Professor de economia aponta os riscos de um Banco Central independente

Flávio Fligenspan
Sul21

Nestes tempos de debate eleitoral discutem-se os mais variados temas de diversas áreas da vida do país, desde questões ligadas à economia até as de fundo moral e religioso. Alguns temas são verdadeiras novidades e outros são nitidamente requentados de debates anteriores, o que não quer dizer que estejam resolvidos.

Um assunto que foi retomado recentemente é o da independência do Banco Central (BC), isto porque há uma clara divergência entre a posição de Dilma – igual à de Lula nas campanhas passadas – e as propostas de Marina e Aécio, para nos atermos aos que aparecem na frente das pesquisas. Dilma é contrária à independência e os outros dois candidatos se mostram favoráveis, seja por convicção, seja pela busca de apoios e votos.

Em primeiro lugar é importante dizer que o Banco Central do Brasil nasceu em 1964, no início do ciclo militar, assumindo funções antes dispersas na Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), no Banco do Brasil e no Tesouro Nacional. Nestes 50 anos de atuação assumiu cada vez mais as funções de agente regulador e fiscalizador do sistema monetário nacional; de controlador dos fluxos de capital estrangeiro e do mercado de câmbio; e de guardião da moeda, responsabilizando-se, entre outras coisas, pela fixação da taxa de juros básica e pelo controle da inflação. Como se vê, são tarefas importantes e decisivas para o bom funcionamento da economia brasileira, tanto internamente, como nas suas relações com as demais economias do mundo.

A ideia de independência está ligada à escolha de uma diretoria que teria mandato definido e, eventualmente (não obrigatoriamente) não coincidente com o do Presidente da República, com proteção legal contra a demissão, podendo, assim, agir de acordo com suas convicções técnicas sem sofrer pressões da Presidência ou mesmo dos Ministérios da área econômica.

Há inúmeras formas de abordar o debate e vários pontos a levantar a favor e contra a independência. Um deles, de caráter mais político do que econômico, reflete sobre a delicada questão de, uma vez tendo sido eleito por voto popular, até que ponto é legítimo um Presidente da República entregar tamanha responsabilidade da administração do BC a um grupo de diretores que passariam a agir sem nenhuma obrigação de escutar a sociedade ou se sentir fiscalizados por ela.

Poderiam, portanto, chegar a situações-limite em que propusessem claramente políticas recessivas sem se importar com suas repercussões sobre o emprego, a renda das famílias e a situação financeira das pequenas e médias empresas.

Ou, por outro lado, poderiam alterar de tal forma as regras de entrada e saída de divisas que levassem a uma super valorização da moeda nacional, causando grandes déficits externos e problemas de competitividade para os produtos nacionais. E estas políticas poderiam durar vários anos, de acordo com a extensão do mandato da diretoria do BC, chegando até mesmo ao caso difícil de imaginar em que um novo Presidente da República fosse eleito e tivesse que adaptar seu governo à política do BC – isto para o caso em que o mandato da diretoria do BC não coincidisse com o mandato do Presidente da República.

Uma outra questão remete a uma situação real vivida pela sociedade brasileira na passagem de 1998 para 1999. Como se sabe, naquele momento derreteu a chamada “âncora cambial” que vigorou nos primeiros quatro anos e meio do Plano Real, ou seja, o Banco Central do Brasil perdeu o estoque de reservas que sustentava a manipulação da taxa de câmbio, gerando um dólar barato, justamente o instrumento que segurava a inflação brasileira. Conseguimos ultrapassar a crise do México (1994/1995), a crise asiática (1997) e a moratória russa (1998), sempre com altíssimas taxas de juros que atraíam capital especulativo internacional, mas no segundo semestre de 1998 os aplicadores/especuladores fizeram as contas e viram que a situação externa brasileira se deteriorava rapidamente. Temendo não conseguir receber seus recursos aplicados no Brasil, praticaram uma tradicional fuga cambial, retirando cerca de US$ 30 bilhões em poucas semanas entre agosto e setembro de 1998.

Com a iminente débâcle do Real, a reeleição de Fernando Henrique ficou seriamente ameaçada e o Brasil teve que levantar um empréstimo emergencial de US$ 42 bilhões junto ao FMI, a organizações multilaterais e até mesmo ao governo dos EUA, mas antes mesmo dos recursos chegarem a sangria de dólares continuou e “falimos” no meio de janeiro de 1999.

Lembro disso para falar da posição do Presidente do BC na época, Gustavo Franco, que, diante da fuga de dólares, reafirmava insistentemente a necessidade de manter a “âncora cambial”, como que negando a realidade. Foi afastado no dia 13 de janeiro de 1999, quando a política cambial mudou para um sistema de bandas que funcionou apenas por dois dias. No dia 15 de janeiro, com um estoque mínimo de reservas o Governo se declarou derrotado, deixou o dólar flutuar, a taxa de câmbio disparou e acabou a primeira fase do Plano Real. Até hoje, quando entrevistado, o ex-Presidente do BC reafirma sua convicção de que foi um erro deixar o câmbio flutuar naquele momento.

A pergunta óbvia que fica é: como seria possível sustentar a taxa de câmbio artificial sem reservas? Agora imaginemos o que aconteceria se aquele Presidente do BC tivesse mandato fixo por vários anos num sistema de independência. Espero não viver uma situação como esta. O BC é muito importante para ser entregue a poucos técnicos considerados iluminados.

Flávio Fligenspan é professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS.

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