Marcela Rocha
Especial para Terra Magazine
“Essa dicotomia que as empresas apresentam de que só se preserva empregos flexibilizando direitos é falsa. Não existe ‘ou um ou outro’, é possível os dois: manter direitos e preservar empregos”. A análise é de Ricardo Antunes, professor e pesquisador sobre trabalho e sua nova morfologia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Empresários e governo do estado de São Paulo apresentam ao Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat) – do Ministério do Trabalho e Emprego – nesta quarta-feira, 17, uma proposta de flexibilizar direitos trabalhistas. Segundo a comissão elaboradora, é uma medida emergencial para atenuar os impactos da crise econômica internacional no emprego formal. O intuito é, por meio de uma medida provisória, suspender temporariamente os contratos de trabalho e, para isto, alterar a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
Em entrevista a Terra Magazine, Antunes refuta a idéia de que é preciso flexibilizar direitos para assegurar os empregos mesmo num momento de crise.
– Espanha não fez isso, nem os Estados Unidos, nem Inglaterra, França, Itália, Argentina. Por quê? Não há nenhuma experiência mundial que mostre que flexibilizar é garantir empregos – contesta o professor.
Antunes enxerga uma “inversão perversa de valores”, mas acredita ser possível uma negociação diferente. Para o pesquisador, o aumento significativo de desempregados no País significa mais candidatos à miséria e ao aumento da criminalidade.
Ele enfatiza que esses fatores, juntos, alimentam a “economia do narcotráfico”. E completa: “Inclusive este é o único setor que se expande durante crises”.
Veja a entrevista na íntegra:
Terra Magazine – É possível manter os empregos sem flexibilizar os direitos trabalhistas?
Ricardo Antunes – Esta proposta de flexibilização é uma forma falaciosa de diminuir o emprego. Como se eu dissesse: Vou reduzir os seus direitos para garantir os seus direitos. Não é verdade que essa medida asseguraria os empregos. Não só os direitos são perdidos como se abre uma brecha para que eles nunca mais voltem a existir. O único jeito de garantir que isto não aconteça em uma situação de crise é se a empresa reconhecer o quanto ganhou nos últimos anos e que agora é o momento de preservar os empregos. Porque flexibilização é uma forma de precarização.
Por que flexibilizar a CLT?
A CLT brasileira já não é rígida, ela abre espaço para negociações entre empresas e trabalhadores, via sindicatos. Mas o grande problema é que estas negociações saem caro para os empregados porque enquanto a empresa lucra não há divisão dos ganhos, mas em momento de crise, as negociações socializam os ônus. Isto é uma visão microcósmica da crise. A Vale, por exemplo, depois da privatização, lucrou muito e manter isto é a clausula pétrea da empresa, e não assegurar os direitos dos seus empregados. Mas quero lembrar que não foram os trabalhadores que entraram na ciranda financeira. Existe uma inversão perversa de valores.
Pelo que o senhor disse, flexibilizar aumentaria o desemprego ou o número de trabalhadores informais? Queria ver se propusessem flexibilizar os lucros das empresas. Estamos em um momento de garantir direitos e não de destruí-los. Isto é, se estivéssemos em um país socialmente mais sério. Se um trabalhador é demitido hoje, num momento de crise profunda, onde ele será admitido? Em lugar nenhum. E os desempregados, fazem o que para sobreviver? Mais candidatos à pobreza e miséria. Aumenta a criminalidade e alimenta a economia do narcotráfico. Inclusive este é o único setor que se expande durante crises.
Mas flexibilizar os direitos trabalhistas não evitaria o desemprego em massa? Há um senso comum de que flexibilizar vai garantir empregos, mas a Espanha não fez isso, nem os Estados Unidos, nem Inglaterra, França, Itália, Argentina. Por quê? Não há nenhuma experiência mundial que mostre que flexibilizar é garantir empregos. Muito pelo contrário, é muito mais próximo de precarizar do que de garantir emprego e estabilidade. É um discurso que não tem sustentação, olhemos para as experiências históricas. No caso do Brasil, o Fernando Henrique Cardoso começou com a flexibilização dos direitos trabalhista ao criar o contrato provisório. Foi bom? Quando faltava um dia para completar três meses em um emprego, o trabalhador era demitido para que não se configurasse como empregado da instituição. Essa maleabilidade é interessante aos empresários, é claro, para que seus lucros não diminuam na altura em que a atual crise quer lhes impor.
Então não há como negociar?
É claro que é possível negociar. Essa dicotomia que as empresas apresentam de que só se preserva empregos flexibilizando direitos é falsa. Não existe ‘ou um ou outro’, é possível os dois: manter direitos e preservar empregos.
Como?
A condição para garantir direitos é preservá-los e ampliá-los. Num passado recente criaram o banco de horas, para que os empregados trabalhassem mais de oito horas. Chega a crise e são obrigados a parar. Como fica a estabilidade da família? Completamente vulneráveis, não sabem se haverá férias, quanto vão receber, se trabalham duas ou 12 horas. Flexibilizar é como uma mola. As empresas reconhecem que com a crise custos precisam ser cortados para que consigam se manter na concorrência global. O problema é: o custo que querem cortar é o custo-trabalho. Precisamos rediscutir qual tipo de sociedade queremos.
De maneira mais prática, existe a possibilidade de manter ambos, direitos e empregos?
A OIT já afirmou que até o final de 2009 espera-se 20 milhões de desempregados. Não podemos nem cogitar a idéia de que para manter a competitividade entre as empresas tenhamos que cortar empregos e nem que para mantê-los sejam cortados direitos. É a partir daí que devem começar as negociações.