Valor Econômico
Fernando Teixeira, de Brasília
A capitalização mensal de juros nos contratos de crédito bancário está há dois votos de cair no Supremo Tribunal Federal (STF), com um placar parcial de quatro votos a dois pela inconstitucionalidade da Medida Provisória (MP) nº 2.170, de 2001. O caso, até então com um prospecto favorável aos bancos, passou por um revés quando foi retomado na tarde de ontem durante o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) nº 2.316. A Adin, julgada em cautelar, estava suspensa por um pedido de vista do ministro Nelson Jobim desde 2005 e voltou inesperadamente a julgamento – ela já tinha dois votos contrários à medida provisória, proferidos em 2002 e 2005. Sem ela, os bancos ficam sem base legal para cobrar juros capitalizados de pessoas físicas e sujeitos a uma enxurrada de ações de consumidores.
O tema foi pacificado recentemente no Superior Tribunal de Justiça (STJ), depois de o tribunal proferir várias decisões passando a aceitar a capitalização de juros em contratos fechados depois da edição da Medida Provisória nº 2.170 em 2001. Alguns ministros da corte cogitaram suspender o julgamento e aguardar o pronunciamento do Supremo sobre o tema depois que o tema ganhou status de “repercussão geral” neste ano. Por fim, o STJ manteve sua posição e incluiu o tema no pacote de disputas bancárias repetitivas julgadas em setembro deste ano, que deverá atingir um total de 40 mil casos na corte.
A ministra Cármen Lúcia levou a disputa da capitalização ao pleno do Supremo ontem em um recurso ajuizado por uma consumidora contra o banco Finasa. Segundo ela, o tema já tem repercussão reconhecida e dispensava a retomada do julgamento da Adin. Mas os colegas entenderam que havia problemas processuais no recurso, e a ministra acabou tendo que levar a julgamento a antiga Adin, com dois votos proferidos contra a medida provisória.
No julgamento da Adin, a ministra discordou dos votos dos ministros já aposentados Sidney Sanches e Carlos Velloso, que entenderam que não havia urgência no tema da regulamentação da capitalização que justificasse sua inclusão em uma medida provisória – a capitalização é tratada em lei no país desde o Código Comercial de 1850. Segundo a ministra, passados oito anos, a urgência não faz mais sentido. Do ponto de vista da preservação dos direitos do consumidor, ela também entendeu que não há inconstitucionalidade na capitalização mensal. “Não é a capitalização que ameaça os direitos do consumidor, mas a falta de clareza na forma como é expresso o custo do crédito”, afirmou.
A ministra foi acompanhada por Menezes Direito, mas o quadro começou a mudar com o pronunciamento de Marco Aurélio, que levantou um ponto novo – o de que não é possível que uma medida provisória editada em 2001 esteja em vigor até hoje. Ele propôs a concessão da liminar na Adin, com apoio de Carlos Britto. Segundo Marco Aurélio, “é admissível uma medida provisória vigorar por 30 dias, por 120 dias, mas não por oito anos”. De acordo com ele, a Medida Provisória nº 2.170 foi uma das últimas propostas antes da edição da Emenda Constitucional nº 32, de 2001, que alterou a regra de vigência das medidas e estabeleceu que elas ficariam em vigor até serem revogadas por outra proposta ou votadas pelo Congresso Nacional.
Os ministros iniciaram um longo debate sobre o tema, com alguns pronunciamentos simpáticos à indignação de Marco Aurélio – como de Celso de Mello – e tentativas de colocar a questão de lado – de Cezar Peluso e Menezes Direito. O julgamento foi suspenso depois que este sugeriu a suspensão do caso até que a composição estivesse completa – estavam ausentes Eros Grau e Joaquim Barbosa. Não votam Peluso e Ricardo Lewandowiski, que substituíram os ministros que já votaram, e o presidente Gilmar Mendes está impedido de votar – era advogado-geral da União na época da edição da medida provisória.