Terceirizar atividade-fim é ignorar compromisso de trabalho decente

Reunião do Fórum em Defesa dos Trabalhadores Ameaçados pela Terceirização

Em 2012, a CNI (Confederação Nacional das Indústrias) apresentou 101 propostas para aquilo que definiu como “modernização trabalhista”. Entre elas, a regulamentação da terceirização por meio do Projeto de Lei 4.330/2004, que estende também para a atividade principal da empresa (atividade-fim) esse modelo de contratação.

O projeto foi engavetado em 2013 por conta da mobilização do movimento sindical comandado pela CUT, mas a pauta seguiu como estratégica para a ofensiva patronal.

Esgotadas as possibilidades no parlamento, os empresários migraram para o Supremo Tribunal Federal (STF), que declarou repercussão geral ao processo da empresa Cenibra (Celulose Nipo Brasileira). A companhia foi condenada a pagar R$ 2 milhões em uma ação civil pública movida pelo Ministério do Trabalho, em 2006, por terceirizar toda a cadeia produtiva.

Com a decisão do STF, não é mais a questão específica da companhia que está em julgamento, mas sim se a terceirização da atividade-fim será permitida no país. Decisão que passará a referendar os demais julgamentos sobre o tema.

A decisão do Supremo deu origem a ação dos setores de agronegócio e call centrer para os quais a limitação na forma de contratação vai contra o preceito constitucional de livre iniciativa para contratação.

Para representantes do Direito do Trabalho, porém, não apenas a argumentação é frágil, como todo o processo levanta uma série de dúvidas.

“A Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) se surpreendeu quando esse assunto chegou ao STF com a repercussão geral, porque a súmula 331 do TST – norma do Tribunal Superior do Trabalho que serve de referência para a terceirização e impede que se estenda à atividade-fim – existe desde a década de 1990 e essa repercussão geral nunca foi reconhecida”, estranha o diretor de assuntos jurídicos da associação, Guilherme Feliciano.

Dignidade acima de tudo

Em encontro ocorrido nesta segunda-feira do Fórum em Defesa dos Trabalhadores Ameaçados pela Terceirização, na sede da Contraf-CUT, em São Paulo, ele destacou que para a Anamatra outros valores constitucionais envolvidos neste debate devem ser considerados.

“Temos levar em conta a dignidade e integridade psicossomática do trabalhador, o pleno emprego e o trabalho decente, que é um compromisso assumido pelo Brasil com a Organização Internacional do Trabalho (OIT)”, alerta.

Feliciano lembra ainda que a Constituição determina à propriedade uma função social e isso inclui os meios de produção. “O valor maior da Carta Magna é a dignidade da pessoa e não a livre iniciativa. Uma atividade que seja pensada apenas para diminuir custos com a redução e sonegação de direitos sociais representará uma empresa cumpridora de sua função social?”, pergunta.

Audiências

Para o diretor da Anamatra, diante de uma questão que envolve tantas polêmicas, o STF deve convocar uma audiência pública para ampliar o horizonte dos ministros sobre as questões envolvidas nessa repercussão geral. E caberá às centrais humanizar as questões que envolvem os trabalhadores terceirizados, como salários menores, menos tempo de treinamento, maior rotatividade e maiores jornadas.

“As centrais cumpriram seu papel no Congresso e é o momento de participarem desse agravo levando aos ministros os mesmos subsídios que levaram ao parlamento para que, além dos dados jurídicos, tenham também acesso aos dados da realidade”, defendeu.

Agenda positiva de Dilma

O secretário de Organização da Contraf-CUT, Miguel Pereira, ressalta que o PL 4330 dialoga com todos os interesses do capital nacional e estrangeiro, que buscam flexibilizar direitos no mundo todo.

Ele lembrou, porém, que a agenda vencedora nas últimas eleições foi da manutenção e não da retirada de direitos.

“O projeto vitorioso afirmou o interesse dos trabalhadores e o movimento sindical cobrará esses compromissos que foram base da campanha eleitoral e determinou o voto de muitos eleitores que acreditaram no compromisso da presidente da não mexer na CLT. O projeto que a presidenta Dilma apresentou à nação não aceita a extinção de conquistas trabalhistas e o tratamento diferenciado e discriminatório entre trabalhadores da mesma categoria. Inclusive, com o fim da categoria profissional, já que duas pessoas farão a mesma coisa no mesmo ambiente de trabalho, mas terão tratamento diferenciado”, lembrou.

Pereira disse que a Contraf-CUT se reunirá ainda nesta semana com a bancada de parlamentares ligados aos bancários para discutir estratégias para barrar retrocessos na Câmara e Senado.

Além disso, o Fórum apresentará uma carta que será enviada à presidenta Dilma com os pressupostos que defende desde a elaboração de um projeto de lei, em 2009, com a contribuição de centrais sindicais, Ministério do Trabalho e Ministério da Justiça. O texto permanece parado na Casa Civil.

“Vamos indicar que consideramos importante a regulamentação, mas que seja protetora dos direitos do trabalhador e que garanta a responsabilidade solidária da empresa, a igualdade de direitos no local de trabalho e que as atividades principais não sejam terceirizadas. Temos que recolocar para a presidenta que o 4330 em nada se aproxima de uma lei que proteja o trabalho. Com essa proposta não temos acordo e contamos com o apoio dela, inclusive, para retomar o projeto de lei parado na Casa Civil e que precisa ser encaminhado ao Congresso.”

Movimentos sociais

Dirigente da Intersindical, Alexandre Caso indicou a necessidade de os movimentos sociais estarem junto com o movimento sindical na defesa dos direitos trabalhistas que representam mais um round da disputa entre os setores progressistas e conservadores.

“O acirramento das eleições aproximou mesmo quem não estava próximo ao governo, ao PT e à candidatura da Dilma, para enfrentar a ameaça de retrocesso social representada pelo Aécio Neves e o PSDB. Os diálogos estão avançando a partir dessa disputa e acredito que a resistência contra o PL 4330 pode aproximar os movimentos sociais, porque é um ataque sem precedentes. Estamos todos do mesmo lado, a pauta é comum e afetará a todos”, concluiu Alexandre.

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