Aprovado nesta quarta-feira, 9, pela Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP) da Câmara Federal, o Projeto de Lei 4330/04, de autoria do deputado Sandro Mabel (PR-GO), que regulamenta a terceirização no Brasil, tem diversos pontos que representam um ataque direto à legislação trabalhista e mesmo à Constituição Federal, na visão da Contraf-CUT.
“Na prática, este projeto nefasto propõe a desregulamentação das relações formais de trabalho, negando a CLT e toda a legislação trabalhista”, sustenta Miguel Pereira, secretário de Organização do Ramo Financeiro da Contraf-CUT e membro do Grupo de Trabalho sobre Terceirização da Central única dos Trabalhadores (CUT).
“Ele representa praticamente o fim das categorias formais, reguladas por acordos e convenções coletivas negociadas pelos sindicatos, jogando por terra toda a história de luta dos trabalhadores. É um ataque à própria Constituição Federal, que assegura o valor social do trabalho como base estruturante da sociedade brasileira”, diz o dirigente sindical.
Veja os principais problemas da proposta:
Autoriza terceirização em empresas privadas e públicas – O projeto permite a uma empresa terceirizar todas as etapas de seu trabalho, seja ela pública ou privada, ignorando as diferenças legais entre as duas situações. Com isso, passa por cima da necessidade de concurso público para contratação em empresas públicas e abre a possibilidade de fraudes em licitações.
Estabelece responsabilidade subsidiária – Com isso, os trabalhadores ficam obrigados a demandar juridicamente a empresa terceirizada e não a contratante dos serviços. Apenas depois de executada a terceirizada, caso esta não cumpra com a determinação judicial, o trabalhador poderá demandar a contratante – aumentando e muito a demora do processo. Trata-se de um retrocesso em relação à atual situação, uma vez que a Justiça do Trabalho tem determinado a responsabilidade solidária pelas obrigações trabalhistas, permitindo ao empregado escolher qual das empresas processar.
Desconsidera CLT – O PL desconsidera toda a legislação ao instituir à empresa contratada a responsabilidade pelas obrigações trabalhistas. A CLT estabelece o princípio da “primazia da realidade”, pelo qual a Justiça deve se guiar pelas reais condições de trabalho e não pelo que está estabelecido em eventuais contratos. Por esse princípio, se uma pessoa trabalha num determinado ambiente sob ordens de determinada empresa, não importa se seu contrato afirma que ela está ligada a uma terceira: a responsabilidade é da contratante, não da terceirizada. Além disso, o projeto vai contra o os artigos segundo e terceiro da CLT, nos quais está definida a relação de emprego.
Permite trabalhador contratado como PJ – Uma das emendas acolhidas pelo relator substituiu a expressão “sociedade empresária” por “pessoa jurídica” na definição da empresa prestadora de serviços. Assim, a contratação de pessoa jurídica individual passa a ser considerada como terceirização e não como relação de emprego – passo enorme para a precarização de direitos.
Diferencia trabalhadores – O projeto atribui à empresa terceirizada a responsabilidade pela definição de salário do empregado, bem como pelas condições de segurança, higiene e salubridade do local de trabalho – contrariando mais uma vez o princípio da “primazia da realidade”. Quase ironicamente, o relator fala em “isonomia no tratamento” ao acolher uma emenda que obriga a contratante a oferecer ao trabalhador terceirizado os mesmos benefícios oferecidos aos seus empregados relativos a atendimento médico e ambulatorial e refeição nas dependências.
Autoriza subcontratação em vários níveis – O PL autoriza não apenas a terceirização, mas a subcontratação de mão de obra em diversos níveis. Assim, uma empresa terceirizada poderia “quarteirizar” ou “quinteirizar” a contratação de trabalhadores, criando uma relação sem fim entre empresas, deixando o trabalhador sem saber para quem está realmente prestando serviço. Além disso, com a responsabilidade subsidiária, o trabalhador da ponta ficará ainda mais distante de uma resolução caso demande judicialmente seu empregador.
Serviços domésticos – O projeto inclui no regulamento da terceirização o serviço doméstico e as áreas de vigilância e transporte de valores. Isso representa um enorme retrocesso, especialmente para a luta dos trabalhadores domésticos, categoria já marcada pela falta de direitos. E ainda anula avanços obtidos pela categoria no Judiciário, que tem reconhecido a relação de emprego no serviço doméstico.