Evento realizado em Curitiba focou saúde, trabalho e direitos humanos
O Sindicato dos Bancários de Curitiba e região, em parceria com o Instituto Declatra e a A&R Advogados, promoveu nos últimos dias 7 e 8 o Seminário “Métodos de gestão e adoecimento dos trabalhadores”, no Auditório do MPT-PR, na capital paranaense. Com caráter interdisciplinar, o evento contou com a participação de médicos do trabalho, advogados, juristas e acadêmicos, além de dirigentes sindicais bancários, e debateu uma variedade de temas relacionados ao mundo do trabalho.
Trabalho e Direitos Humanos
Na palestra de abertura do seminário, intitulada “Trabalho, saúde e dignidade no Sistema Interamericano de Direitos Humanos”, o vice-presidente da Corte Interamericana dos Direitos Humanos (IDH), Roberto de Figueiredo Caldas, abordou o tema dos Direitos Humanos, sobretudo no continente americano, destacando o funcionamento da Corte e a importância de que o Brasil a utilize mais efetivamente.
“É preciso reconhecer e dar visibilidade ao sistema robusto e assentado de proteção aos Direitos Humanos que possuímos. Curiosamente, ele não é tão conhecido no Brasil, mesmo tendo a maior população entre os países que ratificou a Convenção Americana. Seja por nosso isolamento linguístico, nossa dimensão continental ou pelo período autoritário que vivemos há três décadas, estamos muito atrás em termos de ensino do Direito e precisamos trabalhar para melhorar isso. Afinal, o ponto de encontro de todos é a preocupação com o ser humano!”, resumiu Caldas.
Assédio moral que adoece
A primeira mesa do seminário tratou de “Métodos de gestão e saúde do trabalhador”. O presidente do Instituto Declatra, advogado e professor Wilson Ramos Filho (Xixo), fez uma breve contextualização do mundo do trabalho, ressaltando as mudanças nas relações de produção.
“A reestruturação produtiva significou a tentativa de transformar empresas pesada em empresas leves, de fácil gestão e mais ágeis no sentido de se dedicar apenas a sua vocação essencial. Com isso, vieram a desconcentração, a terceirização e um novo padrão de produção”, explicou Xixo.
A partir da década de 1990, no Brasil, novos métodos de gestão ganharam destaque: a valorização do desenvolvimento individual (como se cada um fosse responsável pelo seu próprio emprego); a gestão projeto a projeto; as avaliações individuais de desempenho; a aferição métrica da qualidade total dos produtos e serviços (com foco no cliente); a remuneração variável (com base em metas); mecanismos horizontalizados de gerência; e vigilância permanente. “Tudo isso resultou na percepção do assédio moral que adoece, como no caso do HSBC”, resumiu o advogado.
Ainda na primeira mesa, o médico Laerte Idal Sznelwar ressaltou a importância do trabalho propiciar o desenvolvimento pessoal, não apenas como instrumento de sobrevivência.
Tutela inibitória
O segundo dia do seminário iniciou com a mesa sobre “Tutela inibitória coletiva e ambiente de trabalho”. O juiz do TRT 23ª Região João Humberto de Cesário debateu a necessidade de uma ressignificação do direito do trabalho e da construção de um novo modelo juristrabalhista.
“É preciso pensar na redução dos riscos inerentes ao trabalho. Contudo, creio que um novo modelo só irá imergir a partir do diálogo entre o Direito do Trabalho e o Direito Ambiental. Precisamos privilegiar a jurisdição coletiva em detrimento da individual”, explicou o juiz.
“O modelo de ação não pode ser subjetivo e repressivo, pois o processo deve deixar de ser um instrumento técnico de declaração da lei e passar a ser um instrumento ético de tutela dos direitos”, concluiu.
Já o advogado Luiz Guilherme Marinoni definiu o conceito de tutela inibitória e sua importância no campo do Direito Trabalhista como alternativa de proteção. “Na tutela inibitória, a sentença determina a não prática ao ato contrário ao direito, mediante ao constrangimento. Se o ato contrário já se materializou e não se tem como inibi-lo, a única saída é remover os efeitos concretos da conduta ilícita”, resumiu Marinoni.
Ambiente de trabalho precarizado
Na terceira mesa do seminário, sobre “Direitos Humanos e o ambiente de trabalho”, a procuradora do Trabalho Adriane Reis de Araújo traçou um histórico dos métodos de gestão empresarial e como esta evolução precarizou o ambiente de trabalho.
“Após inúmeras transformações, chegamos a um modelo de gestão que usa a remuneração como forma de engajamento: deseja-se que o trabalhador vista a camisa da empresa, como se fosse o próprio dono. Assim, ele é estimulado a competir com os demais e a buscar capacitação e desenvolvimento individual. A preocupação com o trabalho extrapola a jornada, e o indivíduo mistura sua identidade pessoal com a identidade da empresa. Podemos dizer que, neste modelo, o trabalho não rouba apenas a força física do trabalhador, mas sua alma”, sentenciou Adriane.
Ao abordar o trabalho como um direito constitucional, a desembargadora Marlene Terezinha Fuverki Suguimatsu reforçou a tese de compreender o trabalhador como um ser humano e, portanto, como o verdadeiro fim de todas as criações. “Se a ética dos direitos humanos é a ética que vê no outro um ser merecedor de respeito, então, é possível vislumbrar uma profunda carência de direitos humanos no trabalho. Há uma verdadeira perversidade”, afirmou.
A desembargadora também ressaltou o fato das pessoas terem perdido a capacidade de se chocar com as circunstâncias perversas que envolvem o ambiente de trabalho. “Situações de assédio moral demonstram esta apatia”, exemplificou.
“Ter trabalho é um direito humano constitucional, mas é preciso que se ofereça trabalho em condições dignas. Com a gestão perversa, quebram-se Direitos Humanos. E essa crise só será superada com a redemocratização do ambiente de trabalho e a descoberta do trabalho decente”, concluiu.
Normalidade sofredora
A terceira e última mesa do seminário foi sobre “O trabalho e a normalidade sofredora”, abordando as causas e consequências da naturalização do sofrimento por meio do trabalho. O perito em Medicina do Trabalho do MPT, Elver Andrade Moronte, destacou a atual inversão na ordem de valores, como se a sociedade estivesse a serviço da economia. “O trabalho gera sofrimento ético quando o trabalhador é obrigado a ir contra suas convicções. E a consequência disso tudo é a descompensação patológica”, resumiu.
O professor e juiz do Trabalho, Leonardo Vieira Wandelli, reforçou a questão da dignidade humana acima de qualquer outro aspecto laboral. “Este é o fundamento que justifica toda a ordem jurídica”, afirmou. Para o magistrado, há um processo de construção subjetiva que leva a compulsão pelo trabalho.
Por fim, o psicólogo Roberto Heloani enfatizou a visão econômica da sociedade. “Fala-se em cooperação e solidariedade, mas institui-se um processo de gestão no qual a concorrência é fundamental para a própria sobrevivência. Dificilmente você encontra um sistema tão perverso ao mesmo tempo em que prega a colaboração”, argumentou.
Ambiente saudável para o trabalhador
A conferência de encerramento do seminário foi com o do ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Cláudio Mascarenhas Brandão, sobre “Direito fundamental à saúde do trabalhador: avanços e retrocessos”. Brandão citou inúmeros casos com que já se deparou durante a sua carreira de magistrado, inclusive de bancário, que expõem situações nas quais o trabalhador foi privado de sua saúde física e mental.
“O trabalho tem uma relação direta com a noção de saúde e, muitas vezes, é causa de adoecimento. Mas, curiosamente, o trabalho também é instrumento de emancipação social. De uma maneira ou de outra, todos têm no trabalho uma condição de vida e faz do trabalho seu modo de evoluir como pessoa, não digo materialmente, mas projetando seus sonhos, sejam eles quais forem, materiais ou não, e trabalhamos para alcança-los”, concluiu Brandão.