Fernando Torres
Valor Econômico – São Paulo
Embora a atenção dos agentes de mercado tenha se fixado até agora no aumento do capital que os bancos terão que fazer para sustentar suas carteira de crédito por causa de Basileia 3, as regras prudenciais trazidas pelo novo acordo, que já começa a ter efeitos, vão muito além disso.
O objetivo do Comitê de Basileia, órgão que determina padrões a serem seguidos pelas instituições financeiras no mundo todo, é estabelecer um arcabouço que ataque não apenas o nível mínimo de capital próprio dos bancos em relação aos ativos ponderados pelo risco (como fazem as regras vigentes), mas também a liquidez dessas entidades, que busque um mínimo de adequação de prazo entre passivos e ativos e também imponha limites para a alavancagem total dessas instituições.
Soma-se a isso a criação de instrumentos que obriguem a conversão de dívida em ações em casos de estresse financeiro, limites para grandes exposições a um único credor e o estabelecimento de uma lista de 28 bancos importantes do ponto de vista de risco sistêmico global, que vem junto com a obrigação de que cada um deles tenha uma espécie de “testamento” preparado para o caso de falência.
A meta não é evitar que outras crises ocorram, o que seria impossível. Mas reduzir o risco de elas existirem e tentar diminuir o tamanho da conta que, nessas ocasiões, sempre acaba caindo no colo do setor público, ou melhor, dos contribuintes.
Isso quer dizer que, numa nova crise, os bancos não terão que ser resgatados? “Não há como prever o futuro. Mas vale a pena ter regras e uma metodologia preparada ‘ex ante’ para poder se guiar quando houver problema. Isso aumenta a chance de lidar com a crise de forma mais ordenada”, disse o presidente do Comitê de Basileia, Stefan Ingves, em entrevista exclusiva ao Valor, em São Paulo.
Para ele, que diz ter “esperança” de que os bancos tenham aprendido algo, a questão principal é a alavancagem. Monitorar se ela está crescendo muito e ter como detectar isso cedo o suficiente para não ser pego de surpresa.
Das etapas previstas no acordo de Basileia 3, e que já estão em implementação em 71 países, as que estabelecem o capital mínimo ponderado pelo risco dos ativos de 9,5% (incluindo os colchões extras) e a que trata da liquidez são as mais adiantadas.
“Os níveis de capital cresceram em muitos bancos, de diversos países, e há um ajuste gradual para melhora no nível de liquidez. Muitas coisas estão se movendo na direção correta”, afirmou Ingves, ao defender que o sistema financeiro já está mais seguro hoje do que antes da crise, mesmo que as novas regras só entrem em vigor plenamente a partir de 2019.
De acordo com ele, que também é presidente do Banco Central da Suécia, isso ocorre não só por pressão de reguladores de alguns países, que podem impor regras mais rigorosas. “Quando os bancos sabem que existe um acordo para que o nível de capital seja maior em determinada data no futuro, eles começam a se mexer quase que imediatamente.”
Ingves reconhece que existe um temor de que o estabelecimento de regras mais rígidas para capital próprio dos bancos reduza a oferta de crédito, o que poderia atrapalhar a recuperação econômica ainda incipiente em muitos países. Ele, contudo, rebate esse argumento. “Os técnicos fizeram vários cálculos e mostram que efeito líquido para a sociedade é um ganho. O lado positivo de se reduzir a chance de futuros desastres financeiros é maior que as consequências negativas”, afirma ele, ao mostrar gráficos que mostram a perda em termos de Produto Interno Bruto (PIB) ocorrida em vários países por causa da recente crise.
Na agenda do Comitê de Basileia, entre as próximas tarefas está o detalhamento do cálculo da alavancagem máxima dos bancos, medida pela razão entre o capital próprio e os ativos – incluindo quase todos que ficam fora do balanço. Embora o limite seja de 3%, ele diz que há discussões sobre quais ativos “off-balance” (fora do balanço) devem entrar na conta.
Ingves diz que essa medida é complementar à usada para o capital mínimo. “O índice de capital é baseado em pesos de risco para os ativos, o que exige modelos e julgamento. O limite de alavancagem não tem pesos. Ele diz basicamente que, dado um tamanho de patrimônio líquido, seu balanço não pode crescer indefinidamente.” Assim, se houver algum problema na ponderação de risco, o limite máximo de alavancagem é uma medida extra de segurança.
Outra regra que está na fila, e deve ficar pronta em cerca de um ano, é a que traz a exigência de que para cada real em empréstimos de longo prazo haja no mínimo a mesma quantia em depósitos com vencimento em mais de um ano do lado do passivo, o que pode trazer consequências no Brasil, onde é comum que captações com liquidez diária financiem créditos longos. “Mas não será exigido um ‘casamento’ perfeito em termos de prazo”, destacou Ingves, que participou na sexta de seminário organizado pelo Banco Central (BC).
A lista de trabalhos futuros do Comitê de Basileia inclui também, lembra ele, itens variados como derivativos negociados fora de bolsas, securitização e a adaptação de todos esses temas às novas regras contábeis sobre instrumentos financeiros, que têm tomado rumos divergentes nos Estados Unidos e na Europa.
Ingves diz que seria “muito positivo” se os responsáveis pelos padrões US Gaap e IFRS chegassem a um acordo. Mas que uma saída seria o próprio Comitê de Basileia “escrever recomendações sobre como os bancos teriam de lidar, por exemplo, com perdas em operações de crédito”.
Questionado se em 2019, quando Basileia 3 entrar em vigor, será necessária a Basileia 4, Ingves respondeu. “Esse é um trabalho que não termina. Se o mundo fosse estático só teríamos a Basileia 1.”