A terceirização é antes de tudo uma estratégia política para enfraquecer o movimento dos trabalhadores. A afirmação é do juiz Grijalbo Coutinho, autor de livro sobre o assunto, que foi um dos palestrantes da segunda mesa de debate do seminário A Terceirização e os Impactos no Mundo do Trabalho, realizado nesta sexta-feira, dia 27, na sede do Sindicato dos Bancários de São Paulo.
A mesa sobre Balanço e Perspectiva de Implementação de Práticas de Terceirização no Brasil foi mediada pela presidenta do Sindicato, Juvandia Moreira, e reuniu ainda o deputado federal Vicentinho (PT-SP), o assessor do secretário-geral da Presidência da República, José Lopes Feijóo, e o juiz do TRT da 2ª Região, Gabriel Lopes Coutinho Filho.
“A terceirização não é só uma forma de diminuir os custos do empregador com mão-de-obra. Antes disso, ela tem um objetivo político que é o de fragilizar o movimento sindical.” Grijalbo salientou que o processo de terceirização está cada vez mais forte e que as empresas caminham para se tornarem grandes marcas, com suas atividades produtivas distribuídas por diversas empresas menores. “Isso está acontecendo no mundo inteiro e coloca em jogo o modelo das relações de trabalho. Por isso, o processo de terceirização é hoje o tema mais importante das relações trabalhistas”, afirmou.
Os bancos brasileiros seguem esse mesmo caminho, ressaltou Grijalbo. “Querem se transformar em grandes marcas, transferindo sua atividade central para outras empresas, onde esse trabalho será feito por funcionários descartáveis e super explorados.”
Banco Central
E o Banco Central (BC), criticou o juiz, é conivente com esse processo. “A autoridade monetária do país legitima a terceirização.” Por meio de resoluções publicadas no início do ano, o BC ampliou as funções dos correspondentes bancários.
BC, ressaltou, arvora-se no direito de interferir nas relações entre bancários e bancos, e interpreta a Constituição fundado na livre iniciativa. “Compete ao Banco Central fiscalizar o sistema financeiro, mas ele não pode regular as relações de trabalho, essa é uma tarefa exclusiva do Congresso Nacional. O BC não tem o direito de permitir que a relação de trabalho seja terceirizada. A não ser que se entenda que as relações de trabalho são periféricas e o que interessa é o sistema financeiro”, denunciou.
Para ele, a luta contra a terceirização é muito mais da esfera política que da jurídica. “A terceirização é incompatível com o direito do trabalho que foi construído pelo movimento social e não se mantém sem a organização dos trabalhadores. Antes do Judiciário, é a organização sindical e política que faz esse direito ser ou não forte.”
Autocrítica
Foi sob essa perspectiva que Feijóo iniciou sua fala. Ex-metalúrgico do ABC e com 30 anos de movimento sindical, ele convidou os dirigentes sindicais a fazerem uma reflexão. “Assisti no meu local de trabalho todo esse processo (de terceirização). E não podemos deixar de avaliar a nossa culpa nisso, senão erramos no combate.”
A CUT, lembrou Feijóo, nasceu para combater a velha estrutura sindical brasileira, que instituiu o imposto sindical, para implementar o sindicalismo no local de trabalho e para lutar pela liberdade sindical. “Se tivéssemos conquistado isso, não teríamos esse problema que estamos discutindo agora.”
Esse processo, afirmou, tem de ser combatido com um novo modelo de sindicalismo. “Esse processo tem de ser enfrentado por nós com um novo modelo de movimento sindical, onde os trabalhadores possam escolher a que sindicato querem se filiar.” Enquanto for o empregador que determinar a qual sindicato o trabalhador deve se filiar, acrescentou, “o movimento vai se pulverizando em diversos pequenos sindicatos”.
Feijóo salientou ainda que, apesar de “estarmos no terceiro mandato de um governo democrático popular”, onde os sindicatos têm mais espaço, a luta deve seguir organizada e tem de haver pressão popular.
Congresso
“Quem faz as leis são o Legislativo e o movimento sindical, quando transforma conquistas em cláusulas da convenção coletiva da categoria”, ressaltou Vicentinho, autor de dois projetos de lei para combater a terceirização: o PL 1621/2007, que tramita na Câmara, e o PL 6363/2005, que segundo ele “sequer andou”.
O deputado informou que na quinta-feira, dia 26, a Câmara aprovou um projeto que acaba com a terceirização na Casa. Apesar das conquistas, disse, a terceirização é uma realidade.
“A terceirização está no nosso dia a dia. Enquanto muitos trabalhadores perdiam seus direitos, nós relutávamos em apresentar projetos para regulamentar a terceirização porque para nós o ideal era acabar com a terceirização.” O problema, segundo ele, é que enquanto isso alguns parlamentares apresentavam projetos para ampliar o processo, citando como exemplo o PL do deputado Sandro Mabel (PR-GO).
Fraude trabalhista
O juiz do TRT da 2ª Região criticou a omissão do Congresso, que deveria ser o principal regulamentador das relações trabalhistas. “Por conta da ideia de que nosso Congresso não tem força, esse papel acaba sendo atribuído ao Judiciário, que é chamado para ocupar uma lacuna do Legislativo”, criticou.
“E na magistratura de primeira instância temos tido de fato uma contribuição fundamental no sentido de trazer cidadania a essas relações”, acrescentou. Coutinho abordou a terceirização como um mecanismo de fraude trabalhista e citou números.
“Os terceirizados ganham cerca de 40% do salário do funcionário da empresa mãe, e a terceirizada ainda economiza nos encargos trabalhistas, que de 75% do salário passam a 30%. Esse dinheiro deixa de ir para entidades de proteção do trabalhador. Isso se chama fraude trabalhista”, disse.
O juiz lembrou ainda que os empregados terceirizados são facilmente mandados embora e em geral têm baixa qualificação. “Enquanto no trabalho especializado a qualidade é fundamental, no terceirizado a intenção é diminuir custos.”
Coutinho ressaltou ainda que as empresas têm, cada vez mais, terceirizado suas atividades-fim. “A Nike, por exemplo, não tem uma fábrica sequer. Ela é uma grande empresa de comunicação e desenho, e as fábricas que executam seus produtos estão espalhadas pela China, Uzbequistão e outros países onde a mão-de-obra é barata.”
Ele citou ainda um estudo de 2008 da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE) de São Paulo que identifica uma série de irregularidades e estratégias para fraudar as relações de trabalho, entre elas a contratação de pessoa jurídica (PJ) como empregado; a existência de diversas cooperativas irregulares; pagamentos não contabilizados; falta de contrato com prestadoras; desrespeito ao princípio de isonomia, especialmente o salarial; desrespeito à legislação trabalhista nas terceirizadas; e a substituição de funcionários por estagiários.
“Ao terceirizar, o empregador fragmenta a percepção de coletivo dos trabalhadores, enfraquece sua capacidade de mobilização e prejudica o amadurecimento do movimento social. A terceirização está inserida na lógica do sistema capitalista”, concluiu.