Valor Econômico
Ana Paula Ragazzi
Depois de dois anos de olho no Brasil, o Grameen Bank anuncia hoje o início de seu processo de implantação no país. Fundado há 35 anos em Bangladesh pelo professor de economia Muhammad Yunus, o banco estabeleceu um programa de microcrédito para aquele país que foi replicado pelo mundo. Com o trabalho realizado no Grameen Bank, Yunus, já mundialmente conhecido como o banqueiro dos pobres, ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 2006.
O modelo do Grameen é emprestar quantias pequenas para pessoas que vivem na pobreza e estimulá-las a criar uma espécie de autoemprego. Em Bangladesh, um dos países mais pobres do mundo, as atividades relacionadas ao campo predominam.
“Não fazemos caridade. A pessoa pega o empréstimo e tem que pagar por ele, com juros, inclusive”, afirma H. I. Latifee, diretor-gerente do Grameen Trust, empresa-irmã do Grameen Bank. Ele está no Brasil, com Tamim Islam, diretor de desenvolvimento. Vieram assinar um empréstimo de US$ 6 milhões contraído de um banco doméstico, cujo nome e condições devem ser conhecidos hoje. A partir daí iniciam-se os trabalhos para estabelecer o Grameen no Brasil.
Os empréstimos concedidos pelo Grameen Bank deverão ser, em média, de US$ 200, seguindo modelo já adotado em outros países da América do Sul. Os juros cobrados ao ano vão variar de 20% a 25%. A cada semana, quem tomou os empréstimo deve prestar contas de suas atividades, pagar juros e direcionar um outro pedaço para a poupança.
Latifee está ao lado de Yunus desde o começo do negócio. A filosofia do banco de Bangladesh é “disciplina, união, coragem e trabalho duro”, o que faz com que população do país consiga melhorar seu padrão de vida. “Acreditamos no potencial das pessoas. Em nossa visão, se dermos as condições, elas vão ter iniciativas e ideias para melhorar suas vidas”, diz. “Se os mais pobres conseguirem o acesso ao capital, irão fazer o seu melhor. Mas precisam de alguém que confie neles e lhes dê a oportunidade para mostrar que podem e manter a esperança no futuro.”
O Grameen, portanto, foca os menos favorecidos, mas, como qualquer outro banco, foi criado para dar lucro – que é reinvestido no próprio negócio para alimentar a concessão de empréstimos. “O nosso verdadeiro lucro é o impacto social que causamos. É melhorar a vida das pessoas.”
O Grameen vai chegar ao Brasil, inicialmente, controlando uma sociedade de crédito ao microempreendedor (SCM), que precisará de autorização do Banco Central e um decreto presidencial para começar a funcionar, o que pode levar até seis meses. O mesmo modelo de sucesso em Bangladesh será replicado por aqui. O Brasil um dos poucos países da América do Sul em que o banco ainda não iniciou as operações. Latifee diz que não sabe dizer exatamente por quê. “Temos uma imagem do Brasil como um país rico, que está crescendo muito. Mas sabemos dos problemas de distribuição de renda”, conta.
Ele reconhece que um fator decisivo para a vinda do banco ao país foi o envolvimento da advogada Marina Procknor, 33, sócia do escritório Mattos Filho, com 15 anos de experiência com o mercado financeiro. Em outubro do ano passado, Marina passou três semanas em Bangladesh estagiando no Grameen. E de lá acertou que o Mattos Filho seria o escritório do banco no Brasil. A associação foi estabelecida dentro do programa de “pro bono” (sem remuneração) do escritório brasileiro. “Marina mostrou ser uma pessoa muito comprometida a nos ajudar a auxiliar os mais pobres”, diz Latifee.
Agora, os executivos d e Bangladesh vão estudar com dedicação o Brasil para definir os critérios do banco por aqui, mas eles deverão seguir os moldes de programas já implementados na Colômbia, México ou Argentina, daí a estimativa de que os empréstimos por aqui serão da ordem de US$ 200. “A lógica é que a pessoa passe a ter noção de seu fluxo de caixa e aprenda a lidar com as finanças”, diz Marina. Ela explica que o Grameen quer chegar às pessoas que hoje não são atendidas pelos bancos no país. Elas podem começar com alguma atividade simples, por exemplo uma mulher que inicie uma produção caseira de doces.
“À medida que for aprendendo a lidar com o dinheiro, pode contrair empréstimos maiores, até conseguir montar seu próprio negócio”, diz a advogada.
Quando já tiverem melhorado o padrão de vida, a ideia é que saiam da carteira do Grameen e passem a ser atendidos pelos bancos de varejo tradicionais.
Um executivo virá de Bangladesh para a gestão das operações por aqui. Também haverá treinamento para os agentes de campo, que entrarão em contato com os clientes e serão brasileiros. Um conselho de administração será formado. Latifee não faz previsões para o início das operações. “Começarão assim que for possível.” Ele diz que está entusiasmado com o Brasil, assim como com outros lugares do mundo – ele divide suas viagens internacionais entre os 40 países onde o Grameen já está e aqueles em que pode ingressar. “Nós podemos ter sucesso em qualquer lugar em que exista a pobreza”, conta.
Provavelmente, as atividades no país se iniciarão no Sudeste. Depois de viabilizar a ideia, a intenção é espalhá-la pelo país, até que a operação ganhe volume e o Grameen funcione aqui também como um banco.
A maior parte dos clientes do bancos pelo mundo é formada por mulheres, 97%. Segundo Latifee, a experiência mostra que, nas camadas mais pobres, as mulheres têm menos acesso a financiamentos do que os homens. “Quando elas conseguem esse empréstimo, se dedicam muito para aproveitar a oportunidade e manter essa linha aberta e contínua”, diz, acrescentando que a mulher tende a ser mais preocupada com o futuro, especialmente o dos filhos.