Após mais de seis anos em tramitação, o projeto que altera o estatuto da igualdade racial no país promete percorrer longo caminho até chegar ao plenário do Senado. Os parlamentares da Comissão de Constitução e Justiça (CCJ) sinalizam entraves para a votação da proposta. Após cortes substanciais na Câmara, o projeto deve entrar 2010 enfrentando novas baixas comparado à proposta inicial.
A última tentativa em votar a matéria deu o tom de como assunto deverá ser tratado na volta do recesso parlamentar, correndo até o risco de acabar engavetado pelos parlamentares.
Autor da proposta, o senador Paulo Paim (PT-RS) expressa lamentação sobre o trato que o Congresso vem dando ao assunto. Na última discussão, quando o projeto entraria na pauta de votação da CCJ, acabou retirado à pedido do relator, senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que estima apresentar pelo menos 16 substitutivos ao projeto no seu parecer. Diante da dificuldade, Paim radicalizou nas críticas aos colegas de comissão.
“Assim é melhor nem aprovar o projeto. Com tantas modificações, eu acho que o Estatuto acabou completamente descaracterizado. É lamentável que o Congresso dê essa resposta para um assunto dessa importância. O Estatuto que vai ser votado está caminhnado para o vazio”, protesta o parlamentar, que ensaia fazer uma ofensiva já no mês de janeiro e pedir aos colegas que reconsiderem sua posição e acelerem a votação.
Polêmicas
Um dos pontos cortados do projeto original foi a obrigatoriedade de as emissoras de televisão reservarem uma cota para atores e figurantes negros. Também foi retirada do estatuto a criação de cotas para negros nas universidades. Primeira instituição a adotar o sistema, a Universidade de Brasília (UnB) sofreu duras críticas ao incentivar outras universidades a aderirem ao sistema.
“O negro, em toda sua história, sofreu pela falta de oportunidades econômicas e educacionais. Não tem sido muito diferente hoje. Uma coisa está diretamente ligada à outra. E a proposta inicial do estatuto solucionaria essa problemática”, argumenta o senador Paim.
Um dos últimos ataques que a proposta sofreu foi a supressão, imposta pela bancada ruralista na Câmara, de um longo capítulo sobre terras de quilombolas. O projeto definia que os habitantes dos quilombos precisam não apenas das terras que ocupam, mas também de áreas tradicionais, ocupadas por seus antepassados e descendentes. No fim, restou um artigo curto, definindo que os habitantes terão direito apenas à titulação das terras que ocupam.
Mas, ainda assim, a preocupação está ligada à possível brecha que poderia ser aberta para que os descendentes pudessem manifestar direito de posse sobre as antigas terras. Com isso, a proposta acabou radicalmente cortada.
Dia da consciência negra
Não é apenas o senador Paulo Paim que vem amargando frustrações com a proposta. O próprio Palácio do Planalto estava com tudo pronto neste ano para que o presidente Lula sancionasse a lei em 20 de novembro, Dia da Consciência Negra. Para isso, o governo contava com celeridade do Senado. Mas não foi o que ocorreu, e o cenário para 2010 pode ser ainda menos animador.
Os senadores da CCJ não chegaram a definir qualquer data ou articulação para retomar o diálogo do projeto. Tudo indica que, por se tratar de ano eleitoral, e tendo em vista o ritmo de acordos conturbados na comissão, a matéria possa sofrer atraso ainda maior e acabar realmente engavetada, embora Paim garanta que o debate não será deixado de lado.
“Eu acho que o projeto enfraqueceu muito. Mas, ainda assim, se conseguirmos evitar as alterações que estão sendo manifestadas nos bastidores, o projeto pode avançar, ainda que sem espaço para novas emendas”, avalia o senador.
Mudanças estruturais
Pelas regras do estatuto aprovado na Câmara, os partidos políticos passam a ser obrigados a destinar aos negros 10% de suas vagas para candidaturas nas eleições. A proposta também exige que o sistema público de saúde se especialize em doenças mais características da raça negra, como a anemia falciforme.
Na educação, passa a ser obrigatória a inclusão no currículo do ensino fundamental de aulas sobre história geral da África e do negro no Brasil. Outra novidade é o incentivo fiscal que o governo poderá dar para empresas com mais de 20 funcionários e que decidirem contratar pelo menos 20% de negros.