Na avaliação de movimentos sociais, ONGs e do próprio Conselho Internacional do FSM, a crise global na economia obrigou o Fórum a entender a questão amazônica dentro deste contexto e reforçou a necessidade de alternativas ao modelo de desenvolvimento capitalista.
Carta Maior
Bia Barbosa
BELÉM – Choveu. Choveu muito no início da marcha de abertura do FSM 2009, na tarde desta terça (27). Depois, saiu um sol forte. Tudo o que se ouvia na ala final da caminhada, que partiu do Cais do Porto em direção à Praça do Operário, no Bairro de São Braz, era: “menos carro e mais bicicleta”. O grito foi puxado pelos ciclistas que ali estavam e levantaram suas bicicletas. Também teve muito paraense dizendo: “Belém é assim mesmo, chove todo dia”. Mas a mensagem ficou clara para as mais de 60 mil pessoas que se dispuseram a molhar o corpo para fazer uma bela abertura do Fórum: estamos maltratando nosso planeta e a natureza está dando sua resposta.
Segundo o Greenpeace, a temperatura média da Terra subiu 1,4° C nas últimas décadas. Se ultrapassarmos uma elevação de 2°C, o aquecimento global pode ser irreversível. Geleiras vão derreter mais depressa, liberar o metano que têm preso e a temperatura subirá mais rápido. Entraremos em um ciclo de desaparecimento de espécies, cujas conseqüências para o ecossistema são inimagináveis.
“Há muito tempo alertamos para isso, mas parece que agora que o mundo percebeu a urgência da questão”, diz Rebeca Lerer, coordenadora da campanha que o Greenpeace lança neste Fórum para salvar o planeta, intitulada “É agora ou agora”, que defenderá o desmatamento zero da Amazônia. A organização trouxe para a marcha de abertura uma grande vaca inflável, para denunciar o papel predatório da pecuária na devastação da floresta. “O Brasil é o quarto país em emissões de efeito estufa, e 75% dessas emissões são provenientes do desmatamento. Então temos uma contribuição muito grande a dar neste debate”, acredita.
Em uma conjuntura de crise econômica global, Rebeca é enfática ao afirmar que o mundo demorou para ver que essas questões estão todas ligadas. Trata-se, portanto, de um debate sobre o sistema capitalista e o modelo de desenvolvimento em vigor no mundo, cujas conseqüências mais visíveis no momento são a crise econômica e a crise ambiental. Na avaliação de movimentos sociais, ONGs e de membros do próprio Conselho Internacional do Fórum Social Mundial, este será o principal tema de discussão nesta edição do FSM.
“Estamos na Amazônia, ponto focal de uma das maiores crises que o mundo já conheceu. O Fórum será um espaço para o mundo ver de perto o que está acontecendo aqui e que alternativas estão sendo propostas. Virá com mais força o alerta global de como a ganância do sistema destrói a Terra”, acredita Francisco Whitaker, do Conselho Internacional.
Para Nalu Faria, da Marcha Mundial das Mulheres, a crise do modelo econômico a ser debatida no Fórum também deve ser discutida no marco da crise energética e ambiental, incluindo obrigatoriamente uma reflexão sobre o modelo de produção e de consumo adotados globalmente, que se tornaram insustentáveis. Para as feministas, há uma conexão clara entre o modelo capitalista, as desigualdades sociais e a destruição do planeta. “Esta é uma pauta que precisa ser de todos e todas, porque é um campo em disputa. O pensamento hegemônico, que está na cabeça das pessoas, veiculado pelos meios de comunicação, aponta para uma resposta individual para salvar o planeta, quando o que precisa ser debatido é o modelo”, avalia.
Os indígenas, presentes em grande número na marcha desta terça-feira, concordam. “É o avanço das multinacionais que chega atropelando nossos territórios, saqueando nossa água, nossos bosques, a riqueza natural. Antes havia uma economia que não havia fome, que não matava crianças. Hoje os indígenas são os mais pobres dos mais pobres. O modelo está em crise mas não está morto. Por isso, precisamos fazer este debate no FSM”, acredita Jorge Ñancucheo, da CAOI – Coordinadora Andina de Organizações Indígenas, que veio para Belém com 200 indígenas de diferentes povos da Argentina, Chile, Peru, Bolívia, Equador e Colômbia. As organizações indígenas estão preparando para o dia 12 de outubro – data da chegada dos europeus ao continente – uma grande mancha mundial em defesa da mãe terra.
De fato, a luta por um novo modelo, já pautada no ano passado pela divulgação dos números do aquecimento global, ganhou relevância no seio da programação do Fórum com o aprofundamento da crise econômica. Qualquer alternativa à crise precisa levar em consideração a questão ambiental e a sustentabilidade.
“Cada Fórum tem a sua especificidade, mas a crise obrigou o Fórum a entender a questão amazônica dentro deste contexto e reforçou a necessidade de alternativas ao desenvolvimento. E essa alternativa não pode ser salvar o capitalismo, que é o que Davos quer fazer”, disse durante a marcha Moacir Gadotti, do Instituto Paulo Freire. “O Fórum será mais uma vez inspirador. Estamos criando um movimento social global que só tende a crescer. Davos não sabe onde esconder a sua cara e nós estamos em festa aqui em Belém”, completou Candido Grzybowski, diretor geral do Ibase e membro do Conselho Internacional do FSM.
Com muita chuva e muito sol, a marcha de abertura do FSM 2009 foi mesmo uma festa. Começou com um encontro entre negros e indígenas, numa passagem simbólica da última edição ocorrida no Quênia, na África, em 2007, para esta na Amazônia. E terminou, num grande palco montado em São Braz, com dezenas de manifestações dos povos originários da região. Tudo regado a samba e muito batuque. Mais uma vez, a diversidade será a cara do Fórum, que tem desta vez a tarefa de trazer à tona o que o mundo pode fazer para se salvar. Antes que seja tarde.