O Tribunal Superior do Trabalho condenou o Bradesco a pagar R$ 1,3 milhão de indenização ao bancário Antônio Ferreira dos Santos, gerente de agência em Salvador, por assédio moral. Cabe ainda recurso ao próprio TST e ao STF. Se confirmada, será a maior condenação por assédio moral já julgada no Brasil e a primeira no TST envolvendo demissão imotivada por preconceito de orientação sexual. Leia abaixo a matéria publicada pelo Valor Econômico na edição desta quarta-feira 22 de abril.
TST condena banco em R$ 1,3 milhão por assédio
Luiza de Carvalho, de Brasília
Ao adentrar a agência do Bradesco situada na Avenida Antônio Carlos Magalhães, uma das principais da cidade de Salvador, o gerente Antônio Ferreira dos Santos, que completava 20 anos de carreira no banco em 2004, foi surpreendido por uma carta: “O senhor está demitido por justa causa por motivo de desídia, indisciplina e ato de improbidade”. Indignado, recorreu à Justiça trabalhista, o que culminou na maior indenização trabalhista envolvendo uma vítima de assédio moral já concedida pela Justiça brasileira que se tenha conhecimento e na primeira condenação do Tribunal Superior do Trabalho (TST) por uma demissão imotivada envolvendo preconceito por conta da orientação sexual do trabalhador. Os ministros da segunda turma do tribunal garantiram a Santos uma indenização de R$ 1,3 milhão – até agora, a maior indenização por assédio moral que se tem notícia no país foi de R$ 1 milhão, contra a Ambev, mas em uma ação civil pública em benefício de vários trabalhadores que foi resolvida por meio de um acordo com a procuradoria do trabalho nas instâncias inferiores e, portanto, não chegou ao TST.
Na Justiça do trabalho, o assédio moral é caracterizado por atos repetidos de violência moral e tortura psíquica e da intenção de degradar as condições de trabalho do empregado. Os motivos vão desde a pressão pelo cumprimento de metas, especialmente na área de vendas, até humilhações constantes pela opção política do empregado ou por ser portador do vírus HIV, por exemplo. Geralmente, os valores das indenizações em processos individuais variam entre R$ 10 mil e R$ 30 mil, majorados conforme o tempo do contrato de trabalho em questão. No caso julgado agora pelo TST, o gerente do banco começou sua carreira no Baneb, incorporado em 1999 pelo Bradesco, e estava na instituição há 20 anos. Segundo ele, o assédio moral ocorreu durante os últimos cinco anos de trabalho na agência, até 2004, ano em que a ação foi ajuizada. “Foram os piores anos da minha vida”, diz Santos.
O gerente relatou à 24ª Vara do Trabalho de Salvador diversos episódios de preconceito sofridos por conta da atitude de um diretor regional do Bradesco que, segundo ele, frequentemente o expunha a constrangimentos públicos – por exemplo, sugerindo que ele utilizasse o banheiro feminino da agência ou dizendo, em público, que o banco “não era lugar de veado”. Após ouvir três testemunhas, a primeira instância considerou que foi colocado em prática um ato típico de inquisição, que a história já conhece e abomina, e que a empresa deveria arcar com as consequências disso. Caracterizado o assédio, foi fixada uma indenização de R$ 916 mil por danos morais e materiais – esse último, por conta da alegação do trabalhador sobre a dificuldade de empregar-se novamente no mercado de trabalho após a justa causa por improbidade administrativa. “A justa causa foi uma forma de camuflar o preconceito”, diz o advogado Bruno Galiano, do escritório Cedraz & Tourinho Dantas, que defende o trabalhador. O Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 5ª Região, na Bahia, concluiu que a demissão foi discriminatória, mas reduziu o valor da indenização para R$ 200 mil.
A disputa chegou ao TST em 2006, cabendo aos ministros decidir se a aplicação da Lei nº 9.029, de 1995, que quantifica o valor das indenizações em razão de demissões arbitrárias, poderia ser utilizada no caso. Isso porque a lei prevê indenização no caso de preconceito por “sexo”, palavra que até então só havia sido usada em casos de discriminação de mulheres no trabalho. Para o ministro Renato de Lacerda Paiva, que acompanhou o voto do ministro relator José Simpliciano Fontes de Faria Fernandes, a lei não é taxativa, mas meramente indicativa, e não surgiu com a intenção de limitar os motivos da discriminação. Segundo Paiva, outros motivos, como o preconceito por antecedentes criminais, falta de boa aparência e opção política não estão nas normas e não deixam de ser discriminação. Os ministros consideraram ainda determinações das convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e princípios constitucionais de igualdade e dignidade.
A possibilidade de uso da Lei nº 9.029 majorou a indenização. Isso porque a norma oferece duas opções ao trabalhador demitido por discriminação: a reintegração no cargo ou a condenação da empresa ao pagamento do dobro de seu salário desde o ajuizamento da ação até o trânsito em julgado da sentença, com correção monetária. No caso de Santos, que recebia em torno de R$ 5 mil, a quantia total da indenização por danos somada à condenação pela Lei nº 9.029 já alcança R$ 1,3 milhão – como cabe recurso ao próprio TST e ao Supremo Tribunal Federal (STF), a quantia pode aumentar caso o banco não consiga reverter a decisão. O ministro do TST Vantuil Abdala divergiu do voto apenas nesse quesito, por considerar que, pela morosidade da Justiça, não seria razoável calcular a indenização pelo tempo de tramitação do processo. Procurado pelo Valor, o Bradesco informou que não comenta assuntos sub judice.