Valor Econômico
João Villaverde, de São Paulo
Ao afirmar na virada do ano que o Kremlin estuda conter a entrada de capital especulativo, o primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, seguiu os passos de outros emergentes, na Ásia e América Latina, que sofreram com a valorização de suas moedas em 2009. Segundo economistas, o debate sobre a adoção de controle de capitais deve se intensificar em 2010. Mas uma eventual alta dos juros nos EUA pode frear esse movimento.
Após ver sua moeda, o rublo, se valorizar em mais de 20% frente ao dólar, o governo russo passou a arquitetar medidas para evitar que o movimento se estenda neste ano, seguindo os passos de países como Brasil, Taiwan e Coreia do Sul.
Putin disse que “é preciso alterar as regras para que fique menos interessante ao capital especulativo aplicar na Rússia”. Mas o governo russo foi rápido em negar que os planos sejam similares ao que fez o Brasil, que em outubro instituiu taxação de 2% sobre a entrada de dólares em aplicações de juros e ações.
Os russos temem que taxações possam afugentar os investidores estrangeiros. O estresse dos investidores deixou cicatrizes em Moscou quando, no fim de 2008, cerca de US$ 130 bilhões deixaram o país.
Para José Luís Oreiro, economista da Universidade de Brasília (UnB), a preocupação dos emergentes com o câmbio valorizado será fortalecida em 2010, uma vez que as condições econômicas mundiais melhoram. A principal barreira entre discurso e prática, no entanto, é política. “O câmbio valorizado, no curto prazo, aumenta o poder de compra dos salários, além de baratear os importados, o que facilita o combate à inflação”, afirma. “Tentar ajustar imediatamente a taxa de câmbio é suicídio político.”
É este tipo de acirramento de ânimos que o governo russo quer evitar, zeloso de suas reservas internacionais e da tranquilidade do mercado, fator crucial de apaziguamento político.
Fernando de Paula Rocha, sócio da JGP Gestão de Recursos, no entanto, acredita que o fenômeno de valorização das moedas dos emergentes pode ser desarticulado com movimentos coordenados de aumento de taxas de juros nas nações desenvolvidas.
Para ele, o Fed, banco central americano, deve elevar os juros a partir do terceiro trimestre, sendo acompanhado, em seguida, por europeus e japoneses. “A simples sinalização de que haverá um aperto monetário já serve como gatilho aos investidores, que sairão de operações mais arriscadas nos emergentes, o que ajudará a diminuir a valorização.”
Diante das políticas de estímulo econômico adotadas pelos Estados Unidos, União Europeia e Japão, que cortaram suas taxas de juros a praticamente zero, os investidores e fundos de hedge internacionais migraram suas aplicações para ativos mais rentáveis. Os países emergentes da Ásia e América Latina, principais beneficiários deste movimento, passaram a conviver com moedas valorizadas pelo forte ingresso de dinheiro estrangeiro.
No Brasil e nos asiáticos, a melhora das condições internas explica a maior parte da atratividade de seus mercados. Não é o que ocorre na Rússia, que, segundo estimativas oficiais, viu sua atividade mergulhar quase 8% no ano passado. Segundo o Kremlin, o capital estrangeiro que ingressa na Rússia está concentrado em dois vetores: ações de companhias listadas em bolsa e as taxas de juros.
O mercado acionário russo teve uma das maiores valorizações em dólar no ano passado (131%), pouco inferior a verificada no Brasil (143%). Mas são as taxas de juros, diz o governo, que atraem os investidores. Desde abril de 2009, o banco central russo aplicou dez cortes nas taxas básicas de juros, reduzindo-as a 8,5% ao ano. Ao mesmo tempo, o banco central ampliou a compra de moeda estrangeira para formação de reservas – que aumentaram US$ 39 bilhões entre setembro e dezembro.
Essas ações, no entanto, não serviram para reverter o tombo da cotação. O dólar chegou a valer 38,3 rublos, em fevereiro do ano passado, no auge das fugas de capitais, mas fechou 2009 valendo 29,8 rublos – uma valorização de 22,2%.
Ao negar, no entanto, qualquer medida semelhante à realizada pelo governo brasileiro, as alternativas estudadas por Moscou devem se aproximam das colocadas em prática em Taiwan e Coreia do Sul em dezembro – até agora, os dois únicos asiáticos que tomaram atitudes concretas.
Oito de 10 moedas asiáticas ganharam valor frente ao dólar no ano passado. Apenas dois países, por enquanto, agiram na contenção. Enquanto o governo de Taiwan proibiu o investimento estrangeiro em depósitos a prazo, os sul-coreanos iniciaram pequenas reformas microeconômicas que, segundo o governo, servirão para incentivar as empresas nacionais a se financiarem internamente.
O economista sul-coreano, professor da Universidade de Cambridge, Ha-Joon Chang, não acredita que as medidas tomadas por seu país serão efetivas em alterar a rota das moedas. “O governo se preocupa excessivamente com inflação, por isso não arrisca um movimento brusco no câmbio”, afirmou, em entrevista ao Valor após seminário na FGV, em São Paulo.