RICARDO ANTUNES
Para especialista da Unicamp, não é aceitável retirar direitos do trabalhador
Antunes diz que empresas querem “flexibilizar para baixo” a CLT e transferir aos trabalhadores e ao Estado o ônus da crise que criaram
VERENA FORNETTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Ricardo Antunes, professor titular de Sociologia do Trabalho da Unicamp, afirma que as empresas querem usar um mecanismo de burla, transferindo para os trabalhadores e o Estado o ônus da crise. Para o professor, medidas como a suspensão temporária do trabalho, conhecida como “layoff”, criam apenas a porta de saída para o desemprego e representam um período em que o funcionário sobrevive com uma semi-remuneração.
FOLHA – O sr. acha que a própria CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] permite flexibilizar relações de trabalho, por exemplo, por meio da suspensão temporária do contrato?
RICARDO ANTUNES – A CLT nasceu em 1943 como uma consolidação de leis, enfeixando um conjunto de medidas que compreendiam direitos do trabalho. Ela estabelece um patamar mínimo legal sobre o qual é possível fazer uma negociação entre capital e trabalho, mas nunca rebaixando o patamar dado pela CLT. Esse é o primeiro ponto: ela é flexível para cima, a partir desse patamar que vale para o conjunto da classe trabalhadora. A partir disso, é possível fazer um conjunto de negociações que possam, por exemplo, ampliar direitos. O problema é que as empresas, em uma situação de crise forte, usam um instrumento que é a burla, ou a flexibilização para baixo, da CLT. A CLT permite uma flexibilização para cima. O que as empresas querem agora é usar um mecanismo de burla, como fazem com muita freqüência na legislação social brasileira, de tal modo que elas, responsáveis pela crise, transfiram para os trabalhadores e também para o Estado o ônus da crise. E os lucros permanecem preservados. Ou seja, os responsáveis pela crise são os únicos que não querem pagá-la.
FOLHA – Qual é a sua opinião sobre as negociações em curso entre sindicatos e empregadores?
ANTUNES – A CLT permite que haja um período de cinco meses [conhecido como “layoff”] que permite uma fase em que o trabalhador poderia buscar qualificação. É muito diferente usar esse mecanismo como uma porta de saída do trabalhador do emprego para o desemprego. O problema que está se colocando agora é dessa ordem. A flexibilização das leis trabalhistas tem sido colocada como um imperativo dos capitais em escala global. No Brasil, isso vem acontecendo também há um bom tempo, como se percebe na proposta em que se quer fazer com que o negociado se sobreponha ao legislado. Por exemplo, existe uma lei, uma jornada de trabalho definida, mas, se as empresas negociarem com os sindicatos um aumento ou uma redução dessa jornada de trabalho, o negociado passará a se sobrepor ao legislado. E as empresas querem isso porque sabem que, em um momento difícil, os trabalhadores temem flagelo maior, o desemprego. Em situação adversa, os trabalhadores podem abrir mão de direitos para garantir o mais elementar, que é o trabalho. Mas isto é muito negativo para os trabalhadores e, por isso, deve ser rejeitado.
FOLHA – E a sua opinião sobre as propostas em curso para flexibilizar as leis do trabalho?
ANTUNES – As propostas que estão em curso, como aquela apresentada pelo [secretário do Trabalho e Relações do Trabalho de São Paulo] Guilherme Afif Domingos e muitas outras, não trazem nenhuma vantagem real para os trabalhadores, mas grandes desvantagens. Não é verdade que, fazendo esse tipo de concessão, o emprego estará garantido. Provavelmente os trabalhadores vão ganhar um estágio de cinco a dez meses de semi-remuneração, que é o caminho abrandado do desemprego. Isso não é bom para a classe trabalhadora. E não é aceitável. E em todas as experiências de flexibilização ocorridas -veja o exemplo inglês ou norte-americano- quem acaba perdendo é a classe trabalhadora.