Almir Aguiar é o titular da Secretaria de Saúde do Sindicato dos bancários do Rio de Janeiro. À frente da pasta, o sindicalista convive diariamente com a LER, – Lesão por Esforços Repetitivos -, seja nos atendimentos aos bancários doentes e também com o próprio corpo. Almir falou ao UNIDADE durante o ato público realizado pelo Seeb-Rio na última sexta-feira, dia 27, para marcar o Dia Internacional de Prevenção à LER/Dort.
UNIDADE Informativo – Quais os números das LER/Dort na categoria bancária?
Almir Aguiar – segundo pesquisa realizada pelo Movimento Sindical Bancário, cerca de 20% dos trabalhadores da categoria têm algum tipo de LER. Sabemos que a previdência recebeu, entre 2003 e 2008, cerca de 533 mil Comunicados de Acidente de Trabalho – CATs de trabalhadores de todas as categorias. De 2000 a 2005, aproximadamente 27 mil bancários foram afastados por LER. Ao todo, a previdência tem um gasto anual em torno de R$ 1 bilhão em benefícios somente com os bancários. E a nossa categoria é a campeã em casos de LER há vários anos. Por mês, o Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro emite uma média de 270 CATs e obtém em média 40 reintegrações de bancários que foram demitidos apesar da proibição legal de dispensar trabalhadores doentes.
UI – Existe um perfil típico dos trabalhadores bancários que sofrem de LER?
AA – A faixa etária mais comum é a que vai dos 30 aos 40 anos, ou seja, trabalhadores no auge de sua capacidade produtiva. Percebemos também que as LER atingem mais as mulheres que os homens.
Estas doenças são muito comuns nos funcionários de call centers, onde a maioria é feminina, mas também entre os caixas e pessoal de tesouraria. E aí, os banqueiros começam a dar justificativas para fugir da responsabilidade, dizendo que a causa da lesão foi provocada pela jornada dupla de trabalho das funcionárias, que têm que cuidar dos filhos e da casa, ou por outras atividades que o trabalhador desempenha na sua vida pessoal.
UI – É possível apontar alguma predisposição física para desenvolver estas doenças? Em quanto tempo de trabalho os sintomas começam a surgir?
AA – Não dá para identificar uma predisposição. Mas percebemos que as lesões aparecem rápido. Com cerca de um ano de trabalho os bancários já começam a apresentar os sintomas.
UI – Qual a maior dificuldade que um trabalhador enfrenta para receber seu benefício acidentário pelo INSS?
AA – Os banqueiros dificultam muito a emissão da CAT. Muitas vezes, casos de LER que são claramente caracterizados como acidentes de trabalho são encaminhados ao INSS como pedido de auxílio-doença.
Esta descaracterização leva a uma subnotificação da incidência da LER e, por este motivo, sabemos que o número de bancários com lesões desta natureza é muito maior que o de benefícios acidentários concedidos. Para evitar este problema foi criado o Nexo Técnico Epidemiológico. Com o NTE, sempre que um trabalhador se apresenta para a perícia com uma doença que se encaixa na definição de acidente de trabalho para sua categoria profissional, a concessão do benefício acidentário é automática. Mas o que acontece é que os peritos do INSS também não ajudam, muitos negam benefícios acidentários em casos típicos de doenças que configuram acidente de trabalho, descaracterizam as lesões na hora de dar os laudos, não reconhecem os laudos de médicos assistentes. E ainda há as altas precoces, liberando para retornar às atividades um trabalhador que ainda está em tratamento. Já recebemos denúncias de que os peritos do INSS teriam metas de benefícios a serem negados, mas não temos como confirmar se isto, de fato, acontece.
UI – Os bancos alegam que investem em prevenção, mas o número crescente de lesionados parece contrariar isto. O investimento é insuficiente?
AA – Nas visitas que fazermos às agências, vemos muito poucos dispositivos de prevenção. As empresas que vendem os equipamentos dizem que seus maiores clientes são bancos, mas só vemos este material em prédios administrativos. Mas, de todo modo, adaptar móveis e equipamentos não basta para prevenir. Não é só o mobiliário que precisa mudar. O problema está no processo de trabalho. O Movimento Sindical bancário vem buscando junto aos banqueiros a criação de uma política de prevenção desde 1996, mas nada de concreto aconteceu até agora. A Federação Nacional dos Bancos – Fenaban chegou a criar um programa, com cerimônia de lançamento em hotel de luxo e tudo, mas o projeto não saiu como norma, apenas como orientação. Alguns bancos têm programas de prevenção, mas são insuficientes, alguns produzem cartilhas para distribuir entre os funcionários. Mas o esforço não vai muito além disso e os patrões entendem que já estão fazendo o bastante. As entidades sindicais bancárias de todo o país vêm reivindicando a revisão destes programas, mas as negociações não têm avançado.
UI – Na sua opinião, qual seria a forma de forçar as empresas a investir em prevenção das LER?
AA – está previsto na legislação que o INSS pode pedir o ressarcimento do gasto com benefícios aos empregadores através de ações regressivas. A Previdência deveria lançar mão desta estratégia toda vez que ficasse caracterizada a responsabilidade de uma empresa no adoecimento de seus funcionários. Não está certo o empregador causar o dano ao trabalhador e o Estado arcar com o prejuízo. E, além disso, se começassem a sentir no bolso as consequências de negligenciar a saúde do trabalhador, as empresas começariam a investir em programas de prevenção que fossem realmente eficientes.
UI – Como os bancos tratam os bancários doentes?
AA – Os trabalhadores sempre têm muito medo de serem demitidos caso adoeçam. E este medo é justificado, porque os bancos demitem mesmo, daí o esforço para não caracterizar o acidente de trabalho, já que a estabilidade do trabalhador afastado por acidente é bem maior que aquele que recebeu auxílio-doença. E, quando retorna ao trabalho, este bancário muitas vezes é discriminado, já que é comum ele não poder reassumir o antigo cargo em função da doença. Os programas de readaptação do bancário lesionado são muito ruins, o que acontece é que o trabalhador que retorna de um afastamento muitas vezes fica sem função no local de trabalho porque os bancos não criam opções para estes funcionários. E isto acaba desencadeando problemas psicológicos, uma situação que vem se tornando comum.
UI – Como se dá este processo?
AA – O trabalhador afastado não pode voltar a desempenhar as mesmas tarefas de antes e é jogado de um lado para outro, muitas vezes sem função definida. Às vezes o próprio gestor estimula nos colegas um tratamento discriminatório. O trabalhador vai ficando isolado e se deprime. Como a situação no local de trabalho não melhora, este quadro tende a se agravar e acaba gerando um novo afastamento, desta vez por transtorno mental.
UI – A atitude do bancário em relação aos colegas doentes é de apoio e solidariedade ou ainda há a ideia de que o lesionado está fazendo “corpo mole”?
AA – Há alguns anos, a situação era bem pior. Eu mesmo, antes de ser liberado para o sindicato, sofria esta discriminação no meu local de trabalho. Mesmo depois de sofrer duas cirurgias, ainda era visto com preconceito pelos colegas. Mas já percebemos que a atitude está mudando, porque os casos são muitos e o bancário sabe que o que está acontecendo com um colega pode acontecer com ele também.
UI – E no INSS, como é tratado o trabalhador que está afastado?
AA – Ainda há quem pense que o empregado afastado está se aproveitando da situação para não trabalhar. Aqui na Secretaria de Saúde do sindicato até recomendamos que, na semana da perícia, o bancário não vá à praia, nem se apresente para o exame bem-vestido. Muita gente acha que o trabalhador afastado tem que ficar em casa, sem fazer nada, que não pode ter outras atividades porque está licenciado do trabalho. Mas isso acaba sendo pior, porque, além da LER, esta inatividade pode agravar o quadro de saúde deste trabalhador, porque também é uma situação que acaba acarretando problemas psicológicos.
UI – O bancário pode apresentar estes transtornos mesmo antes de voltar ao trabalho?
AA – O trabalhador que fica afastado, além de não ser bem visto pelas pessoas à sua volta, acaba se sentindo inútil, e ainda sofre com o medo constante de ser demitido. Por isso é tão grande o número de empregados que omitem as doenças nos exames periódicos. Mas é importante que façam constar dos laudos todas as doenças, para que estejam amparados no caso de precisarem se afastar do trabalho para tratamento e que recebam o benefício acidentário, que dá maiores garantias no momento do retorno ao trabalho.
UI – Além do esforço repetitivo em si e do mobiliário inadequado, há algum outro fator que contribui para o desenvolvimento da LER?
AA – A exigência por produtividade cada vez maior e a intensificação do ritmo de trabalho são fatores muito importantes. Por exemplo, os teclados são cada vez mais macios, para favorecer a produtividade, e a pressão pelo cumprimento de metas acaba fazendo o trabalhador tensionar as articulações enquanto trabalha. Trabalhando mais rápido e sob tensão constante, o trabalhador acaba exposto a um risco maior de desenvolver as lesões.