O jornal Valor Econômico publica nesta quinta-feira 10 um editorial sobre os bônus milionários pagos pelos bancos a seus altos executivos, no exterior e no Brasil. No texto, o jornal defende a necessidade de haver maior controle sobre esse tipo de premiação por resultados de curto prazo – uma das causas da crise financeira de 2008 que quase arrastou a economia mundial à bancarrota e custou 20 milhões de emprego em todo o planeta.
Confira a íntegra do editorial do Valor:
Reforma financeira chega aos bônus dos banqueiros
A aproximação da temporada de distribuição de bônus de fim de ano esquentou o debate sobre a necessidade de se limitar os ganhos exagerados dos banqueiros. Gratificações astronômicas que incentivam operadores a correr riscos desmesurados para lucrar a curto prazo e premiam mesmo quando a empresa fecha no vermelho foram consideradas uma das raízes da maior crise desde 1929, que sacudiu os mercados em 2008.
Por isso, o tema faz parte do conjunto de reformas estudadas para evitar novas turbulências pelo G-20, que reúne as 19 economias mais desenvolvidas do mundo mais a União Europeia. Os países do G-20 se comprometeram a adotar políticas mais rígidas em relação à remuneração nos bancos para conter o risco embutido nessas práticas.
A ideia mais radical até agora é do Reino Unido, que teve que socorrer a maior parte do sistema financeiro local. O governo inglês anunciou ontem que vai taxar em 50% os bônus dos banqueiros. O imposto extraordinário vai atingir os bônus acima de 25 mil libras (US$ 40,7 mil), concedidos por bancos britânicos ou pelos que têm agências ou subsidiárias no Reino Unido.
Os bancos reagiram mal. Para eles, a taxação afeta a competitividade e pode causar um êxodo de empresas da City de Londres. Banqueiros de outros países pensam igualmente. Quando as autoridades francesas criticaram as remunerações exorbitantes do setor financeiro, o presidente do BNP Paribas, Baudouin Prot, afirmou que “condições iguais para todos os bancos nesta questão são absolutamente vitais”.
O modelo americano é o mais criticado. Ninguém digeriu o fato de o Goldman Sachs ter provisionado US$ 16,7 bilhões neste ano para distribuir em bônus, o que dá US$ 527.192 por funcionário por nove meses de trabalho.
Nem todos os países estão no mesmo estágio de combate ao problema. O primeiro passo é divulgar os pacotes de remuneração dos executivos mais graduados. Bancos britânicos fazem isso há algum tempo. Já é tradicional em toda assembleia anual do HSBC o “chairman” ser duramente questionado a respeito do que fez para merecer tudo aquilo.
No Brasil, essa informação começou a ser divulgada neste ano. De acordo com levantamento feito pelo Valor (2/12), os três maiores bancos privados do país, Itaú Unibanco, Bradesco e Santander, pagaram R$ 890 milhões aos seus administradores nos nove primeiros meses deste ano. A cifra inclui salários, contribuições a planos de previdência e, dependendo do caso, participação nos lucros e outorga de ações. A remuneração dos executivos corresponde a 5,36% do lucro dessas instituições no período.
A intenção das autoridades é permitir que os acionistas saibam como as empresas estão alocando seus recursos, além de evitar que a remuneração seja usada pelos bancos para incentivar resultados de curto prazo, colocando em risco a sustentabilidade do negócio no médio e longo prazo.
As regras ficarão mais rígidas com a adoção dos princípios estabelecidos pelo Financial Stability Board (FSB), criado em abril pelo G-20. O FSB estuda propostas de fortalecimento do sistema financeiro internacional de vários ângulos. Em relação à remuneração dos banqueiros, a ideia é não incentivar a tomada excessiva de risco com gratificações maiores, o que torna o bônus pró-cíclico.
O relatório final deve estar pronto em março e seu espírito é ajustar o retorno do banqueiro ao risco e à performance geral da empresa. O FSB defende que as compensações variáveis não devem ser concedidas em cima de receita potencial futura e sim diferidas no tempo, conforme o resultado esperado for se confirmando.
O tamanho da compensação variável deve levar em conta o custo e a quantidade de capital necessário para bancar o risco assumido. Além disso, ela não deve restringir a capacidade da instituição financeira de reforçar o capital. Os supervisores devem até limitar a compensação variável a um percentual das receitas líquidas totais, chega a indicar o FSB. Todas as políticas de compensação devem ser estabelecidas por um comitê e amplamente divulgadas.
As recomendações são tão sensatas que custa a crer que até agora as regras eram diferentes.