Valor Econômico
Cristiano Romero e Luciana Otoni
Os ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Planejamento, Miriam Belchior, durante anúncio do corte de R$ 50 bilhões nas despesas do governo em 2011: “Não vai ser sem dor”, disse a ministraSurpreendido pelo aumento da inflação, o governo anunciou ontem corte de R$ 50 bilhões nas despesas previstas no Orçamento Geral da União deste ano. A divulgação do ajuste foi antecipada depois que o IBGE revelou que, no primeiro mês do ano, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o índice oficial de inflação, chegou a 0,83%, a maior alta em seis anos.
A decisão de antecipar o anúncio do corte de gastos, que só seria feito amanhã ou na próxima segunda-feira, foi tomada, na terça-feira, durante reunião no Palácio do Planalto que contou, inclusive, com a participação do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini. O encontro, que avaliou os riscos que a economia brasileira corre neste início do governo Dilma Rousseff, terminou perto da meia-noite.
Na reunião, Tombini explicou que, embora o país esteja enfrentando um choque de preços, provocado principalmente pelas commodities, a inflação está sendo fortemente pressionada pela demanda interna, que está super aquecida desde o ano passado. Nos 12 meses concluídos em janeiro, o IPCA acumulou variação de 5,99%, índice bem superior à meta oficial de inflação (4,5%).
O presidente do BC, segundo fontes ouvidas pelo Valor, explicou que a inflação corrente elevada está contribuindo para deteriorar ainda mais as expectativas dos agentes econômicos. Um outro argumento mencionado foi o de que o mercado espera três elevações da taxa básica de juros (Selic) até junho, segundo consta do Boletim Focus, o que a elevaria para 12,5%.
A melhor maneira de enfrentar esse quadro, argumentou-se na reunião, é usar medidas de política monetária – aumento da taxa de juros e adoção de medidas macroprudenciais, como já vem fazendo o BC – e diminuir o consumo do setor público, o que ajudaria a conter o aumento da demanda agregada. Tombini deixou claro que, quanto mais cedo o governo anunciasse os cortes orçamentários, melhor seria para a reversão das expectativas. Ele defendeu que o governo emitisse logo uma “mensagem clara” à sociedade.
O presidente do BC foi convincente. Sua visão, manifestada no encontro com a presidente Dilma Rousseff, foi além da opinião do ministro da Fazenda, Guido Mantega, para quem a inflação está em alta por causa do choque de preços de commodities e da alta sazonal dos preços administrados, fatores que, na opinião dele, perderão força ao longo dos próximos meses, diminuindo a pressão inflacionária. Essa avaliação vinha prevalecendo dentro do governo.
Ontem, pela primeira vez, Mantega admitiu que a despesa do setor público é fator de indução do consumo e de aquecimento excessivo da economia. “Os gastos do governo estão diminuindo e exercerão pressão menor sobre a demanda”, afirmou.
Ao anunciar a decisão do corte orçamentário, Mantega e a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, não revelaram detalhes. Isto só será feito na próxima semana, quando Fazenda e Planejamento concluírem a redação do decreto de programação orçamentária e financeira. Provavelmente, o governo adiou o detalhamento para evitar problemas na votação no Congresso, prevista para os próximos dias, que definirá o valor do salário mínimo de 2011.
Segundo um assessor graduado governo, as emendas coletivas de parlamentares ao Orçamento serão totalmente suprimidas. E as individuais serão renegociadas caso a caso. “Não vai ser sem dor”, advertiu a ministra do Planejamento Miriam Belchior. Uma das áreas que mais serão afetadas é a do Ministério da Defesa, que deverá ter uma série de despesas adiada.
Ainda na reunião para tratar dos cortes, a presidente Dilma decidiu relacionar, na negociação política com o Congresso, o reajuste do salário mínimo com os cortes no orçamento. A ideia é mostrar que, quanto maior for o aumento do mínimo, maior será o ajuste no orçamento.
O corte de R$ 50 bilhões abrangerá, segundo Mantega e Miriam, todos os ministérios e órgãos públicos, incluindo o BNDES, e será concentrado nas despesas de custeio. Os programas sociais e os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) serão preservados.
Até o momento, o corte é sustentado por seis grupos de medidas: revisão de nomeações e concursos para contratação de 40 mil servidores; diminuição de emendas parlamentares; redução de 50% dos gastos com diárias e passagens aéreas; proibição da aquisição de veículos de uso administrativo; vedação de aquisição de imóveis; e reforma de prédios públicos.
O governo decidiu, também, contratar a Fundação Getúlio Vargas (FGV) para fazer uma auditoria externa na folha de salários dos funcionários públicos. O objetivo é detectar fraudes no pagamento de gratificações e aposentadorias.
Para chegar aos R$ 50 bilhões, a área econômica fará um ajuste no Orçamento aprovado pelo Congresso. A receita líquida será reduzida de R$ 819,7 bilhões para R$ 801,7 bilhões e as despesas primárias, reavaliadas de R$ 769,9 bilhões para R$ 719,9 bilhões. A revisão dos dispêndios se concentrou sobre o montante de R$ 213 bilhões das despesas discricionárias (não-obrigatórias).
Ao fazer as adequações, Fazenda e Planejamento reestimaram, de 5,5% para 5%, a previsão de crescimento do PIB para 2011, que chegaria ao fim do ano somando R$ 4,056 trilhões. Além disso, o governo elevou a previsão do salário mínimo de R$ 540,00 para R$ 545,00.
Ao informar os novos parâmetros, Mantega disse que o corte foi feito para viabilizar o cumprimento da meta nominal de superávit primário de R$ 117,9 bilhões, dos quais, R$ 81,8 bilhões são de responsabilidade do governo central. No ano passado, o cumprimento da meta só foi possível graças ao ingresso de R$ 32 bilhões em recursos provenientes da cessão onerosa de 5 bilhões de barris de petróleo da União à Petrobras. Em 2011, não haverá essa receita.
O ministro da Fazenda informou ainda que as medidas atingirão o BNDES, que terá orçamento menor que o de 2010 e será obrigado a oferecer financiamentos com subsídio menor do Tesouro.