Valor Econômico
Maria Christina Carvalho, de São Paulo
Um acordo de acionistas de apenas 14 páginas garante que as famílias Moreira Salles, Setubal e Villela terão poder equilibrado no comando do maior conglomerado bancário brasileiro, que nasceu na semana passada com a fusão do Itaú com o Unibanco.
O acordo estabelece que as famílias Setubal e Villela, controladoras do Itaú, e os Moreira Salles, donos do Unibanco, dividem em partes iguais o controle da IU Participações, que tem 51% do novo banco, e terão que votar em consenso as principais questões da nova empresa. A Itaúsa, controlada pelos Setubal e Villela, que tem 36% das ordinárias e 18,3% do capital total do novo banco, terá que acompanhar o voto dos controladores da IU.
A fusão dos dois gigantes já começou. As tesourarias estão alinhando as exposições e sexta-feira foi feita a primeira reunião do comitê de integração. O comitê é formado por Ricardo Villela, Sérgio Werlang e Antonio Carlos Barbosa de Oliveira, pelo lado do Itaú, e por Geraldo Travaglia, José Rudge e Marcos Lisboa, pelo Unibanco. A reunião levou duas horas e traçou os primeiros passos.
Participaram também Roberto Setubal, presidente do Itaú e Pedro Moreira Salles, presidente do Unibanco, que serão, respectivamente, presidente executivo e presidente do conselho do futuro banco. Antes da reunião, os dois banqueiros concederam a seguinte entrevista:
Valor: Como explicar que o Unibanco não foi comprado?
Roberto Setubal: A principal diferença entre uma fusão e uma aquisição é que na fusão os acionistas controladores continuam participando do controle. É evidente que o Itaú é maior. Mas, no caso da nossa operação, os controladores do antigo Unibanco, a família Moreira Salles, se juntaram aos controladores do antigo Itaú, as famílias Setubal e Villela, para formar uma holding que controla as duas instituições. Se fosse de outra forma, o Pedro não estaria aqui; eu não estaria aqui.
Valor: Mas os controladores do antigo Itaú não têm mais força? Além de participarem em partes iguais com os Moreira Salles no controle da holding IU, que detém 51% do novo banco, também controlam a Itaúsa, que tem 18,3% do capital total da instituição.
Pedro Moreira Salles: As ações da Itaúsa votam junto com a holding IU; e, na holding, o controle é dividido em partes iguais. Todos os votos da Itaúsa estão condicionados aos votos da IU
Valor: Há um acordo de acionistas nesse sentido?
Setubal: Sim. Está escrito que as decisões serão por consenso em uma série de matérias. Temos que votar juntos no conselho. Concordamos em concordar.
Valor: Esse tipo de acordo é raro?
Setubal: É um pouco inusitado. No Itaú, vivemos essa situação há muitos anos. Não é novidade para mim. Já vivo em um mundo em que a gente tem que concordar com os outros acionistas, da família Villela. Evidentemente temos a mesma origem, mas, entre primos, irmãos e tios somos 13 acionistas.
Valor: Eles participaram da negociação?
Setubal: Todos eles sabiam das negociações, acompanharam e, no final, deram a sua concordância. Eu não teria alçada para fazer isso sozinho, nunca.
Valor: Haverá alternância de poder entre as famílias?
Setubal: O acordo diz que o presidente do conselho será Pedro Moreira Salles e o presidente executivo, Roberto Setubal. Qualquer mudança nesses cargos exige consenso. Não há uma regra preestabelecida.
Moreira Salles: Teremos que concordar. O Roberto vive isso há muito tempo. Para mim, é uma novidade absoluta porque, dentro do controle, não dividíamos o controle com mais ninguém.
Valor: Foi discutida outra alternativa?
Moreira Salles: Ficou muito claro que se a gente quisesse tomar outro caminho, teríamos que terceirizar, nomear um terceiro para tomar essa decisão, apesar de todo nosso capital e esforço envolvido na empresa. Não dá. A outra forma seria atribuir a um dos dois a palavra final em caso de não concordância, o que significaria entregar o controle para um, o que também não era a essência da nossa discussão. A solução encontrada, que não é nova para as famílias Setubal e Villela, é que precisamos sentar e discutir até concordar. E a maneira lógica de fazer isso é buscar o melhor interesse da empresa. Nós estamos aqui representando não só os controladores, mas também um universo muito maior daqueles que colocam sua poupança nessa nova empresa.
Valor: O modelo funciona?
Moreira Salles: Ele reflete a postura da negociação e mostra o grau de confiança que as famílias têm uma na outra. É uma confiança cruzada. Não só a confiança que meus irmãos têm em mim. Agora eles têm que confiar no Roberto, assim como as famílias Setubal e Villela têm que confiar em mim.
Setubal: A gente vem conversando há muito tempo, desde agosto do ano passado. E essas conversas tiveram exatamente a função de nos conhecermos, aprendermos a nos respeitar, entender o ponto de vista um do outro. Um exercício de construção. A grande construção foi a confiança que adquirimos um no outro.
Valor: Vocês já se conheciam?
Setubal: A gente se conhecia profissionalmente há muito tempo. Mas as conversas que tivemos nesses 15 meses foram pouco de negócio e muito sobre a forma de ver o mundo, no que a gente acredita, como deve ser administrada uma companhia. As conversas sobre preço e outros pontos usuais em um negócio foram relativamente poucas. A grande conversa foi alinhar expectativas, sonhos, dividir visões sobre o futuro. E também conversar sobre o mundo. Foi um processo de construção.
Moreira Salles: Foi demorado, muito trabalhoso mas não foi difícil. Conversávamos a respeito do que teríamos que renunciar, em nome de que, o que teríamos que construir juntos. E quando a gente achou que havia coberto todos os pontos, a parte que em geral é considerada difícil, atritada, que é o acordo em si, foi feita em quatro a cinco dias.
Valor: Como é o acordo?
Moreira Salles: Será público quando a companhia nascer.
Setubal: O contrato tem 14 páginas. Não é nada. Já fiz acordos com 300, 400 páginas. É o contrato mais simples que já fizemos em qualquer circunstância. Está escrito exatamente isso: tudo tem que ser decidido por concordância. Não há condicionais, se isso, se aquilo; nem cláusula de divórcio. Normalmente os contratos ocupam muitas páginas em torno desses temas. O nosso não tem isso.
Moreira Salles: Não tem como dar algo errado. As oportunidades que se tem para desenvolver com o potencial dessa companhia são extraordinárias. É uma grande aventura que começa, como se junta as companhias e o que fazer. A plataforma que montamos é a única possível que reunia esse potencial, essa capacidade de realização.
Valor: A família Moreira Salles chegou a receber outras ofertas? Pensou em vender o Unibanco?
Moreira Salles: Tinha muita gente de olho no Unibanco há muito tempo. Só que não tinha o que conseguimos fazer aqui. Nunca pensei nem quis vender o Unibanco.
Valor: O conselho de administração já está definido?
Setubal: Seis serão escolhidos pelos controladores da Itaúsa e da Unibanco Holdings; os demais oito membros serão escolhidos por consenso.
Valor: Já há nomes definidos?
Moreira Salles: Temos algum tempo para decidir esse ponto. A primeira reunião será em 2009. Até a companhia nascer, faz parte de nossas conversas futuras a escolha dos membros do conselho. O Unibanco e o Itaú têm membros de conselho importantes, qualificados.
Valor: E a integração?
Moreira Salles: A primeira reunião do comitê de integração será ainda hoje, assim que terminar esta entrevista. As pessoas estão nos cobrando quais são as sinergias. Se fosse um negócio tradicional com as equipes envolvidas, olhar detalhado sobre a estrutura de cada um, seria razoável ter essas respostas. No nosso caso, as equipes do Itaú e do Unibanco só souberam do acordo no domingo. A primeira reunião com as diretorias dos dois bancos só ocorreu na terça-feira passada.
Valor: Quem está no comitê?
Setubal: O comitê é paritário, o diretor de recursos humanos, de contabilidade e riscos das duas instituições. Depois haverá subcomitês por áreas de negócios.
Valor: Como será esse trabalho?
Moreira Salles: Estamos falando de duas empresas, ambas rodando com rentabilidade adequada, onde não há desembolso de recursos para realizar a operação. Então não há nenhuma pressa de buscar a sinergia porque as empresas continuam funcionando. Haverá tempo para se entender exatamente a melhor maneira de se juntar os negócios, as qualidades intrínsecas de cada empresa, as particularidades do portfólio de negócios que cada uma tem. A falta de pressão imediata permite um trabalho com maior probabilidade ainda de sucesso e de preservação dos negócios, aumentar o faturamento. É um negócio para crescer, não é para enxugar.
Valor: Há prazo de integração?
Setubal: Longo, dois a três anos, possivelmente, até terminar tudo. Muito antes disso haverá coisas integradas. As equipes já estão trabalhando para integrar os caixas eletrônicos. O primeiro benefício que a gente quer anunciar para os clientes é a possibilidade de usar o caixa eletrônico do outro banco.
Moreira Salles: E ir ao cinema do Unibanco também.
Valor: Em alguma outra área a integração já está mais avançada?
Setubal: Na tesouraria já estamos alinhando as posições, checando exposições. Mas operam de modo independente.
Moreira Salles: Há diretores do Itaú indo ao Unibanco e vice-versa. As pessoas se conhecem.
Valor: Há o risco de, durante o longo período de integração, o banco perder a competitividade?
Setubal: Já orientamos as equipes que temos metas de venda, orçamentos. Tudo tem que ser cumprido. Vamos continuar correndo atrás dos clientes e disputando o mercado. Evidentemente, haverá pessoas concentradas na integração. Mas, a maior parte da companhia estará voltada para o mercado.
Valor: A discussão sobre as marcas avançou?
Moreira Salles: A gente combinou que a questão afetiva dos nomes ficará na marca da companhia, que chama Itaú Unibanco. As outras serão definidas racionalmente, preservando o máximo de valor possível, tendo em vista a empatia de cada uma. Os sócios são pessoas racionais, apesar de cada um ter sua carga de afeto com as marcas.
Setubal: Temos o compromisso de fazer sempre o melhor para o banco. Vamos olhar com pesquisas, examinar com cuidado porque essa questão de marca é delicada, os clientes têm suas preferências, gostam, se identificam. A gente quer trabalhar muito junto do desejo do cliente. Existem várias marcas envolvidas, não apenas Itaú e Unibanco, há o Uniclass, Personnalité, HiperCard, Trinta Horas, Fininvest, enfim, uma série de marcas estão envolvidas.
Valor: Em quais áreas o banco será imbatível?
Setubal: O banco será altamente competitivo em todos os segmentos que for atuar. E vamos aumentar a competitividade. Partimos de uma boa base.
Moreira Salles: Temos uma plataforma financeira muito equilibrada, com 65% a 70% do negócio no varejo; e o saldo no atacado. É o que se precisa para ter distribuição de risco adequada, pulverização do crédito e da captação; capacidade de atender as grandes contas sem ficar excessivamente concentrado. Terá também presença forte em cartões, financiamento ao consumo e mercado de capitais.
Setubal: Seremos imbatíveis em talentos internos pela qualidade das pessoas e pelas equipes excelentes. A soma vai dar uma empresa imbatível.