar respaldados em um referendo, é preciso assinalar que entre todos os bolivianos e bolivianas, do campo e da cidade, devemos buscar a unidade do país”, afirmou.

Passados nove meses de aprovada a nova Constituição e uma eleição consagradora, onde obteve o apoio de mais de dois terços dos eleitores (67,4%), no dia 10 de agosto, Evo Morales enfrenta a radicalização dos setores fascistas, capitaneados por latifundiários e marionetes das transnacionais, que tentam fragmentar a nação. Os mesmos que dilaceraram o corpo de Tupac Katari, em 1781, amarrando suas pernas e braços a quatro cavalos. Mal sabiam eles que ao destroçarem os membros do líder aymará, ao lhe partirem em pedaços, estavam somando consciência e multiplicando convicções. Neste exato momento, a mesma pusilanimidade se repete como ação vil dos que historicamente se apropriaram do poder e das riquezas do país, que roubavam e prostituíam para os estrangeiros.

A atuação do governo boliviano nestes pouco mais de dois anos, assim como a nova Constituição, aponta para ações coletivas rumo à ruptura de um Estado colonial, pois, agora, o povo é cada vez mais sujeito e senhor de seu destino.

Para contribuir com o debate e o bom combate, publicamos abaixo uma síntese do que consideramos como os artigos mais expressivos da nova Constituição, que precisa ainda ser ratificada pelo voto popular. Ao lê-la, o leitor conhecerá as razões dos oligarcas fascistas e racistas que, com o coro da mídia vende-pátria e o patrocínio ianque, se opõem ao clamor popular, com conspirações, boicotes e sabotagens.

A nova Carta Magna boliviana determina ao Estado “a direção integral do desenvolvimento econômico e seus processos de planificação”; aprofunda e massifica a reforma agrária; fomenta a industrialização; impede a privatização e a concessão dos serviços públicos essenciais; estabelece normas de proteção aos trabalhadores (reconhecidos como a principal força produtiva da sociedade); subordina a propriedade privada à função social e ao interesse coletivo; garante a educação pública, universal, descolonizadora e de qualidade; fortalece a democracia e a soberania popular com o voto e o serviço militar obrigatórios; impede os monopólios e o oligopólio nas comunicações, fomenta a criação e manutenção de meios comunitários “em igualdade de condições e oportunidades”, garantindo o direito à retificação e à réplica, assegurando a liberdade de expressão, opinião e informação.

Conhecer a nova Constituição boliviana é ver com clareza o horizonte que se descortina, vivo e rico para o povo, como as cores do arco-íris da bandeira andina, mas também trágico e lúgubre para a guarda pretoriana da ignorância e da subserviência ao amo estrangeiro.

Abaixo, seguindo o texto constitucional, publicado entre aspas, encontra-se uma análise do seu significado feita pelo governo Evo, das implicações para a melhoria da qualidade de vida, para o presente e o futuro da nação boliviana onde reverbera o último grito de Tupac Katari: “Voltarei e serei milhões!”

Modelo de desenvolvimento econômico e social

“I. O modelo econômico boliviano é plural e está orientado a melhorar a qualidade de vida e ao viver bem de todas as bolivianas e os bolivianos.

II. A economia plural está constituída pelas formas de organização econômica comunitária, estatal, privada e social cooperativa.

III. A economia plural articula as diferentes formas de organização econômica sobre os princípios de complementaridade, reciprocidade, solidariedade, redistribuição, igualdade, sustentabilidade, equilíbrio, justiça e transparência. A economia social e comunitária complementará o interesse individual com o viver bem coletivo.

IV. As formas de organização econômica reconhecidas nesta Constituição poderão constituir empresas mistas.

V. O Estado tem como máximo valor o ser humano e assegurará o desenvolvimento mediante a redistribuição eqüitativa dos excedentes econômicos em políticas sociais, de saúde, educação, cultura e no reinvestimento no desenvolvimento econômico produtivo” (Artigo 307)

A Bolívia se caracteriza por ter uma estrutura econômica desigual, devido à extração de matérias-primas, a estrangeirização de seus lucros e a carência de reinvestimentos na geração dos ramos econômicos e na industrialização do país. Ao reconhecer o ser humano como sujeito do desenvolvimento, se pretende desmercantilizar as relações sociais, a partir da vigência plena dos direitos humanos individuais e coletivos.

Política econômica

“A economia plural compreende a responsabilidade estatal de dirigir integralmente o desenvolvimento e a planificação com participação cidadã, a industrialização dos recursos naturais e a intervenção estatal em toda a cadeia produtiva dos recursos estratégicos. As atividades econômicas devem servir para fortalecer a soberania econômica do país, gerar trabalho digno, contribuir na redução das desigualdades, na erradicação da pobreza e na proteção do meio ambiente”. (Artigos 312 a 314)

O modelo econômico implica uma importante participação estatal na regulação das atividades econômicas, diferentemente do sistema liberal que deixa toda esta dinâmica às “leis do mercado”. A regulação opera através da planificação que deve responder a amplos consensos sociais resultantes de consultas prévias à cidadania, mediante suas organizações representativas. Por outro lado, o Estado deve intervir em toda a cadeia produtiva da exploração (produção, transformação, comercialização e outros) dos setores estratégicos da economia. Também se estabelece que se devem industrializar os recursos sociais para se contrapor à prática histórica de extração e exportação de matérias-primas sem valor agregado.

A principal finalidade das atividades econômicas deve ser fortalecer a soberania econômica do país, para exercer a soberania política e a capacidade dos bolivianos tomarem suas próprias decisões. Assim mesmo deve gerar emprego, já que somente 18% da população economicamente ativa tem trabalho estável; contribuir para a redução das desigualdades e erradicar a pobreza, pois a diferença entre ricos e pobres é muito marcada. Seis de cada 10 bolivianos são pobres e, na área rural, nove de cada dez pessoas se encontram em situação de pobreza. Finalmente, as atividades econômicas não devem divorciar-se do manejo sustentável dos recursos naturais e do manejo equilibrado do meio ambiente.

“O investimento boliviano será priorizado frente ao investimento externo. Todo investimento externo se submeterá à jurisdição, leis e autoridades bolivianas” (Artigo 320)

Os investidores nacionais têm preferência sobre os estrangeiros, no entanto ambos se submeterão às autoridades e leis bolivianas, diferentemente do passado recente em que se assinaram contratos com empresas petrolíferas (Enron e outras), submetendo o Estado boliviano a leis estrangeiras e tribunais de arbitragem internacional.

“O orçamento geral incluirá a todas as entidades do setor público, atendendo especialmente à educação, saúde, alimentação, moradia e desenvolvimento produtivo” (Artigo 321)

Significa que todas as instituições públicas do país (Prefeituras, Governos estaduais, Universidades, Governo central e entidades autárquicas, como a Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos – YPFB) estarão dentro do orçamento geral do Estado, o que incluirá também todos os investimentos e fontes de financiamento deste orçamento.

“A Assembléia Legislativa autorizará a contratação de dívida pública quando se demonstre a capacidade de pagamento do Estado para cobrir o capital, os juros e se justifiquem tecnicamente as condições vantajosas em taxas, prazos e montantes” (Artigo 322)

Os governos militares e os neoliberais assumiram dívidas superiores à capacidade de pagamento do Estado boliviano; entre 2000 e 2004 a dívida pública foi ampliada em 26%; 34% dos ingressos fiscais eram empréstimos de organismos multilaterais como o Banco Mundial, o FMI e o BID, os mesmos que impunham ao país suas políticas, debilitando sua soberania e aprofundando os níveis de dependência econômica e subordinação política.

Delitos econômicos

“Não prescreverão as dívidas e os danos econômicos ao Estado” (artigo 324)

É uma medida contra a corrupção, para perseguir e sancionar a quem tiver provocado danos econômicos ao Estado (sobrepreços, evasões de divisas, etc).

Recursos naturais

Disposições gerais

“Os recursos naturais são propriedade do povo boliviano, respeitando direitos de propriedade sobre a terra e de aproveitamento sobre os recursos naturais” (Artigo 349)

“Os recursos naturais são de caráter estratégico e de interesse público para o desenvolvimento do país” (Artigo 348)

“O aproveitamento dos recursos naturais deve garantir a sustentabilidade e o equilíbrio ecológico” (Artigo 342)

“Para conservar ecossistemas em determinados lugares, a exploração dos recursos naturais estará sujeita a uma consulta à população afetada” (Artigo 352)

“O Estado, através de entidades públicas, sociais ou comunitárias, assumirá o controle e direção sobre toda a cadeia produtiva referente aos recursos naturais. Para sua gestão e administração se deve garantir o controle e a participação social” (Artigo 351)

A regulação relativa aos recursos naturais destaca três elementos: a propriedade social, a gestão sustentável e a administração pública. As constituições anteriores declararam o domínio e propriedade estatal sobre os recursos naturais, o que deu lugar a sua privatização pelas administrações de plantão, tal como ocorreu com as reservas de gás. A nova Constituição estabelece a propriedade social do povo boliviano, pelo que já não se poderão ceder direitos de propriedade, senão, somente, de uso e aproveitamento. Com esta medida se trata constitucionalmente aos recursos naturais como de caráter estratégico e de interesse coletivo, antes que de grupos ou pessoas.

A nova Constituição também restitui o papel estatal na economia em geral e na gestão dos recursos naturais em particular, dada a necessidade de apropriar-se das utilidades que gera sua exploração como base da promoção do desenvolvimento integral e de concretizar a soberania política a partir da soberania econômica.

Hidrocarbonetos

“Os hidrocarbonetos serão administrados em toda a cadeia produtiva sob a gestão da YPFB, que poderá subscrever contratos de serviços com empresas públicas, mistas ou privadas, mediante prévia autorização legislativa. A industrialização dos hidrocarbonetos estará a cargo de uma empresa estatal. Se constitucionaliza que serão destinados 11% de impostos aos departamentos (Estados) produtores” (Artigos 361 a 363 e 368)

Depois da nacionalização do gás, se refunda a YPFB como entidade pública autárquica o com autonomia de gestão para que, em representação do povo boliviano, possa desenvolver todas as fases da produção de hidrocarbonetos, priorizando o objetivo da sua industrialização para avançar o conjunto da industrialização do país.

A atividade não exclui a iniciativa privada, já que a YPFB poderá contratar empresas privadas para que prestem serviços (construção de dutos, transporte e outros). No entanto, não serão mais contratos lesivos aos interesses do país, porque não transferirão propriedade, nem subordinarão as decisões públicas a interesses empresariais privados, sendo somente contratos de operação.

Destaca também a obrigatoriedade de tramitar autorização legislativa a respeito de contratos que possam celebrar a YPFB para garantir fiscalização, transparência e soberania. Finalmente, se elevam à determinação constitucional os impostos de 11% de participação direta das regiões produtoras que lutaram por esta conquista.

Mineração

“O Estado é responsável pelas riquezas mineralógicas, exercerá controle e fiscalização em toda a cadeia produtiva, outorgará direitos mineiros sujeitos ao cumprimento de uma função econômico-social. Se reconhece como atores produtivos a indústria mineira estatal, privada e sociedades cooperativas. Os grupos mineiros nacionalizados, suas unidades industriais e funções não poderão ser transferidas a empresas privadas” (Artigos 369 a 372)

Da mesma forma que os hidrocarbonetos, os minerais representam recursos de alto valor estratégico, pelo que se determina a intervenção estatal em toda a cadeia produtiva, sem desconhecer as empresas mineiras privadas e os cooperativistas mineiros, que contarão com proteção estatal sempre que suas atividades se dêem no cumprimento de uma função econômico-social. Os grupos mineiros nacionalizados são aqueles que emergem da nacionalização das minas de 1952, incluindo suas unidades industriais ou de transformação, conversão ou refinação de minerais e metais.

Recursos hídricos

“A água é um direito fundamentalíssimo para a vida, o Estado promoverá seu uso e acesso, pelo que não poderão ser privatizados nem concessionados seus serviços. Para o manejo e gestão sustentável da água, se reconhecem os usos e costumes das comunidades. O Estado regulará o manejo e gestão sustentável dos recursos hídricos e das bacias hisdrográficas, segurança alimentária e serviços básicos. Todo tratado internacional sobre recursos hídricos deve preservar a soberania do país” (Artigos 373 a 377)

A água adquire a categoria de direito fundamentalíssimo, quer dizer, se encontra entre aqueles que são imprescindíveis para a vida e saúde das pessoas. Por isso é que não pode ser privatizado, nem tampouco se poderão outorgar concessões sobre seus serviços ou reconhecer direitos de prestação de serviços a empresas privadas que lucrem com esta atividade, como ocorreu com a Bechtel, que provocou a Guerra da Água em Cochabamba, em abril de 2000.

Além de ser imprescindível para a vida, a água cumpre outras funções essenciais, como serviços básicos (saneamento, esgoto, equilíbrio ecológico), rego para garantir a produção e produtividade agrícola, conseqüentemente está associada ao abastecimento das necessidades alimentícias da população (segurança alimentar).

Por estas razões o Estado deve definir as regras do jogo sobre o uso e acesso à água, garantindo que o aproveitamento dos recursos hídricos seja eqüitativo, solidário, sustentável, pelo que se reconhecem usos e costumes das comunidades indígenas, camponesas e originárias na gestão dos recursos hídricos.

Finalmente, a água não pode ser objeto de comercialização nem se deve arriscar seu controle no momento de subscrever tratados comerciais com outros países, porque isso implicaria em atuar contra a soberania do país.

Energia

“A cadeia produtiva energética é faculdade privativa do Estado através de empresas produtivas públicas, mistas ou instituições sem fins lucrativos” (Artigo 378)

A atividade energética (eletricidade, hidroelétricas e outras fontes de geração, transmissão e distribuição) é fundamental para o desenvolvimento de um país, pelo que se estabelece a intervenção estatal em toda a cadeia produtiva, podendo formar empresas mistas com maioria acionária pública e participação de capitais privados ou utilizar-se de entidades sem fins lucrativos.

Biodiversidade

“Os recursos naturais renováveis se aproveitam de maneira sustentável, respeitando as características naturais dos ecossistemas, os solos devem ser utilizados conforme sua melhor capacidade de uso. As espécies nativas de origem animal e vegetal constituem patrimônio natural. O Estado protegerá os recursos genéticos e microorganismos que se encontrem em seu território, assim como os conhecimentos associados aos mesmos” (Artigos 380 e 381).

A nova Constituição inclui a biodiversidade (diversidade biológica ou diferentes formas de vida existentes) pondo em destaque sua caracterização como de valor estratégico (formam parte da indústria medicinal e cosmética, se encontram em terceiro lugar no planeta do ponto de vista da movimentação de capitais), sua colocação como parte do patrimônio natural do país, sua condição fundamental para preservar o equilíbrio ecológico e dos ecossistemas, a importância e valor dos conhecimentos associados.

Coca

“O Estado protege a coca originária e ancestral como patrimônio cultural, recurso natural da biodiversidade da Bolívia e como fator de coesão social; em seu estado natural não é entorpecente. A revalorização, produção, comercialização e industrialização será regida mediante a lei” (Artigo 384).

A Coca se define como recurso natural e não como entorpecente ou droga, além de se lhe imputar valor de patrimônio natural e de coesão (articulação ou agregação) social. Nesta qualidade merece proteção estatal consistente, entre outros aspectos, na promoção da sua industrialização ou utilização com fins medicinais (digestivo, protéico) e outros usos (doces, pasta dental, etc.)

Áreas protegidas

“As áreas protegidas são um bem comum e cumprem funções ambientais, culturais, sociais e econômicas para o desenvolvimento sustentável. Se institui mecanismos de controle social e co-gestão entre o Estado e as populações locais na gestão das áreas protegidas” (Artigo 385).

As áreas protegidas são espaços territoriais caracterizados por possuírem importantes riquezas naturais que constituem as reservas e lugares estratégicos para o desenvolvimento de um país. São caracterizadas como parte do patrimônio natural e cultural; com funções de conservação ambiental e equilíbrio ecológico, além de outras de índole econômica, pelas riquezas que contêm e de valor social e cultural, porque ali habitam comunidades e populações locais. Dentro de seus territórios se produz a interação, descobrimentos, conhecimentos e gestão destas populações. Portanto, não poderão ser objeto de lucro nem de administração privada, mas de um sistema de co-gestão compartilhada entre o Estado e as populações locais.

Recursos florestais

“Os bosques naturais e os solos florestais são estratégicos para o desenvolvimento, o Estado promoverá atividades de conservação e aproveitamento sustentável, a geração de valor agregado, a reabilitação e reflorestamento de áreas degradadas. As comunidades indígenas originárias camponesas assentadas em áreas florestais terão direito exclusivo de aproveitamento e gestão” (Artigos 386 a 388).

As áreas florestais e de bosque cobrem mais da metade do território nacional, onde vivem comunidades indígenas e operam também empresas madeireiras e de construção. Declaram-se estes recursos de alto valor estratégico para o desenvolvimento sustentável, se busca sua conversão em produtos transformados, seu aproveitamento diversificado, a exclusividade de uso por parte das comunidades indígenas originárias em suas respectivas jurisdições territoriais. O Estado regulará seu aproveitamento em termos sustentáveis e respeitando a vocação natural dos solos florestais. Reconhecem-se direitos de aproveitamento em favor de particulares com a condição de respeitar o interesse coletivo e a gestão sustentável.

Terra-território

“Se reconhece a propriedade individual e comunitária sobre a terra, sujeitas ao cumprimento da função social e da função econômico social correspondentes” (Artigo 391).

“A propriedade individual compreende a pequena propriedade e a propriedade empresarial” (Artigo 392).

“A propriedade comunitária compreende o território indígena originário camponês, entendido como o direito coletivo sobre a terra e o usufruto exclusivo dos recursos naturais renováveis nas condições definidas pela lei, além da consulta e participação para a exploração dos recursos naturais não renováveis em suas jurisdições territoriais” (Artigo 392).

“Se proíbe o latifúndio, entendido como os imóveis que excedem a superfície máxima, que não cumpram a função econômico-social ou reproduzam sistemas de servidão ou semi-escravistas de trabalho humano” (Artigo 396).

“As terras públicas serão distribuídas a indígenas, camponeses originários e afro-bolivianos” (Artigo 393).

“O descumprimento da função econômico-social ou a condição de latifúndio do lugar ocasionará a reversão da propriedade da terra” (Artigo 397).

“A administração, planificação, controle, distribuição, redistribuição, reagrupamento e toda ação inerente à Reforma Agrária é de competência do Serviço Nacional de Reforma Agrária presidido pelo Presidente do Estado” (Artigo 400).

Com relação às normas referentes à terra e ao território, se parte da caracterização da atual estrutura agrária na que se acentua a polarização entre latifúndio no oriente e minifúndio no ocidente, os baixos níveis de produção-produtividade e de desenvolvimento rural, a concentração dos meios de produção, os elevados índices de pobreza no campo, as desequilibradas relações de intercâmbio no mercado e os elevados níveis de migração campo-cidade.

A nova Constituição projeta uma estrutura agrária em que o Estado tem sob sua responsabilidade a planificação, administração, distribuição, controle e outras ações referentes ao processo de reforma agrária. Articula também o desenvolvimento sustentável com o desenvolvimento rural, na medida em que define o uso da terra de acordo a sua vocação natural.

Incorpora também a dimensão cultural à questão agrária, ao reconhecer a territorialidade indígena como fundamento para efetivar integralmente os direitos coletivos dos povos indígenas e nações originárias.

Reafirma o princípio fundamental da Reforma Agrária de 1953, sob a moderna concepção de função econômico-social, como condição para o exercício do direito proprietário empresarial sobre a terra.

Ratifica o Serviço Nacional de Reforma Agrária como entidade pública a cargo das políticas agrárias, fortalece os mecanismos redistributivos da terra para enfrentar o latifúndio e garantir o cumprimento da sua função econômico-social.

*O livro pode ser encontrado pelo site – www.editoralimiar.com.br – ou pelo e-mail: [email protected]

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